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05/Sep/2024

Bem-estar animal aplicado à bovinocultura de leite

O bem-estar dos animais é um indicador de como eles estão lidando com as condições em que vivem. De maneira geral, um animal está em boas condições quando está saudável, tem acesso à água, é bem nutrido, está seguro, pode expressar seu comportamento natural e não sofre com estados desagradáveis como dor, medo e angústia. Esse conceito também requer cuidados com o manejo sanitário, prevenção de doenças, tratamento veterinário adequado, abrigo apropriado, nutrição balanceada e manejo e abate humanitários. No entanto, o setor de laticínios enfrenta inúmeros desafios em diversos âmbitos, como econômico, ambiental e na própria criação dos bovinos. É vital continuar melhorando e otimizando os níveis de produção, especialmente nas áreas clássicas da produção animal, como nutrição, fisiologia da lactação, índices reprodutivos e gestão da saúde. Ademais, a infraestrutura das criações leiteiras, incluindo a concepção das salas de ordenha e a automação, precisa de constante aperfeiçoamento.

Entretanto, esses processos de intensificação levaram a vários aspectos indesejáveis, frequentemente associados à produção leiteira, como questões de sustentabilidade e poluição ambiental. Outra consequência dessa intensificação é o aumento da ocorrência de diversas doenças metabólicas, como acidose ruminal, mastite, cetose e laminite. Para combater estes problemas, estudos mostram que o potencial dos biomarcadores do leite para o diagnóstico de balanço energético negativo (BEN) é enorme. Sensores para esses biomarcadores específicos poderiam ser implementados em salas de ordenha e robôs de ordenha para fornecer informações individuais sobre o estado energético das vacas. Por exemplo, o ácido beta-hidroxibutírico (BHBA) pode ser medido no leite e monitorado frequentemente em vacas individuais no início da lactação como um indicador de BEN.

Além do balanço energético negativo, a mastite, uma doença causada por patógenos infecciosos, é uma condição patológica comum em animais leiteiros, afetando seu bem-estar e causando enormes perdas econômicas para a indústria de laticínios devido à diminuição da produção de leite e ao aumento das taxas de abate. O diagnóstico de rotina da mastite, que é a inflamação das glândulas mamárias, baseia-se nas formas clínicas e subclínicas da doença, destacando a importância da identificação precoce dos agentes etiológicos. Atualmente, essa doença causa um impacto econômico de aproximadamente US$ 1,7 bilhões anualmente à indústria leiteira dos Estados Unidos, representando 11% da produção total de leite nacional. Para abordar esse problema, a startup Labby, sediada nos Estados Unidos, desenvolveu um scanner que utiliza espectroscopia móvel para coletar informações sobre a composição do leite, incluindo gordura, proteína e contagem de células somáticas (CCS).

Níveis elevados de CCS indicam mastite ou infecção, permitindo aos agricultores tratarem o problema precocemente. Concomitantemente, na Índia, o eFeed, criado em 2021, oferece recomendações de dietas e nutrição animal assistidas por Inteligência Artificial (IA) para os agricultores. Através das ferramentas de aprendizado de máquina e ciência de dados, eles fornecem insights preditivos para escolhas alimentares ideais, com o objetivo final de maximizar a produção de leite no gado. Suas pré-misturas (pré mix) especialmente formuladas contribuem também para melhorar a digestão e reduzir as emissões de metano do gado. Impactando diretamente na promoção de parte do bem-estar animal. Avançando na pecuária de precisão, o projeto ClearFarm, financiado pela União Europeia, pretende utilizar a tecnologia de pecuária de precisão (PLF) para aumentar o bem-estar animal em toda a cadeia de produção de vacas leiteiras e suínos.

Irá co-projetar, desenvolver e validar uma plataforma que informará tanto os agricultores como os consumidores para auxiliar na sua tomada de decisão. Esse sistema fornece informações contínuas em tempo real sobre o bem-estar animal. Esta tecnologia também permite aos consumidores terem acesso a detalhes em tempo real sobre a saúde das vacas que produziram leite através da leitura de um QR code. Apesar de tudo, ainda existe um desalinhamento entre muitas práticas contemporâneas da indústria leiteira e as percepções da sociedade sobre o que constitui um bom bem-estar animal. Em parte, este desalinhamento centra-se no desejo do público de naturalidade nos sistemas agrícolas, incluindo o fornecimento de pastagens, liberdade de movimento e a capacidade de interagir socialmente com membros da mesma espécie. Como tal, a citada ausência de naturalidade é comumente refletida nas formas como o gado leiteiro é alojado.

Diversas práticas contemporâneas de criação de gado leiteiro estão em desacordo com as percepções sociais de bem-estar animal positivo. No entanto, em alguns países, como nos Estados Unidos, a maioria do gado leiteiro em lactação é alojada sem qualquer acesso a pastagens, e quase 39% das explorações leiteiras utilizam "tie stalls", que restringem o movimento e as interações sociais. Além de estar em conflito com as expectativas do público, a falta de acesso às pastagens e os sistemas de alojamento restritivos também estão em conflito com as próprias motivações dos animais, o que pode afetar negativamente o seu bem-estar. Ainda segundo os atuais estudos, o gado leiteiro apresenta uma redução nas estereotipias orais quando é permitido permanecer no pasto após os períodos de ordenha e de permanência no curral. Outro exemplo é que, no caso dos bezerros, quando alojados sem contato social com outros da mesma espécie, apresentam déficits cognitivos e maior resposta de medo mediante a novos estímulos ou no momento de manejo.

Com base nestas informações, há então argumentos de que a sustentabilidade da indústria leiteira a longo prazo, dependerá da medida em que os sistemas de alojamento refletirem as preocupações públicas e as prioridades dos animais. A implementação de tecnologias, como comedouros automatizados e sistemas de monitoramento remoto, podem representar um meio de promover de forma prática o comportamento natural dos animais e, ao mesmo tempo, melhorar o cuidado individualizado. No entanto, a adoção destas tecnologias pode enfrentar resistência. Embora as gerações mais velhas do público possam considerar as soluções tecnológicas como um desvio adicional da naturalidade e um afastamento das atitudes tradicionais agrárias da produção leiteira, a definição de “naturalidade” para as gerações mais jovens pode muito bem ter sido alargada para incluir a tecnologia. À medida que o poder de compra passa para as gerações mais jovens, a adoção de tecnologias que promovam comportamentos naturais do gado pode ser um meio para conciliar o bem-estar animal e a percepção do público sobre o mesmo.

Além disso, alguns estudos evidenciaram a possibilidade de utilizar coleiras ou brincos, que podem ser particularmente úteis para monitorar a localização dos bezerros em pastagens, permitindo um contato prolongado entre vaca e bezerro. Da mesma forma, drones ou sistemas de posicionamento global mostram-se promissores para o monitoramento de animais em pastagens e potencialmente para o rastreamento de pares vaca-bezerro. Dado o impacto dessas tecnologias, assegurar a promoção da saúde e o bem-estar do gado não é apenas eticamente importante, mas também crucial para promover a produtividade e rentabilidade das atividades leiteiras. Consequentemente, dar prioridade ao bem-estar do gado tornou-se fundamental para as empresas de laticínios manterem a confiança dos consumidores e satisfazer a crescente procura de produtos alimentares de origem ética atrelados aos conceitos de sustentabilidade do setor. Fonte: MikPoint. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.