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20/Jan/2021

Boi: consumo de carne poderá retroceder décadas

Em meio a uma alta de 18% no preço das carnes em 2020, o consumo de proteína bovina pelos brasileiros caiu no ano passado ao menor nível em mais de duas décadas. A perspectiva para 2021 é de que os preços da carne bovina continuem em alta, como resultado da oferta restrita de gado no País e forte demanda da China. Isso em um cenário de menor disponibilidade de renda dos brasileiros, com desemprego recorde, avanço da pandemia e fim do auxílio emergencial. Diante desse quadro, a expectativa é de uma nova queda no consumo interno de carne bovina este ano, o que deve levar o acesso à proteína preferida pelos brasileiros a níveis anteriores à década de 1990. Segundo dados da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), o consumo brasileiro de carne bovina foi de 29,3 quilos por habitante em 2020, uma queda de 5% em relação aos 30,7 quilos por habitante de 2019, ano em que o consumo já havia recuado 9%.

O patamar de 2020 é o menor da série histórica da Conab, que tem início em 1996 e representa uma redução de 13,5 quilos por habitante por ano em relação ao ponto máximo da série, de 42,8 quilos por habitante por ano em 2006, durante o primeiro governo Lula. A Conab mede o chamado consumo aparente ou disponibilidade interna per capita, que é o volume produzido, descontadas as exportações e somadas as importações. O número para 2020 é uma estimativa, já que ainda não há dados fechados para a produção pecuária no ano passado. Os dados consideram apenas a carne bovina fiscalizada. Mas, considerando a produção informal, a tendência é a mesma. Levando em conta a produção formal e informal, o consumo de carne bovina teria caído 11% em 2020, para 34 quilos por habitante, contra 38,2 quilos por habitante em 2019. No ano passado, o preço das carnes subiu 17,97%, segundo o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), bem acima da alta de 4,52% da inflação em geral.

Dos cortes bovinos analisados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apenas o filé-mignon teve queda de preço em 2020, de 6,28%. A picanha (17,01%), o contrafilé (12,71%) e a alcatra (5,39%) ficaram mais caros no ano passado. As carnes de ‘segunda’, mais consumidas pela população de baixa renda, cujos rendimentos foram impulsionados pelo auxílio emergencial em 2020, foram as que mais subiram, com alta de 29,74% da costela, aumento de 27,67% do músculo e avanços de 26,79% e 20,75%, respectivamente, do cupim e do acém. A alta das carnes nos supermercados acompanhou o aumento do preço do boi gordo. O boi gordo fechou 2020 cotado a R$ 267,15 por arroba, uma alta de 29% em relação ao final de 2019. Somente nos primeiros 15 dias de 2021, o preço do boi gordo já subiu 7,77%. Há uma combinação de fatores que explica a alta no preço do boi. O mais determinante é o ciclo pecuário: entre 2016 e 2018, o Brasil abateu muitas fêmeas, com isso, o preço do bezerro subiu muito e diminuiu a oferta de gado pronto para entregar.

Desde o final de 2019, com o preço dos chamados bovinos de reposição (bezerro, boi magro e garrote) em alta, os produtores passaram a reter as fêmeas nas fazendas para elevar a produção. Com menos fêmeas indo para o abate, a oferta ficou reduzida no ano passado e a tendência é que a retenção de fêmeas continue ao longo desse ano, já que o preço do bezerro segue em alta. O segundo fator importante foi a China, porque, nos outros mercados compradores de carne brasileira (Egito, Rússia, Chile, Estados Unidos), houve retração. Destaca-se ainda o papel da alta do dólar nesse impulso às exportações para a China, o que reduz a oferta de carne no mercado interno, levando à alta de preços. A participação da China nos embarques brasileiros de carne bovina chegou a 40,9% em 2020, comparado a 25,3% em 2019 e 6,5% em 2015.

E, com esse impulso chinês, a participação das exportações na produção total de carne bovina brasileira chegou a 28% no ano passado, contra 24% em 2019 e 19,3% em 2015. O surto de peste suína africana (PSA) na China ainda repercute na forte demanda do país por proteínas. Ainda não houve resolução para a peste suína africana. A estimativa é de que a doença dizimou entre 40% e 60% do plantel de suínos na China, isso representa mais ou menos um terço da produção de carne suína no mundo. Com essa redução na oferta de suínos, os chineses têm consumido mais frango e carne bovina, daí o forte aumento da demanda naquele país. Além desse fator conjuntural, também contribuíram para o crescimento das importações pela China o fato de ela ter sido a única grande economia do mundo a registrar crescimento em 2020, mesmo em meio à pandemia do coronavírus, e um fator mais de longo prazo, que é o gradual aumento de renda da população chinesa, o que resulta em maior consumo de proteínas mais caras, como é o caso da carne bovina.

A alta de preços do boi gordo tem impacto distintos na cadeia pecuária. Os pecuaristas que trabalham com engorda e recria chegaram a perder margem no ano passado, já que o farelo de soja subiu 100%, o milho subiu 70% e o bezerro, mais de 80% dependendo da categoria. Por mais que o boi gordo tenha subido de preço, os custos de produção variaram acima. Os pecuaristas que trabalham com o ciclo completo (produzindo o bezerro, engordando-o e vendendo o boi dois anos depois) tiveram margens melhores, porque seu estoque se valorizou. Para os frigoríficos, a diferença está entre os pequenos dedicados ao mercado interno e os maiores, com certificação para exportar. O frigorífico que trabalha exclusivamente com o mercado doméstico foi muito prejudicado em 2020, porque o preço do boi gordo subiu muito e o preço da carne bovina no atacado não acompanhou na mesma medida, então ele perdeu margem.

Segundo o Sindicato das Indústrias de Frigoríficos de Mato Grosso (Sindifrigo-MT), foram muitos os frigoríficos que precisaram fazer ajustes para sobreviver ao ano passado. Toda indústria tem uma linha de equilíbrio de produção, com uma série de custos fixos. Quando o abate fica muito abaixo da capacidade da empresa, aumenta o custo no produto final, isso se reflete nesse preço maior que é visto na ponta, com a carne mais cara para o consumidor. A ociosidade da indústria frigorífica esteve entre 15% e 25% ao longo de 2020, sendo que o normal é uma folga em torno dos 10%. No ano que se inicia, as perspectivas não são melhores, já que a renda e a demanda do brasileiro devem diminuir, mas os preços da carne tendem a continuar em alta, devido à escassez de oferta e à forte demanda externa. Com o desemprego acima dos 14% e a extinção do auxílio emergencial, o consumidor brasileiro de baixa renda vai para proteínas alternativas, como ovo, frango e suíno, que também estão com valores altos, mas a carne bovina é a que mais sente quando o poder aquisitivo da população diminui.

A expectativa é de uma nova queda do consumo per capita de carne bovina esse ano, voltando a patamares antigos, de 20, 30 anos atrás. O consumo de qualquer tipo de alimento de valor agregado maior é determinado por renda, preço e preferência. A carne bovina de ‘primeira’ é a que tem maior elasticidade entre as carnes, em torno de 0,6. Ou seja, se a renda aumentar 10%, o gasto com carne bovina de ‘primeira’ aumenta 6%. Para carne de ‘segunda’, a elasticidade é de 0,2. Nesse primeiro semestre de 2021, com o fim do auxílio, o consumo vai cair no mercado brasileiro. O cenário pode ser melhor na segunda metade do ano, caso a economia venha a se recuperar, levando a um aumento da renda. Mas, os preços das carnes devem permanecer elevados pelo menos até a metade de 2022, por conta do ciclo pecuário.

A baixa oferta de boi gordo não é algo que se consegue resolver de imediato. A produção de bovinos é plurianual, começa a produzir hoje, para entregar daqui a até 4 anos. Mesmo quando houver aumento da oferta de gado, os preços da carne bovina não voltarão aos níveis do passado, devido a mudanças na indústria pecuária que tornaram o processo de produção mais custoso. O Brasil, a cada dia que passa, tem menos bois sendo terminados a pasto. O grande rebanho brasileiro hoje é terminado em confinamento. Há cerca de dez ou quinze anos atrás, havia menos de 20% de bovinos terminados a cocho, hoje é mais da metade. Esses bois comem grãos, e por isso são finalizados em 18 a 24 meses, comparado a três a quatro anos quando o bovino era solto no pasto. A arroba do boi ganhou valor e terá oscilações, mas estará sempre em novo patamar. Fonte: BBC News Brasil. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.