25/Feb/2025
O setor aéreo está atrasado na descarbonização porque não há combustível sustentável disponível no mercado, e os governos precisam fazer sua parte para que o transporte seja limpo, isto é, parar de dar subsídios à indústria de combustíveis fósseis, diz a vice-presidente de sustentabilidade da Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata), Marie Owens Thomsen. “É ultrajante que ainda damos subsídios ao petróleo. Todos os países, provavelmente sem exceção, dão subsídios diretamente às empresas de petróleo para melhorar seus lucros. E governos evitam dar subsídios equivalentes aos produtores de energia limpa. Isso não faz sentido.” A Iata participará da COP30, a Conferência da ONU sobre mudanças climáticas, que será realizada em novembro no Brasil, com a intenção de conversar com possíveis vendedores de créditos de carbono, dado que a indústria terá de adquiri-los para compensar suas emissões.
Como avalia as medidas implementadas até agora para reduzir as emissões da aviação?
Marie Owens Thomsen: Insuficientes. Os projetos e a produção de combustível de aviação sustentável (SAF) estão crescendo. Acreditamos que em 2024 possa ter chegado a 1 milhão de toneladas. Isso é o dobro de 2023, mas um terço abaixo do que esperávamos. Está indo na direção certa, mas não rápido o suficiente, e os governos não estão dando atenção suficiente a isso nem oferecendo suporte necessário.
O que os governos precisam fazer? Não há também uma responsabilidade das empresas?
Marie Owens Thomsen: O trabalho das companhias aéreas é transportar pessoas e bens. As companhias aéreas não produzem combustível nem fabricam aviões, e basicamente todas as coisas necessárias para voar sem emitir tanto CO2 são soluções que requerem ajuda governamental. As companhias aéreas têm margens de lucro muito baixas. Estamos prevendo que a margem de lucro líquido global no nosso setor será de 3,6% em 2025. As empresas de petróleo e gás têm margens de lucro líquido na casa de 20%. Elas têm recursos e experiência para trazer soluções para o mercado; nós não temos. Então, vamos implementar políticas que façam com que elas façam o que deveriam fazer ou políticas que ajudem novos participantes a entrar no mercado.
Na prática, o que os governos deveriam fazer?
Marie Owens Thomsen: O mundo declarou que quer reduzir o uso de combustíveis fósseis para limitar o aquecimento global. Essa é a tarefa estabelecida no Acordo de Paris. Os 195 países disseram que é o que querem. Portanto, o inimigo, por assim dizer, é a fonte de energia, não a indústria. Mas todas as indústrias usam combustíveis fósseis. É ultrajante que ainda damos subsídios ao petróleo. Todos os países, provavelmente sem exceção, dão subsídios diretamente às empresas de petróleo para melhorar seus lucros. E governos evitam dar subsídios equivalentes aos produtores de energia limpa. Isso não faz sentido.
O setor conseguirá atingir as metas que estabeleceu?
Marie Owens Thomsen: Eu sou pessimista em relação ao desempenho atual, mas sou otimista em termos de viabilidade. É absolutamente viável atingir as metas. Temos as tecnologias. Sabemos como produzir esses combustíveis. O montante de dinheiro necessário para fazer isso acontecer não é maior do que os valores investidos em energias eólicas e solares. Não é algo absurdo.
O novo governo de Donald Trump deve dificultar esse aumento da produção de biocombustíveis?
Marie Owens Thomsen: O novo governo tem um compromisso menor com o combate às mudanças climáticas. Agora, como eles responderão a indústrias específicas e a necessidades específicas dependerá de uma definição de prioridades mais, digamos, mercantilista. Se conseguirmos convencer o novo governo de que os EUA têm um papel realmente importante a desempenhar em termos de produção de SAF e, potencialmente, de exportação desse combustível, acredito que políticas positivas e de apoio possam ser mantidas. Mas, com certeza, estamos um pouco nervosos com a possibilidade de que as políticas de apoio do governo anterior sejam eliminadas.
No Brasil, fala-se muito que o País tem potencial para fornecer soluções e produzir SAF, mas, por ora, temos poucos projetos se materializando. Como avalia o desempenho do País na área?
Marie Owens Thomsen: Acho que o Brasil tem todos os ingredientes necessários: expertise na produção de bioenergia e biocombustíveis e, claro, matéria-prima. O País também tem um vasto potencial para desenvolver projetos de crédito de carbono. Isso é muito interessante para o nosso setor, porque temos obrigações de redução de emissões impostas por nossa agência da ONU para aviação civil (Organização da Aviação Civil Internacional, ou Icao). Eles exigem que as companhias aéreas compensem suas emissões, e estamos desesperadamente precisando de créditos. Então, precisamos de SAF e de créditos de carbono, mas não temos nenhum deles em quantidades significativas. Certamente olharemos para o Brasil em busca de ajuda para ambos.
Fonte: Broadcast Agro.