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17/Jan/2025

Leite: mudanças climáticas e impactos na produção

Em 2024, o aumento da temperatura, comparado com valores pré-industriais, deve ser acima de 1,55°C, algo que o Acordo de Paris previa acontecer na década de 2030 a 2040. Essa é a previsão do Laboratório de Observação da Terra - Copernicus da Comunidade Europeia. No Acordo, assinado em 2015, previa-se que as nações unissem esforços para que a temperatura global não atingisse um aumento de 1,5ºC. Este valor seria necessário para mitigar as consequências das mudanças climáticas. Apesar de todos os avisos da ciência, as emissões globais de gases do efeito estufa estão em contínuo crescimento. Entre 2022 e 2023, o aumento foi de 1,3%. As emissões precisam diminuir até 2030 em 43% para atingir as metas de temperatura de 1,5°C e 27% para atingir as metas de 2°C (OCDE, 2024). O Sexto Relatório de Avaliação (AR6) do IPCC (2022) aponta que existe, ainda, uma pequena janela de oportunidade para limitar o aquecimento global a 1,5°C.

Segundo o mais recente estudo do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa, o Brasil emitiu 2,3 bilhões de toneladas de gás carbônico equivalente (GtCO2e) em 2023. Isso representa uma redução de 12% em relação a 2022. É a maior queda percentual nas emissões desde 2009. A queda do desmatamento na Amazônia foi a responsável solitária pelo feito, demonstrando a importância das políticas públicas dos últimos dois anos. A agropecuária teve seu quarto recorde consecutivo de emissões, com elevação de 2,2%, devido principalmente ao aumento do rebanho bovino, 405 MtCO2e. A última redução nas emissões da agropecuária no Brasil foi em 2018. Desde então, as emissões do setor vêm aumentando e registrando recordes. Os efeitos das mudanças climáticas no mundo e no Brasil já se fazem presentes há alguns anos pela elevação das temperaturas diárias médias e máximas e ondas de calor mais frequentes, chuvas torrenciais com frequência e intensidade cada vez maiores, períodos de estiagem cada vez mais extremos e prolongados, incêndios florestais, entre outros.

As mudanças climáticas também podem promover outros impactos que alterariam os custos econômicos da produção leiteira, como os impactos na disponibilidade de recursos hídricos e a perda de áreas devido ao fogo. Mais da metade da produção mundial de alimentos está em áreas onde o armazenamento total de água está projetado para diminuir. Isso é consequência das mudanças no uso da terra e do aquecimento global que desestabilizam o ciclo da água e os padrões de precipitação. Entre os impactos, projeta-se que as taxas de crescimento na América do Sul podem cair 0,7% ao ano. As condições de seca agrícola e eventos extremos de precipitação estão se intensificando. Os dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) sobre a umidade média do solo continuaram a cair na maioria dos países da organização no período de 2019-2023. Essas condições de seca podem ser particularmente agudas no nível subnacional e durante estações específicas, gerando grandes consequências sociais e econômicas.

Todos estes eventos já determinam desafios ao cotidiano da produção leiteira mundial e nacional e, certamente, determinarão o futuro da atividade. As oscilações climáticas antes eram consideradas questões conjunturais, mas por serem cada vez mais frequentes, agora devem ser consideradas mudanças estruturais que impactam o setor no longo prazo. Pensando no futuro, uma pergunta que pode ser feita é: a produção de leite brasileira irá migrar das regiões mais afetadas pelos impactos das mudanças climáticas para regiões menos afetadas? Pegando somente um histórico mais recente, 30 a 40 anos, migrações da produção animal têm ocorrido, principalmente no continente europeu e entre os Estados norte-americanos, devido a diferenças nas exigências ambientais entre os países da Comunidade Europeia e os países do Leste Europeu e entre os Estados norte-americanos. No caso dos Estados Unidos, se observa nos últimos anos, migrações da produção leiteira de Estados tradicionalmente produtores. Entre os motivos, as condições climáticas adversas.

Estudo do Departamento de Agricultura Americano (USDA) estimou que os impactos das mudanças climáticas podem reduzir a produção de leite em 2030 entre 0,6% e 1,3% e que as maiores perdas ocorrerão nos Estados do sul do país, de clima mais quente. No Brasil, historicamente, Minas Gerais é o maior produtor de leite (média diária de 25.800 mil litros/dia). As Regiões Sudeste, Centro-Oeste e Sul continuam se destacando, com maior ênfase para Minas Gerais, Goiás, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Sabe-se que a produção está dispersa no território nacional, o que determina sua relevância social. Mas também se observam regiões de adensamento produtivo na Região Nordeste, em Minas Gerais, em Goiás e na porção oeste da Região Sul. Os potenciais impactos das mudanças climáticas na redução da produção leiteira irão variar geograficamente, com maior intensidade nas zonas climáticas naturalmente mais quentes.

Os três Estados da Região Sul do Brasil estão em zonas climáticas, termicamente mais amigáveis à produção animal. Segundo o estudo Perspectivas para o Agronegócio 2025 do Rabobank, a volatilidade climática deve ser monitorada e poderá trazer novos impactos negativos para a produção leiteira. Especialmente, condições extremas de calor impactam negativamente o conforto das vacas e a disponibilidade de pastagens. Os efeitos climáticos devem levar produtores a investirem em tecnologia, genética e eficiência produtiva. Deve-se lembrar que a produção leiteira brasileira é, predominantemente, a pasto. Este sistema de produção é mais suscetível aos efeitos das variações meteorológicas, portanto mais vulnerável aos efeitos das mudanças climáticas. O sistema a pasto concentra pequenas e médias propriedades, com baixa escala de produção e, mais frequentemente, reduzida capacidade de investimento em possíveis práticas e tecnologias mitigadoras aos efeitos das mudanças climáticas.

Também a se destacar que, além dos novos desafios impostos pelas mudanças climáticas, a produção nacional ainda não superou desafios básicos e históricos quanto a sua baixa eficiência média produtiva. Apesar de a média de produtividade das vacas no Brasil estar melhorando, ainda é muito baixa. O País hoje é o quarto maior produtor mundial, mas na produtividade por vaca ocupa a posição 77. Então, é preciso fazer tudo ao mesmo tempo agora. O básico da produção de leite para melhorar a eficiência produtiva e o básico da adaptação e resiliência climática para ter chance de sobreviver como atividade. Migrações da produção animal não são processos fáceis. No histórico mundial, estas migrações acontecem somente quando todas as soluções propostas não tiveram os resultados esperados. Então, se chegar ao ponto de a produção leiteira ser inviável em determinada região brasileira devido aos efeitos das mudanças climáticas, é porque não feito o suficiente para reduzir as emissões de gases do efeito estufa e para adaptar e dar resiliência climática aos sistemas de produção.

Um caso recente de tentativa de migração foi o das produções de suínos e aves da Região Sul para a Região Centro-Oeste. Isso ocorreu no início da década de 2000 e a justificativa era que, como a produção de milho e soja tinha migrado para a região, nada mais lógico que aliar produção animal com agricultura. Mas, uma peça deste ‘quebra-cabeça’ não foi considerada: a cultura produtiva que existia na Região Sul há mais de 40 anos e que era inexistente na Região Centro-Oeste. Além disso, o perfil do produtor do Centro-Oeste era de empresário rural e não de produtor familiar, o que fez este produtor contestar certas cláusulas dos contratos de integração propostos pelas agroindústrias. Por fim, a Região Sul continua sendo a maior produtora nacional destas proteínas. Cultura produtiva é algo que não se migra tão fácil. Se for feito o necessário para manter a temperatura do planeta em valores que permitam a sobrevivência de todos os seres vivos e, considerando que já se observa um novo normal de temperaturas mais altas, é preciso adaptar os sistemas de produção a isso, e a migração não deve ocorrer.

De certa forma, os produtores de leite já estão fazendo a adaptação, mas por outros motivos que não as mudanças climáticas e sim ganhos de escala e eficiência produtiva. Os números dos Censos do IBGE dos últimos 30 anos mostram tendência de mudança nos sistemas de produção, com crescimento da produção estabulada. Pesquisa da MilkPoint Ventures “Quem produz o leite brasileiro - 2023” concluiu que cerca de 41% do leite avaliado na pesquisa era proveniente de sistemas estabulados, mudança que vem ocorrendo nos últimos 10-12 anos no País. Na mesma pesquisa para o ano de 2024, conclui-se que o aumento do sistema estabulado está relacionado ao aumento da produtividade e da produção pautado na facilidade de controle alimentar, controle sanitário mais eficiente e níveis mais altos de bem-estar animal. Não se trata de defender sistemas de produção confinados como solução para adaptação aos efeitos das mudanças climáticas. é possível ter sistemas a pasto adaptados.

Uma variedade de práticas pode ser usada, como: sombreamento natural ou artificial, ventiladores e aspersores na sala de ordenha, raças e cultivares tolerantes ao calor, manejo nutricional como forma de reduzir a produção interna de calor pela vaca, correta drenagem do terreno, conservação da saúde do solo (correção da matéria orgânica, da fertilidade, rotações culturais, etc.), entre outras. As mudanças climáticas são um fato e seus efeitos já fazem parte da rotina produtiva do leite brasileiro. Daqui para frente, deve-se internalizar todos os conhecimentos para ter sistemas de produção mais adaptados e resilientes a estes efeitos. Se isso não for feito, a conta a ser paga, num futuro não muito distante, será muito alta e com consequências sociais drásticas. Sempre vale lembrar, foi a ciência que detectou as mudanças climáticas que vinham ocorrendo no planeta. A ciência pode propor os caminhos para a adaptação e resiliência dos sistemas produtivos, bem como os conhecimentos tradicionais devem ser considerados. Seguir os caminhos deve ser um movimento de todo o setor. Fonte: MilkPoint. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.