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07/Oct/2024

Leite: a profissionalização da produção no Brasil

A agropecuária do Brasil é hoje considerada uma das mais eficientes do mundo. Mas, a pouco tempo atrás o País era importador líquido de produtos agropecuários. Um dos fatores relevantes na profissionalização e no ganho de competitividade foi a inserção da agropecuária nos padrões internacionais, tornando o País um grande exportador. A profissionalização da produção de leite no Brasil tem sido um processo de transformação significativo, mas lento, ao longo das últimas décadas. Historicamente, a atividade leiteira no País sempre foi marcada por práticas rudimentares, com baixa tecnologia e pouco foco em eficiência produtiva.

No entanto, o cenário começou a mudar com a introdução de tecnologias avançadas, melhoramento genético das vacas e plantas e a capacitação dos produtores. Todavia, um setor mais competitivo e sustentável ainda não se consolidou, quando se analisa as médias. Se considerar, por exemplo, o volume de leite inspecionado, como uma referência da profissionalização do setor, a média em relação à produção total do País, no período de 2000 a 2023, foi de 67,8%, sendo que a maior parcela foi de 73,0% em 2017, enquanto na Argentina chega a 93% e no Uruguai a 92,8%. A profissionalização da cadeia láctea no Brasil envolve uma transformação profunda em todas as suas etapas, do campo ao consumidor final.

A modernização, o uso de tecnologias, a melhoria da logística e da qualidade são os pilares que têm possibilitado ao setor obter algum avanço, no atendimento às exigências de um mercado globalizado e cada vez mais seletivo. Para que o Brasil possa se profissionalizar e se transformar em um player relevante no mercado internacional de lácteos, deixando de ser importador líquido de derivados lácteos é necessário superar uma série de desafios como forma de promover a profissionalização em todas as etapas da cadeia produtiva do leite. Isso exige uma abordagem estratégica, que combine investimentos em tecnologia, gestão eficiente e atenção à qualidade às exigências dos mercados internacionais. Alguns fatores primordiais para a profissionalização da cadeia produtiva do leite no Brasil e sugestões de passos para alcançar a posição de exportador relevante no mercado global de lácteos:

1. Qualidade e padrões sanitários

A melhoria contínua da qualidade do leite cru e dos produtos derivados é um fator essencial. Muitos mercados internacionais, como a União Europeia e os Estados Unidos, exigem padrões sanitários mais rigorosos, especialmente em relação à composição do leite, níveis de contaminação e boas práticas agropecuárias. Para atender a essas exigências, o Brasil precisa continuar investindo na padronização da produção, com foco no controle de qualidade desde a ordenha até o processamento e distribuição. A legislação brasileira considera Contagem de Células Somáticas (CCS) até 500.000 células/ml, enquanto na Argentina e no Uruguai até 400.000 células/ml. Para melhorar é preciso implementar programas mais robustos de controle sanitário e de melhoria da qualidade do leite, como a erradicação de doenças como brucelose e tuberculose nos rebanhos. Precisa ainda de expandir o uso de certificações internacionais, como HACCP (Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle) e boas práticas agropecuárias (BPA), para garantir a segurança e qualidade dos produtos.

2. Inovação tecnológica e automação

O uso de tecnologias modernas e automação é fundamental para aumentar a eficiência e reduzir os custos de produção, dois fatores que impactam diretamente a competitividade. Tecnologias de precisão, ordenha mecanizada, monitoramento de saúde animal em tempo real, e utilização de softwares de gestão podem ajudar a otimizar a produtividade. Nesse particular é recomendável investir em tecnologias de monitoramento de rebanhos e manejo de pastagens em tempo real, adotar software de gestão rural, que possibilite acompanhar indicadores como produção de leite, qualidade, custos e eficiência.

3. Capacitação e gestão profissional

O setor de laticínios precisa ser gerido de maneira profissional. Capacitar os produtores e profissionais envolvidos na cadeia produtiva para gerenciar de maneira eficaz seus negócios e propriedades, com foco em eficiência, sustentabilidade e inovação, é crucial para tornar a produção competitiva. Nesse particular, será preciso promover programas de capacitação técnica para produtores e trabalhadores do setor, com foco em gestão agrícola, sustentabilidade e boas práticas agropecuárias. Para os produtores é inegável a importância de apoiar iniciativas de associativismo e cooperativismo, possibilitando acesso à tecnologia e mercados mais amplos, além de uma assistência técnica profissional e continuada. O fortalecimento do programa mais leite saudável seria um caminho.

4. Custos de produção do leite

Uma das formas de competir internacionalmente é pela capacidade de ofertar produtos de qualidade a preço competitivos. Preços competitivos depende dos custos de produção, desde a produção da matéria prima leite, passando por toda a infraestrutura da cadeia produtiva, até às gondolas do supermercado. O custo de produção de leite varia bastante, influenciado por fatores como clima, tecnologia, custo de insumos, mão de obra, gestão da propriedade e políticas governamentais. Dependendo da região e do sistema de produção o custo médio do leite produzido no Brasil é da ordem de R$ 2,00 a R$ 2,50 por litro. Tem influência sobre os custos os preços de insumos como ração, fertilizantes e combustíveis, além de custos com mão de obra. Se considerar os custos de produção a um dólar de R$ 5,50, o custo médio no Brasil estaria variando de US$ 0,40 a US$ 0,45 por litro. Na Argentina e no Uruguai gira em torno de US$ 0,36 por litro. Essa diferença na produção da matéria prima leite tem impactos relevantes na capacidade de competir do País. É preciso considerar ainda o “custo Brasil” que impacta a cadeia produtiva como um todo, notadamente a logística de coleta e distribuição.

5. Infraestrutura e logística

Os desafios não podem se limitar à fazenda produtora de leite. É preciso ter uma visão holística abarcando os diversos desafios ao longo da cadeia produtiva. Para melhorar a competitividade, é crucial melhorar a infraestrutura de transporte e logística de distribuição. O leite e seus derivados são produtos perecíveis, e manter a qualidade durante o armazenamento e transporte é um desafio logístico significativo. A eficiência no transporte refrigerado e a rápida distribuição são essenciais para garantir que os produtos cheguem ao destino final com as mesmas propriedades de quando foram produzidos. Há necessidade de sensibilização dos governos nas diversas esferas de poder, para melhorar as rodovias e acessos às propriedades rurais e aos mercados. As empresas precisam investir em centros de processamento próximos às áreas produtoras, aprimorar as redes logísticas para reduzir o tempo de transporte, a qualidade da refrigeração, o cumprimento de prazos de entrega e de exportação.

6. Governança da cadeia produtiva

Será preciso construir uma governança da cadeia que torne produtores e laticínios parceiros estratégicos de longo prazo. Para tanto é preciso incentivar a adoção de modelos de governança corporativa nas cooperativas e empresas, promovendo uma gestão eficiente, transparente e com elevada previsibilidade de produção e preços.

7. Sustentabilidade e Certificações Ambientais

A sustentabilidade é cada vez mais um requisito para acessar mercados internacionais. Países da União Europeia e outros mercados desenvolvidos dão grande importância a práticas sustentáveis. Estimular o uso de práticas de baixo impacto ambiental, o uso de energias renováveis, a exemplo da energia fotovoltaica, manejo de dejetos e uso e reuso de água como tecnologias sustentáveis para reduzir custo e impacto ambiental, pode ser um diferencial nos mercados internacionais.

8. Adaptação ao mercado internacional

Para exportar com sucesso, é necessário conhecer e atender às exigências específicas de cada mercado, tanto em termos de padrões regulatórios quanto de preferências de consumo. Mercados mais exigentes demandam produtos de alta qualidade, como queijos finos, iogurtes premium e leite orgânico, além de derivados com certificações de origem. Essa adaptação requer investimento em pesquisas de mercado internacionais para identificar nichos e demandas específicas. Diversificação do portfólio de produtos lácteos, com foco em itens de maior valor agregado, além de adaptar as embalagens e marcas para atender às expectativas culturais e regulatórias de mercados internacionais.

9. Políticas públicas e acesso a mercados

A abertura de novos mercados exige o apoio do governo e a implementação de políticas públicas que incentivem a exportação, como a desburocratização do processo de exportação, incentivos fiscais e acordos comerciais com outros países. A participação do Brasil em acordos multilaterais e em blocos comerciais, como o Mercosul, é fundamental para acesso a novos mercados.

Em síntese, para que o Brasil se torne mais competitivo no mercado de leite e derivados, é necessário um esforço coordenado entre produtores, indústrias, governo e cooperativas. A melhoria da qualidade, adoção de tecnologias, profissionalização da gestão e foco na sustentabilidade serão fatores-chave. Além disso, o Brasil precisa se alinhar às exigências dos mercados internacionais e explorar nichos de alto valor agregado, garantindo competitividade e possibilitando criar bases para uma maior inserção no mercado global de lácteos. Para liderar as mudanças, superar os desafios do setor e transformar o ambiente de negócios na cadeia do leite, é essencial estar um passo à frente. Fonte: MilkPoint. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.