01/Aug/2024
No mês de maio, o Brasil acompanhou uma das maiores catástrofes causadas por elevados volumes de chuva em parte do estado do Rio Grande do Sul. De acordo com a Defesa Civil, 478 municípios foram afetados de alguma forma. Isso equivale a 96,17% das 497 cidades que compõem o Estado. Após algumas semanas de índices pluviométricos elevados no Estado, o Banco Central já observa sinais de retomada das atividades. Na cadeia agropecuária, há indícios de retorno das operações. Contudo, o processo é bastante lento, condicionado às particularidades de cada realidade. Em todo o Rio Grande do Sul, segundo levantamento da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), a agricultura representa R$4,5 bilhões em perdas, enquanto a pecuária soma R$514,7 milhões. O agro corresponde a 39% do prejuízo total das enchentes de maio, de R$12,8 bilhões. Nas zonas rurais, a Emater-RS projeta 206.000 empreendimentos afetados e pelo menos 2,7 milhões de hectares de solos danificados pela erosão hídrica em 405 municípios.
Na pecuária leiteira, o cenário é bastante desafiador, visto que as chuvas coincidiram com a época de semeadura e desenvolvimento das pastagens de inverno, como aveia e azevém. Em maio, os produtores estavam finalizando a colheita do milho para silagem, mas aproximadamente 20% das áreas ainda não haviam sido colhidas e foram afetadas. Houve impacto negativo sobre a produção de silagem e a formação e o desenvolvimento das pastagens de inverno, afetou praticamente todo o estado do Rio Grande do Sul, agravando uma situação que já era desfavorável. No período mais crítico, ocorrido na primeira semana de maio, estima-se que aproximadamente 9,5 milhões de litros de leite não puderam ser recolhidos nas propriedades. No restante do mês de maio, a produção diária de leite sofreu uma redução estimada em cerca de 15%, devido aos efeitos adversos das condições climáticas sobre as pastagens. Segundo a Gadolando, o panorama deve ser avaliado conforme o grau de impacto sofrido.
Alguns produtores das cidades do Vale do Taquari foram severamente afetados, com estruturas de confinamento comprometidas e uma estimativa de aproximadamente 2.451 vacas leiteiras perdidas. Em alguns casos, para os produtores que perderam tudo, o retorno à atividade dependerá de um prazo médio a longo. Outros produtores de diferentes regiões não perderam estruturas e animais, mas tiveram seus estoques de alimentos para o rebanho comprometidos. O problema não é apenas com os gastos para ressemeadura, mas também com a aquisição de alimento. As propriedades situadas às margens dos rios que formam a bacia do Taquari foram as mais afetadas em relação à produção de leite, representando cerca de 9% a 10% da produção leiteira do Estado. Muitos produtores ainda tentavam se recuperar das enchentes de setembro e novembro do ano passado. O Estado tem enfrentado eventos climáticos adversos há vários anos, especialmente desde o verão de 2021, com fortes estiagens que comprometeram a produção e a qualidade da silagem de milho armazenada.
O contexto histórico torna a situação mais desafiadora para o produtor de leite. O Rio Grande do Sul está enfrentando o 4° ano consecutivo de condições climáticas adversas. Após três anos de estiagem, agora veio uma enchente sem precedentes. Além disso, em setembro de 2023, ocorreram fortes chuvas e enchentes em algumas regiões. O setor está severamente prejudicado, com grande parte dos produtores afetados e bastante abalados. Produtores fortemente afetados, que perderam grande parte da estrutura ou até mesmo o rebanho, podem não permanecer no setor. Essa catástrofe foi decisiva para alguns produtores encerrarem suas atividades, principalmente propriedades de porte familiar. Alguns já vinham comprando feno e pré-secado há três anos devido à estiagem. A decisão de sair da atividade é complexa, pois não é simplesmente deixar a atividade, há custos e investimentos dos últimos anos a serem pagos.
O produtor precisa decidir entre continuar, com a necessidade de recursos para isso, ou buscar outra atividade para quitar os investimentos anteriores. Poucos produtores têm recursos suficientes para suportar três anos de estiagem, as enchentes de 2023 e de 2024. Aqueles que conseguiram dar continuidade à atividade já realizaram a semeadura das pastagens de inverno, adquirindo sementes a preços elevados devido à sua escassez. A situação pode começar a se estabilizar a partir de meados de setembro, quando poderá ter um volume razoável de alimentos. No entanto, a maioria dos pequenos produtores não dispõe de grandes áreas de terra, utilizando os mesmos espaços das pastagens de inverno para o plantio de milho na safra de verão (1ª safra). É precisamente nesse período que surge a necessidade de iniciar o plantio de milho para silagem. De acordo com a Emater-RS, a maioria das áreas cultivadas ainda não está em condições de pastoreio. Contudo, a redução das chuvas diminuiu a umidade do solo, favorecendo o trânsito, o bem-estar e a sanidade dos rebanhos.
A região centro-norte do Estado não foi uma das mais afetadas, embora tenha recebido grandes volumes de chuva, mas sem alagamentos. O problema enfrentado foi de ordem estrutural, como a erosão dos solos. Os produtores de leite estão sofrendo com o atraso nas pastagens, que deveriam estar em pleno uso pelo rebanho nesta época. Esse ano, estão com no mínimo um mês de atraso, prolongando ainda mais o vazio forrageiro outonal e resultando em uma oferta de forragem muito reduzida. A corrente solidária que conta com doações de feno, pré-secado, silagem e concentrado, provenientes de produtores menos afetados e de outros Estados do País, tem sido fundamental para a sobrevivência da atividade leiteira em algumas propriedades durante este período. Ainda não há estimativas que confirmem o número provável de produtores de leite que sairão da atividade e a queda de produção do Estado. No entanto, alguns produtores abandonarão a atividade, especialmente aqueles que não possuíam uma sucessão familiar estruturada ou que já estavam aposentados.
Muitos desses produtores já planejavam sair em um futuro próximo. As áreas afetadas são geralmente pequenas e bastante declivosas, o que limita alternativas, como a produção de soja. Alguns seguirão no campo com hortifrúti ou fumicultura. Muitos produtores continuam com suas próprias forças, recebendo apoio e começando a receber subsídios, com a esperança de dias melhores. O produtor de leite é muito resiliente, especialmente o pequeno produtor. Outro fator importante é a questão emocional, especialmente para aqueles que já enfrentaram enchentes em 2023. Há uma escassez de apoio emocional, e muitos produtores, embora enfrentem um grande abalo emocional, possuem certa resistência em buscar esse apoio. Apesar da grande vontade de continuar, após tantas catástrofes causadas pelos fortes volumes de precipitação, cada chuva assusta os produtores. Nesse momento, a união entre os produtores tem sido muito forte e significativa para que eles permaneçam na atividade. A maioria dos produtores tem o desejo de retornar ao campo e retomar suas atividades, pois a vida dessas pessoas é a agricultura.
Desde as enchentes de 2023, houve uma mobilização para o tratamento de doenças psicológicas e de saúde mental, que foi ainda mais fortalecida com a atual catástrofe. A Secretaria Estadual da Saúde oferece apoio e atendimento, e uma universidade da região também está realizando atendimentos voltados para o suporte psicológico. O grupo atende todas as pessoas afetadas. Outra grande preocupação tem sido apoiar as famílias na reorganização das propriedades e da atividade leiteira, auxiliando os produtores na tomada de decisões sobre investimentos por meio da elaboração de projetos de crédito rural. Este é o momento do verdadeiro apoio de instituições, entidades e órgãos municipais, estaduais e federais. É necessário desburocratizar processos para que os produtores tenham acesso rápido a subsídios para retornar à atividade. Manter o produtor de leite ativo no Estado é uma questão de soberania. Fonte: MilkPoint. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.