11/Nov/2025
No prato do brasileiro, a carne deixou de ser coadjuvante e passou a ser o ponto de partida. A “mistura” que antes acompanhava o arroz e o feijão agora dita o cardápio, e a estratégia da indústria de alimentos. Essa mudança impulsionou uma nova lógica de consumo de proteínas. De iogurtes com promessa de recuperação muscular a marmitas congeladas com 30 gramas de proteína, a comida passou a girar em torno de um nutriente. Parte desse efeito vem da popularização dos medicamentos análogos de GLP-1, como a semaglutida (Ozempic e Wegovy) e a tirzepatida (Mounjaro). Esses fármacos, que imitam um hormônio natural do intestino, reduzem o apetite ao retardar o esvaziamento do estômago e prolongar a sensação de saciedade. Assim, os pacientes comem menos, e de forma diferente. Sem acompanhamento adequado, porém, a perda rápida de peso pode vir acompanhada da perda de massa muscular. Por isso, médicos e nutricionistas recomendam reforçar o consumo de proteínas, essenciais para preservar a massa magra durante o processo de emagrecimento.
Mas, não é só quem usa medicamentos antiobesidade que busca mais proteína. A tendência de reduzir carboidratos vem se consolidando há décadas e agora se intensifica. Segundo a JBS, os Estados Unidos já não produzem carne suficiente para atender à demanda crescente, impulsionada por consumidores que aumentaram a ingestão de proteínas. Ainda não se sabe exatamente qual é o impacto desses novos medicamentos, Ozempic ou Mounjaro, mas algo está acontecendo, porque a proteína virou uma tendência. O apetite global por proteína vem moldando hábitos de consumo e estratégias empresariais em toda a cadeia alimentar e o Brasil segue a mesma direção. O uso de medicamentos à base de GLP-1 ainda é incipiente no País, mas o potencial é bilionário: o mercado já movimenta cerca de R$ 5 bilhões por ano e deve crescer com o fim da patente da semaglutida, previsto para o primeiro trimestre do próximo ano. Estima-se que até 6% da população brasileira possa usar algum análogo de GLP-1 nos próximos anos, percentual que tende a aumentar caso os medicamentos sejam incorporados ao SUS, segundo o Global Burden of Disease 2024 e a Associação Médica Brasileira.
Nesse cenário, a indústria alimentícia se prepara. O Brasil, um dos três maiores consumidores de carne bovina do mundo e entre os dez principais de carne de frango, agora vê crescer também a busca por alimentos proteicos prontos e saudáveis, entre eles, os lácteos. A Seara, da JBS, lançou em agosto a linha Protein, uma coleção de refeições congeladas com até 30 gramas de proteína, voltada ao público que busca alimentação funcional, incluindo usuários de GLP-1. Antes de chegar aos supermercados, o produto foi testado com 200 consumidores. Segundo a Seara, o brasileiro aprendeu a olhar o rótulo. Hoje, a proteína é atributo de destaque, e a categoria vai além do público fitness. A linha foi lançada em São Paulo e deve chegar a todo o País em 2026. O consumidor que come menos está mais seletivo. Ele quer o alimento certo e que tenha funcionalidade. O projeto começou a ser desenvolvido há mais de um ano, quando a companhia passou a mapear a transição do consumo de volume para o consumo de valor. Outra gigante que lançou sua linha proteica foi a MBRF, dona da Sadia e da Perdigão.
O consumidor quer refeições menores, mas mais equilibradas e com alto valor proteico. Um levantamento feito pela MBRF aponta que 19,7% dos brasileiros priorizam uma dieta saudável, 19,6% valorizam a economia de tempo e 11,9% buscam soluções prontas. Na Danone, o movimento é semelhante. A empresa enxerga a ascensão dos medicamentos à base de GLP-1 como parte de um fenômeno mais amplo de gestão de peso e saúde. Essas pessoas vão, em algum momento, buscar mudar seus hábitos, e a Danone quer estar pronta para acompanhá-las. A empresa redesenha seu portfólio para atender o brasileiro que quer comer melhor, esteja ou não em tratamento com medicamentos antiobesidade. A estratégia aposta em produtos multifuncionais que combinam proteína, fibras, probióticos e baixo teor de açúcar. Nos Estados Unidos, onde 12% dos adultos já usaram algum medicamento à base de GLP-1, os efeitos sobre o consumo são nítidos. Segundo a PwC, os lares com usuários dessas canetas reduziram os gastos com alimentos entre 6% e 11%, mas aumentaram a compra de produtos com proteína, fibras e baixo teor de açúcar.
A Nestlé lançou a linha Vital Pursuit, no Estados Unidos, voltada especificamente para esse público, com refeições congeladas pequenas, ricas em proteínas e fibras. A marca de iogurtes gregos Oikos, da Danone, registrou alta de cerca de 40% nas vendas no último ano, impulsionada por consumidores que buscam produtos com alto teor proteico e baixa caloria. Os medicamentos à base de GLP-1 reprogramam o apetite: o estômago esvazia mais devagar e o cérebro entende que já comeu o suficiente. É como se o corpo esquecesse de pedir comida com a mesma frequência, explica o cardiologista Pedro Farsky. Segundo ele, os análogos de GLP-1 podem reduzir o apetite em até 47%, levando à perda média de 17% do peso corporal nas primeiras 20 semanas. Para evitar perda de massa muscular, a recomendação é o consumo de 1,2 a 1,6 grama de proteína por quilo de peso corporal, distribuídas ao longo do dia. Sem essa reposição, a pessoa pode emagrecer rápido, mas perde força, disposição e imunidade. A prioridade deve ser preservar massa magra.
A nutricionista Bianca Naves, autora do livro ‘A Dieta das Canetas’, destaca que a mudança é também comportamental. Esses medicamentos diminuem o prazer imediato da comida. A pessoa come porque sabe que precisa, não porque quer. Muitos pacientes acabam substituindo refeições completas por frutas ou snacks leves, o que pode levar a carências nutricionais se não houver orientação. Nesse novo cenário alimentar, o leite e seus derivados, ricos em proteína de alto valor biológico, voltam a ocupar um papel central. Seja na forma de iogurtes, bebidas proteicas ou queijos com apelo funcional, os lácteos se consolidam como aliados de quem busca saciedade, praticidade e nutrição. Para a indústria de lácteos brasileira, este movimento representa a chance de migrar valor agregado através de inovação focada em proteína, seja em novos produtos, reformulações ou estratégias de comunicação que evidenciem atributos proteicos já existentes. Fonte: InvestNews. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.