ANÁLISES

AGRO


SOJA


MILHO


ARROZ


ALGODÃO


TRIGO


FEIJÃO


CANA


CAFÉ


CARNES


FLV


INSUMOS

15/Jun/2020

Boi: é necessário rastrear cadeia de fornecimento

O Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) da Carne e o Compromisso Público da Pecuária (CPP) na Amazônia estão em vigor há dez anos, mas algumas lacunas ainda impedem que o processo produtivo ateste 100% a garantia do não desmatamento. É o que mostra estudo da organização não governamental (ONG) Amigos da Terra - Amazônia Brasileira. Segundo o levantamento, o principal gargalo no Pará, Estado foco do estudo "TAC da Carne no Pará e Compromisso Público da Pecuária", é a dificuldade de rastrear toda a cadeia produtiva de bovinos de corte para, assim, ter a certeza de que eles não foram criados em áreas desmatadas ilegalmente ou em fazendas que utilizam mão de obra análoga à escravidão, entre outras exigências sociais e ambientais do TAC da Carne e do CPP. Segundo a ONG Amigos da Terra, os frigoríficos que aderiram ao TAC da Carne (proposto pelo Ministério Público Federal) ou ao CPP (da ONG Greenpeace) conseguem rastrear muito bem bovinos da fase final da cadeia, ou seja, aqueles provenientes das fazendas que vendem o boi gordo, pronto para abate, o chamado "fornecedor direto".

Tanto que, em 2017, por exemplo, houve apenas 9,3% de um total de 2,08 milhões de bovinos abatidos com algum tipo de irregularidade. Em 2018, o número subiu para 2,5 milhões e as irregularidades caíram para 4,7%. O monitoramento é feito por auditorias independentes contratadas pelas empresas de abate. Entretanto, o Ministério Público Federal (MPF) mudou a metodologia de cálculo, o que pode ter contribuído para a queda mais acentuada. De todo modo, entre as empresas que aderiram ao TAC, a evolução na sistematização e no monitoramento de compras é clara tanto no cômputo geral quanto avaliando-se as indústrias separadamente. O Frigorífico Masterboi, por exemplo, que em 2017 apresentou 31% de irregularidades, em 2018 registrou 3,7%. A gigante JBS, por sua vez, apresentou 19,1% de irregularidades no TAC da Carne em 2017, em 2018, esse percentual caiu para 8,3%.

O estudo aponta, então, que embora a venda direta seja rastreada de maneira satisfatória, o gargalo está no monitoramento das fases anteriores: são aquelas fazendas que trabalham com cria e recria e são fornecedoras indiretas de bovinos, pois vendem para as propriedades que compram o boi magro para engordar e vender ao frigorífico. As fazendas que não fornecem o gado direto para o abate são as que carecem de maior fiscalização dentro do TAC da Carne ou do CPP. Há uma triangulação na venda de bovinos que acaba permitindo que aqueles criados em áreas não conformes sejam fornecidos para fazendas conformes. Estas, por sua vez, vendem para o frigorífico o boi "legalizado". Essa estratégia é possível justamente porque não há monitoramento mais consistente nas fases da cadeia produtiva anteriores à engorda. A Amigos da Terra tem interpelado os frigoríficos signatários do TAC ou do CPP a monitorarem a cadeia como um todo, e não só os fornecedores diretos.

Na época em que eles assinaram o TAC da Carne, há dez anos, a proposta era monitorar inicialmente os fornecedores diretos e depois a cadeia como um todo. Já está em tempo de desenvolver tecnologias e metodologias para aferir se aqueles frigoríficos estão atendendo de fato os requisitos dos termos que eles mesmos assinaram, tanto do TAC quanto do CPP. Outro gargalo apontado pelo estudo é o fato de que nem todos os frigoríficos do Pará aderiram ao TAC da Carne, proposto pelo Ministério Público Federal (MPF) do Estado em 2009. O levantamento da Amigos da Terra mostra que o Estado possui 45 plantas frigoríficas ou exportadoras de bovinos vivos, das quais 32 são signatárias do TAC da Carne, sendo que o estudo analisou dados dos 10 frigoríficos mais relevantes para o setor, com abates iguais ou superiores a 50 mil bovinos entre 2016 e 2018. Assim, 30% das indústrias que operam no Pará não seguem as regras propostas, o que não quer dizer que não tenham sistema próprio de monitoramento para evitar o desmatamento, caso da Marfrig.

De toda forma, o estudo observa que esses exemplos ilustram como é que empresas operando no mesmo território, porém com políticas de compras e compromissos de controle diferentes, podem comprometer o ambiente de negócios competitivo e justo, como o da compra de bovinos, e prejudicar os resultados do esforço do MPF para a redução do desmatamento no estado do Pará. Para estimular os frigoríficos que aderiram ao Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) ou ao Compromisso Público da Pecuária (CPP) ou, ainda detêm sistema próprio de rastreabilidade, a monitorarem 100% de sua cadeia de fornecedores de bovinos, a ONG Amigos da Terra criou o Grupo de Trabalho sobre Fornecedores Indiretos (de gado de corte), o GTFI. Ele se reúne pelo menos uma vez por ano para trocar ideias e desenvolver mecanismos de monitoramento de fornecedores indiretos. O grupo tem conversado com frigoríficos sobre o tema e, recentemente, começou a atuar junto às empresas Marfrig e Minerva.

Este ano, iniciará um teste em uma planta de cada um desses frigoríficos de um sistema alternativo de monitoramento de fornecedores indiretos de gado. A Marfrig, embora não tenha aderido ao TAC da Carne no Pará, de acordo com o estudo da Amigos da Terra, confirma a informação da própria ONG, com a qual estabeleceu parceria, no sentido de melhorar e detalhar as informações sobre fornecedores indiretos. Neste contexto, está sendo desenvolvido um piloto para a aplicação do Visipec (um sistema de monitoramento das cadeias de fornecimento da pecuária brasileira que visa melhorar a rastreabilidade e fortalecer o monitoramento do desmatamento, desenvolvido pela Universidade de Wisconsin, nos Estados Unidos). O novo sistema de monitoramento começou este ano e deve passar pelas adaptações necessárias até 2021, afirmou a Marfrig. A ideia é identificar os municípios com maiores propensões de desmatamento e trabalhar com eventuais fornecedores indiretos que estejam lá, definindo as informações que precisam ser buscadas junto a eles.

Este "piloto" vem sendo aplicado em unidades na Amazônia e no Cerrado. Ao todo, a Marfrig possui quatro unidades de abate na Amazônia e cinco no Cerrado. A Marfrig abate hoje perto de 2,5 milhões de cabeças/ano. Deste volume, 45% são provenientes da Amazônia, onde possui mais de 17.000 produtores em sua base de dados (perto de 3.500 impedidos de comercializar com a empresa por causa de irregularidades socioambientais). Quase metade das fazendas, ou 47%, que atendem a empresa neste bioma é de ciclo completo (cria, recria e engorda). Dessas propriedades, portanto, há informações sobre a origem dos bovinos que são entregues, pois possuem rebanho próprio. O problema surge com a outra metade. Com esses 53%, há dificuldade em saber de onde os bovinos vieram antes da fazenda de engorda. Este limitador foi amenizado a partir de 2013, quando a empresa passou a adotar a ferramenta RFI (Request for Information) por meio da qual os pecuaristas que fornecem gado adquirido de terceiros devem informar, em uma espécie de questionário, a origem dos bovinos, preenchendo dados como nome da propriedade, do proprietário, CNPJ ou CPF, do município, do Estado, etc. As informações são cruzadas com as listas de irregularidades de órgãos como Ibama, por exemplo.

Com a iniciativa, o frigorífico ampliou de 50% para perto de 65% a quantidade de bovinos com origem identificada desde o nascimento. Com o novo mecanismo, a expectativa da Marfrig é validar, refutar ou melhorar a nova ferramenta até 2021 e iniciar, a partir daí, uma varredura com o objetivo de atingir 100% de mapeamento de seus fornecedores, zerando qualquer risco em adquirir bovinos originários de áreas de desmatamento. A ideia é utilizar o modelo também em outras regiões do Brasil. Outro avanço é a adoção do Protocolo de Monitoramento de Fornecedores de Gado da Amazônia. A partir de 1º de julho passa a ser referência para toda a cadeia. O documento atinge todos os signatários do Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) da Pecuária (Pará), do TAC da Carne Legal (Amazônia Legal) e do Compromisso Público da Pecuária (bioma Amazônia), no caso, as empresas frigoríficas e as de varejo. Ele está estruturado em 11 critérios: cinco monitoráveis por análises geoespaciais, dois por análises de listas públicas oficiais, três por análises de documentos e um por análise de produtividade do fornecedor.

A Minerva Foods confirmou que faz parte do Grupo de Trabalho de Fornecedores Indiretos, liderada pelas ONGs Amigos da Terra e National Wildlife Federation (NWF), grupo que reúne diversos atores da cadeia produtiva, entre indústrias, varejo, ONGs e associações de classe. A companhia diz, entretanto, considerar que não há dados e estatísticas acessíveis e confiáveis sobre a cadeia de rastreabilidade completa de gado para determinar o número de fornecedores indiretos no Brasil. Diante disso, não apresentou estimativa sobre a parcela representativa destes bovinos em seus abates. Informou, também, que trabalha na possível adoção exclusiva de uma alternativa que prevê o cruzamento eletrônico de guias de trânsito animal (GTAs) - documento obrigatório, que deve acompanhar o transporte de bovinos vivos. Neste sentido, está avaliando o uso da ferramenta Visipec. A análise proposta pelo sistema pode auxiliar na definição de estratégias para mitigação de riscos de irregularidades de fornecedores indiretos. A empresa registrou um abate médio de 1,7 milhão de cabeças nos últimos 12 meses (até 31 de março de 2020). Fonte: Agência Estado. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.