28/Oct/2025
O Brasil mudou, passando de exportador de excedentes da produção para produtor para o mercado externo. Em pouco mais de 20 anos, a bovinocultura de corte brasileira passou por transformações marcantes e está com grandes avanços impostos pelo mercado, na forma de remuneração. A produção, que anteriormente era voltada quase exclusivamente ao consumo interno, hoje está estruturada também para o mercado global. A exportação, que era um complemento, tornou-se o motor da expansão da produção de carne bovina no País. No início dos anos 2000, o Brasil produzia pouco menos de 4,0 milhões de toneladas de carcaça bovina. A exportação engatinhava, com volumes modestos e uma participação residual na produção total.
O consumo doméstico é o principal destino da carne produzida e a dinâmica do mercado interno tem o maior peso na composição dos preços, assim como no desempenho do abate e margens da cadeia. Porém, esse cenário começou a mudar com a exportação. No ano em que a China aumentou a importação do Brasil, os “prêmios” (chamados de ágios) alcançaram R$ 50,00 por arroba. A combinação entre câmbio favorável, eficiência produtiva e status sanitário permitiu que o país ampliasse o comércio exterior. Nesse mesmo tempo, no período analisado, no mercado interno, o consumo ficou praticamente o mesmo, principalmente a partir de 2013, quando a carne disponível para consumo interno esteve em queda, e não voltou ao mesmo patamar de 2013 em nenhum dos anos.
No comparativo ano a ano, os anos de pandemia intensificaram a redução da disponibilidade interna, com uma produção em queda, em virtude do momento do ciclo pecuário, com uma exportação que caiu, mas em um volume menor. A variação, se colocado como base no ano de 2013, girou entre 1,5% e 23,2% negativos. A produção foi de 9,9% negativa, para 26,8% de alta. Ou seja, aumentamos a produção, e mesmo assim o consumo manteve patamares de queda em comparação com 2013. Vale ressaltar o crescimento da população no período, aumentando aproximadamente 6,7% em 2024 frente a 2013, o que, sem o aumento de produção e produtividade, teria reduzido ainda mais a disponibilidade por pessoa. O Brasil mudou, passando de exportador de excedentes da produção para produtor para o mercado externo.
Um dos fatores que compuseram esse cenário foi o consumo interno estagnado dos últimos anos. Dentre as proteínas de origem animal, a carne bovina é a mais cara e isso pode ser um limitador para um consumo interno crescente. E, se a produção fosse destinada apenas para o mercado interno, limitaríamos o potencial produtivo brasileiro. Em 2024, a produção nacional ultrapassou 10,0 milhões de toneladas de carcaça, e a exportação superou 3,4 milhões de toneladas, mais de 13 vezes o volume embarcado em 2000. No mesmo comparativo, a produção cresceu 2,65 vezes e o disponível para o mercado interno 1,88 vezes. A trajetória revela mais do que o crescimento físico da produção. Ela simboliza uma mudança estrutural da cadeia. Hoje, decisões sobre investimento, escala e ritmo de abate são cada vez mais influenciadas por fatores globais: demanda chinesa, sanções sanitárias, variação cambial e acordos comerciais.
Essa transição, embora tenha reforçado o protagonismo brasileiro no comércio internacional, alterou o equilíbrio interno. Em vários momentos da série histórica, o aumento da produção não repercutiu proporcionalmente na disponibilidade de carne no mercado doméstico. O que sugere que a exportação crescente não limitou a disponibilidade interna, que está estabilizada entre 5,0 e 6,0 milhões de toneladas de carcaça nesses últimos quase 20 anos. O País tornou-se uma potência exportadora e, com isso, como já mencionado, mais suscetível às oscilações do mercado global. Oscilações cambiais, barreiras sanitárias ou crises econômicas em grandes compradores podem causar impacto direto na cadeia produtiva interna.
Avanço técnico, melhoria da eficiência produtiva e o fortalecimento da imagem do produto brasileiro no exterior são resultados dessa integração global. A pecuária nacional deixou de ser apenas fornecedora de proteína e passou a atuar como agente competitivo em um mercado globalizado, com padrão de qualidade e rastreabilidade. O desafio agora é manter equilibrada a balança: manter a competitividade internacional sem comprometer o acesso e a estabilidade do mercado interno. A consolidação do Brasil como exportador é excelente, mas exige políticas consistentes e estratégias de longo prazo que garantam previsibilidade, sanidade e renda ao produtor, e carne acessível ao consumidor. Fonte: Alcides Torres. Broadcast Agro.