06/May/2025
O cientista político e especialista em relações internacionais Igor Calvet assume o comando na Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) em um momento em que as montadoras tradicionais, estabelecidas há décadas no Brasil, travam uma queda de braço com fabricantes chinesas. Não se trata apenas de uma disputa de mercado (o brasileiro é o sexto maior do mundo), mas também da atenção das autoridades na gestão das políticas públicas. Há mais de um ano, a Anfavea tenta convencer o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) a antecipar o aumento da tarifa de importação de veículos elétricos. O imposto hoje está em 18% e deverá voltar a 35%, de forma plena, em julho de 2026. O argumento é o crescimento rápido de vendas de carros chineses no Brasil, notadamente da BYD.
Na visão do setor, essa enxurrada tende a se agravar com a guerra comercial travada entre Estados Unidos e China. Mas, em fevereiro, as empresas chinesas foram para o contra-ataque: a BYD ingressou com dois pedidos na Câmara de Comércio Exterior (Camex), para reduzir as tarifas de importação e não aumentá-las. Calvet afirma que o pedido das chinesas é uma afronta. “São veículos que chegam praticamente prontos aqui, só falta apertar parafusos. A gente está pedindo para recompor a alíquota, e os novos entrantes estão pedindo para reduzir alíquota para um processo produtivo muito menos sofisticado.” “Isso é uma afronta, um desrespeito ao Estado brasileiro, representado hoje por um governo que tem uma política industrial. Fazer um pedido desses é uma afronta para nós que estamos aqui no Brasil há décadas, investindo na produção local, e é uma afronta também aos trabalhadores.” Segue a entrevista:
O Imposto de Importação sobre veículos elétricos está subindo gradualmente, e subirá novamente em julho, num calendário que vai até o ano que vem. A Anfavea nunca concordou com o cronograma e queria antecipá-lo. O que mudou agora?
Igor Calvet: Esse pleito é de fato do ano passado, mas as discussões se iniciaram muito tempo antes. Tivemos um pico de importações grande no ano passado e, neste ano, possivelmente vamos chegar a quase 200 mil veículos importados, grande parte oriundos da China. O pleito é para a recomposição da alíquota; ela sempre foi 35%. Foi zerada, e agora a gente pediu a recomposição. O governo veio com a solução de fazer isso gradativamente e com cotas, o que era melhor do que não fazer nada. Acontece que, quando nós formalizamos o pleito, que era uma janela da Camex, haveria a visita do (presidente da China) Xi Jinping em dois ou três meses. Obviamente, os maiores afetados seriam os veículos chineses, e por razões políticas, imagino, isso não foi feito naquele momento. Neste momento, nós pressupomos que essa questão geopolítica Estados Unidos-China esteja fazendo com que o governo brasileiro não tome nenhuma medida.
Mas, se já existe a previsibilidade na subida, isso não basta?
Igor Calvet: A antecipação da recomposição deve se dar porque também houve uma antecipação das importações. A cada momento de aumento da alíquota do Imposto de Importação, as importações sobem tragicamente.
Em que medida essas importações estão destoantes?
Igor Calvet: Neste ano, nós já importamos, de janeiro a março, 112 mil veículos. São 22 mil veículos a mais do que no mesmo período do ano passado. E, se esse movimento do ano passado se repetir, nós vamos ter um grande estoque também, que vai ultrapassar 100 mil veículos chineses. Temos a informação de que tem um navio chegando com 9 mil unidades, maior ainda do que o do ano passado, que deixou todo mundo impressionado.
O pleito da Anfavea já tem meses. Por que acreditam que agora vai?
Igor Calvet: O Brasil foi o único país que não impôs tarifas maiores. Os Estados Unidos estão agora com 135% ou 150% com a China, a gente nem sabe mais. Já estava com 100%, mas agora continua impeditivo. O Canadá está com 106% e a Índia, com 75%. A Europa fez uma investigação de subsídios contra a China, e está aplicando até 48%. A BYD, porque contribuiu com as investigações de dumping, ficou com 17%. Por que eu faço questão de dizer isso? Porque houve uma comprovação de subsídios da China no que diz respeito a veículos elétricos. Então, a gente tem um excesso de produção chinês, cujo mercado não cresce no ritmo como crescia anteriormente. Eles têm uma capacidade instalada para produzir 50 milhões de veículos e estão produzindo 30 milhões. O consumo global é de cerca de 85 milhões de veículos por ano. O mercado deles é o dobro do mercado americano. O volume grande dá uma redução de custos, obviamente, porque é uma economia de escala. Se você adicionar os subsídios já provados pela União Europeia e baixas taxas do Imposto de Importação nos países de destino, você tem um conjunto de fatores que tornam a competição desigual.
Vocês comprovaram prática de dumping no Brasil?
Igor Calvet: Nós contratamos um escritório de advocacia especializado nisso, que está fazendo uma análise de viabilidade para a gente entrar com o processo de dumping, que é muito mais demorado - em média, 18 meses para esse processo, porque tem uma auditoria in loco. Diante do cenário que a gente está, ter 35% é melhor do que você ter 18% ou 25% de tarifa de importação. A gente fica imaginando, talvez, 200 mil veículos chineses entrando no Brasil, o que é um cenário assustador. E eu fico muito preocupado com os sinais que são dados.
Como assim?
Igor Calvet: Agora há um pleito na Camex para redução da alíquota do Imposto de Importação, que é exatamente o contrário do que a gente está pedindo - é por parte deles, para a produção no Brasil de CKD e SKD, que são veículos que chegam praticamente prontos aqui, só falta apertar parafusos. Veja, a gente está pedindo para recompor a alíquota, e os novos entrantes estão pedindo para reduzir alíquota para um processo produtivo muito menos sofisticado. O que as empresas que estão instaladas no Brasil e que anunciaram investimentos estão fazendo? Eles têm estamparia, funilaria, fazem todo o processo produtivo, fazem motores no Brasil. E o que acontece com a empresa que está pedindo a redução do Imposto de Importação para trazer basicamente o carro pronto e só apertar o parafuso aqui? Isso é uma afronta, um desrespeito ao Estado brasileiro, representado hoje por um governo que tem uma política industrial. Fazer um pedido desses é uma afronta para nós que estamos aqui no Brasil há décadas, investindo na produção local, e isso é uma afronta também aos trabalhadores. Eu fui ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e falei com eles sobre isso. Basicamente, o que eles estão dizendo é: “Nós vamos entrar no Brasil, mas não estamos querendo gerar muito emprego; é aquele pouquinho mesmo”.
Acredita que o pedido deles pode andar antes do feito pela Anfavea?
Igor Calvet: Esse pedido entrou depois do nosso, mas nada garante que ele não vá ser analisado antes. Não tem uma fila. Não é muito claro esse rito na Camex na análise dos pedidos.
Houve uma sinalização?
Igor Calvet: O discurso me diz que nós seremos atendidos, mas a prática de não colocar nem em pauta na reunião da Camex pode me dizer que não. Mas eu estou insistindo nisso por conta dessa conjuntura. O pleito tem sentido, no mérito de onde tudo está acontecendo; não é no Brasil, é no mundo. Mas governo são vários governos. Nós temos uma sinalização positiva, faço questão de dizer isso, do Mdic e do Ministério da Fazenda, que vocalizam a favor do nosso pleito. Mas a Camex é um colegiado, tem vários outros ministérios (são 11).
O sr. acredita que há uma questão regional? A BYD está instalada na Bahia, Estado natal do chefe da Casa Civil, Rui Costa. Durante a votação da reforma tributária, houve uma defesa dos interesses das montadoras do Nordeste pelo Palácio do Planalto.
Igor Calvet: Quero crer que não.
Fonte: Broadcast Agro.