02/Oct/2024
Nos últimos anos, os compromissos nacionais e corporativos estabeleceram metas ambiciosas para a redução de emissões de gás metano (CH4), incluindo o setor de leite no Brasil. Até o momento, o aumento da produtividade tem sido o principal fator na diminuição das emissões por litro de leite produzido. Contudo, para que se alcance reduções ainda mais expressivas além dos ganhos produtivos, o setor primário necessita de incentivos adicionais, tanto do setor privado quanto do público, para acelerar os investimentos necessários. No Brasil, já estão disponíveis suplementos alimentares específicos, com eficiência comprovada, para a redução de metano entérico.
Entretanto, seu uso permanece limitado, principalmente devido ao alto custo. A viabilização do uso desses suplementos pode ser facilitada por iniciativas como créditos de carbono, incentivos governamentais, desenvolvimento de produtos de maior valor agregado (especialmente para exportação) e estímulos privados para redução de emissões. Preços mais baixos e benefícios adicionais, como o aumento da produtividade animal, poderiam incentivar o uso desses suplementos no campo como parte de uma estratégia geral de redução de emissões de metano no setor de leite no Brasil. Na COP26 (Glasgow 2021), o Brasil juntou-se a mais de 100 países assinando o Compromisso Global sobre Metano (“Global Methane Pledge”), que visa reduzir as emissões globais de metano (CH4) em 30% até 2030.
O metano, de acordo com a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (Epa) é aproximadamente 28 vezes mais potente que o CO² em termos de efeito no aquecimento global, considerando um período de 100 anos. De acordo com o tratado, o gás metano é responsável por aproximadamente um terço do aquecimento global causado por atividades humanas desde o início da revolução industrial. A pecuária é responsável por cerca de 30% das emissões globais de metano associadas à atividade humana, segundo dados da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), seguido pelo setor de energia com 28%, lixo 20% e agricultura 17%.
No Brasil, não há dados consolidados oficiais, mas estima-se que as vacas leiteiras emitam cerca de 1,5 milhão de toneladas de CH4, para o ano de 2022 para as vacas em lactação. Isso considerando uma emissão média de 95 Kg de metano por vaca/ano, com base em um estudo da Universidade de Adelaide (Austrália), que pode mudar dependendo da alimentação dos animais e das caraterísticas genéticas. Apesar das emissões totais de metano entérico no Brasil caírem nas últimas duas décadas no setor, considerando que o número de vacas em lactação recuou de 18,8 milhões em 2002 para 15,8 milhões em 2022, de acordo com o IBGE, as emissões de metano no setor leiteiro ainda representam um desafio.
A indústria de nutrição animal tem desenvolvido aditivos alimentares que podem reduzir as emissões de metano entérico, de forma eficiente e rápida, em aproximadamente 30%. Dados da DSM Firmenich3, apontam que na média 58,5% das emissões de gases de efeito estufa nas fazendas leiteiras vem do CH4 do arroto das vacas. No Brasil, a adoção desses suplementos é limitada, mesmo com resultados óbvios na redução de metano, o alto custo adicional é provavelmente a maior barreira. A pergunta é quem pagará a conta do custo de reduzir as emissões de metano:
- O consumidor estará disposto a pagar mais por um produto com menor impacto ambiental, sendo que até agora há conhecimento limitado na população sobre o assunto e sobre a produção leiteira?
- A indústria ou o varejo irão reduzir as suas margens para absorver esses custos?
- Governos criarão regulamentações para forçar a redução de emissões?
- Os supermercados irão reduzir alguns custos para produtos com redução de emissões considerando seus próprios objetivos e compromissos?
- A indústria de nutrição animal conseguirá reduzir os preços com maior escala e adicionar outras funcionalidades para ganhos de produtividade que permitam incentivar a sua adoção?
A produtividade média do setor leiteiro no Brasil dobrou nas últimas duas décadas, passando de 1.150 litros/vaca/ano em 2002 para 2.200 litros/vaca/ano em 2022. (valor que tem permanecido praticamente estável desde 2019). Mas que é baixo comparado com outros grandes produtores de leite regionais e globais: Nova Zelândia 4.300 litros, Argentina 7,100 litros e Estados Unidos 11,800 litros (vaca/ano). Esse aumento moderado de produtividade se traduz em uma menor emissão de metano por litro de leite, considerando emissões estáveis de aproximadamente 95 Kg de metano/ano por vaca, média global estimada por estudos científicos.
Vale a pena lembrar que de acordo com alguns estudos, a produção de metano entérico pode variar dependendo da dieta do animal e em alguns casos a utilização de suplementos naturais como algas marinhas tem ajudado a reduzir as emissões em até 82%. Melhorias na dieta animal, genética, conforto térmico e sanidade são fatores que podem continuar a reduzir as emissões de metano por litro de leite produzido. De fato, a produtividade no Brasil ainda é baixa comparada com outros grandes produtores de leite, mas além dos fatores econômicos óbvios, o aumento de produtividade gera resultados positivos quando se considera a métrica de Kg de metano/litro de leite e não apenas o valor total de emissões por vaca ou por fazenda.
O setor lácteo no Brasil enfrenta desafios estruturais que limitam as margens da cadeia. O custo da matéria-prima elevado e volátil em comparação com outros grandes mercados, a produtividade industrial estagnada, pulverização de marcas, tendências demográficas menos favoráveis para o consumo de alguns produtos e quedas no poder de compra do consumidor final na última década, são todos fatores que têm limitado as margens em produtos-chave como o leite fluido. Nos últimos três anos, apenas em 5 dos 36 meses houve margens positivas no leite UHT para a indústria no Brasil.
Em um cenário de baixas margens, é difícil para a indústria absorver custos adicionais na matéria-prima, pensando no uso de suplementos alimentares para reduzir emissões. Atualmente, o custo desses suplementos representa aproximadamente R$ 0,06 por litro, cerca de 3% do preço pago pela indústria no Brasil. Pode parecer pouco em termos percentuais, mas em um setor com margens baixas, é um valor muito elevado tanto para o produtor como para a indústria. No Brasil, a indústria paga prêmios ao produtor por volume além do prêmio por qualidade, em alguns casos, o que incentiva a produção de produtores maiores que tendem a ter produtividade maior por vaca, o que de fato pode representar menores emissões por litro produzido.
Os produtores com mais de 2.000 litros/dia respondem por 46% do leite produzido no Brasil, apesar de representarem menos de 5% do total de produtores. Esse grupo tem um indicador de produtividade por vaca significativamente superior à média do País. Produtos de maior valor agregado, como o leite tipo A, poderiam incorporar atributos como a neutralidade de carbono ou a redução de CH4, justificando um prêmio no preço final. Porém, o interesse do consumidor brasileiro em pagar mais por produtos com menor impacto ambiental ainda é limitado. Iniciativas como créditos de carbono, incentivos fiscais e linhas de crédito com metas de sustentabilidade poderiam viabilizar o uso de suplementos redutores de metano, sem que o custo adicional recaia sobre o consumidor.
Internacionalmente, há exemplos de sucesso, como o iogurte Actimel da Danone na Bélgica, que se tornou carbono neutro por meio de mudanças em toda a cadeia produtiva, incluindo a redução de emissões nas fazendas leiteiras. Esse exemplo mostra que é possível atingir a neutralidade de carbono, mas exige integração e compromisso de todos os elos da cadeia, incluindo o consumidor final que precisa gerar demanda para compensar qualquer aumento no preço final. Estudos mostram que a seleção genética pode resultar em vacas mais eficientes na conversão alimentar e com menores emissões de metano.
O objetivo é desenvolver vacas que sejam mais eficientes na conversão de alimentos emitindo menos CH4, e que, ao mesmo tempo, consigam manter níveis elevados de produtividade em parâmetros como gordura e proteína. É um processo que requer tempo e investimento, mas parece provável esperar que, no futuro, os produtores possam melhorar seus índices de emissões de CH4 com melhoramento genético. Existe hoje um maior comprometimento da indústria láctea global em aumentar a transparência sobre as emissões de metano do setor e implementar planos concretos para reduzir as emissões, especialmente do escopo 3 que inclui os produtores de leite.
Na COP28 em Dubai (dezembro de 2023), seis das maiores empresas do setor lácteo (Danone, Groupe Bel, General Mills, Lactalis USA, Kraft Heinz, Nestlé e Starbucks) anunciaram um compromisso público conhecido como “Dairy Methane Action Alliance”, se comprometendo a publicar a partir de 2024 as suas emissões de metano e apresentar planos concretos para reduzi-las até o final deste ano. Destas empresas, várias têm presença no Brasil e poderiam no futuro promover incentivos e realizar investimentos para reduzir as emissões da produção primária de leite no Brasil. Outro elo da cadeia que poderia potencialmente fomentar o desenvolvimento de mais produtos com atributos como carbono neutro são os varejistas.
Vários varejistas multinacionais também se comprometeram em reduzir as suas emissões e poderiam potencialmente oferecer condições mais favoráveis para produtos que consigam comprovar reduções em metano ou serem neutras em emissões totais de carbono, incentivando o setor lácteo primário a investir ainda mais em sustentabilidade. O aumento da produtividade foi a principal estratégia para reduzir as emissões de metano no setor lácteo brasileiro na última década. No entanto, ganhos adicionais exigirão novos incentivos econômicos, seja por meio de créditos de carbono, subsídios ou outros estímulos financeiros.
A implementação de regras claras para o funcionamento do mercado voluntário de créditos de carbono também poderia permitir a obtenção de recursos por parte dos produtores de leite e carne para financiar investimentos específicos na redução de CH4, como já acontece nos Estados Unidos. Isso inclui financiar os suplementos específicos que permitam reduzir metano entérico e, ao mesmo tempo, gerar receitas adicionais com créditos de carbono no mercado voluntário. O setor privado (indústria, varejo e fornecedores) e o setor público devem pensar em colocar incentivos econômicos para levar adiante a transformação na produção primária, principalmente para poder cumprir os seus próprios compromissos de reduzir emissões nos níveis nacionais e empresariais.
Estes incentivos poderiam incluir descontos em financiamentos com metas de sustentabilidade, remuneração adicional no pagamento da matéria-prima e incentivos do setor público. Finalmente, a indústria de nutrição animal também poderia avaliar formas de reduzir preços ou aumentar a rentabilidade do produtor com funcionalidades adicionais como aumento de produção dos suplementos de redução de emissões. De qualquer forma, se houver aumentos de demanda e volume, e concorrência entre vários participantes, os custos dos suplementos poderiam de fato diminuir e facilitar o acesso do produtor e acelerar a transição para um setor primário em leite com menores emissões de CH4 no Brasil. Fonte: Rabobank. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.