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05/Dec/2023

Entrevista com ministro Alexandre Silveira - MME

No auge das discussões acerca da necessidade de frear a exploração de combustíveis fósseis em todo o mundo, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, defendeu que o Brasil não pode se envergonhar de seu potencial no setor e deve explorá-lo. Em entrevista na 28ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP28), que ocorre em Dubai, Silveira argumentou que os países ricos devem liderar os esforços de mudanças em suas matrizes energéticas. A passagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva pela COP28, na última semana, foi marcada pelo anúncio de o Brasil integrar a Opep+, um grupo criado pela Organização dos Países Produtores de Petróleo.

O passo foi visto por ambientalistas como uma contradição do governo brasileiro em um momento no qual o próprio presidente Lula discursou em defesa da redução do ritmo de uso das matrizes fósseis. Nesta segunda-feira (04/12), devido à defesa da exploração do petróleo e suas posições acerca da política energética brasileira, o Brasil foi escolhido como o vencedor do prêmio "Fóssil do Dia", um título dado pela sociedade civil global aos atores que dão o seu melhor para bloquear os avanços nas negociações climáticas.

O prêmio foi concedido pela primeira vez em 1999 e é uma tradição na conferência climática da ONU. O ministro de Minas e Energia afirmou que o Brasil tem um papel crucial na transição energética e tem contribuído para o desenvolvimento de biocombustíveis, mas que ninguém em sã consciência pode exigir mais "sacrifícios" por parte dos países do chamado Sul Global, como o Brasil e outras nações em desenvolvimento. "Nós queremos avançar na descarbonização? Sim. Temos feito muitas políticas públicas para isso? É verdade, temos feito. Os biocombustíveis do Brasil são para nós o que o petróleo é para Arábia Saudita", disse. Segue a entrevista:

Por que entrar na Opep+ nesse momento em que o mundo aponta para necessidade de parar de expandir as fronteiras de combustíveis fósseis?

Alexandre Silveira: O Brasil é sem dúvida nenhuma o grande líder da transição energética. Tem uma matriz de energia elétrica 88% limpa e renovável, muito em consequência das suas potencialidades naturais. É o grande celeiro dos biocombustíveis e nós temos estimulado isso. A política pública liderada pelo presidente Lula enviou ao Congresso Nacional o programa que está sendo elogiado aqui na COP28 como um dos mais modernos de descarbonização da matriz de transporte e mobilidade, que é o projeto "Combustível do Futuro", que cria mandato por diesel verde, para o combustível sustentável de aviação, que cria regulamentação para captura e estocagem de carbono, que aumenta a participação do etanol na mistura da gasolina, aumentando a octanagem de veículos, mas também descarbonizando. Ou seja, o Brasil é o protagonista da transição energética global. Agora, o Brasil também é produtor de petróleo. E a grande força do Brasil é exatamente a sua pluralidade energética. A transição energética tem que ser vista por todos nós além da sustentabilidade, além da preservação do planeta. Isso nós já fazemos, nós temos a maior floresta tropical do planeta. O papel do Brasil, na minha visão e pelo que tenho visto nos discursos do presidente Lula, é dar um passo à frente disso.

Qual?

Alexandre Silveira: O Brasil terá dois fóruns extremamente qualificados para fazer. Um é o G20, que eu vou ter alegria e responsabilidade de presidir o de energia. E o outro será a COP30, que o Brasil recepcionará. O Brasil voltou a fazer a boa política, que senta na mesa para dialogar e discutir os problemas reais da sociedade. Portanto, nada pode ser óbice ao Brasil participar de mais um fórum qualificado de discussão de estratégias de países produtores que querem, inclusive, achar um caminho seguro, estável, com previsibilidade para poder destinar os recursos advindos do petróleo para a transição energética, para investir em energia renovável. O ambiente aqui nos países árabes é de uma consciência de que as novas gerações estão vindo com a mentalidade de que a salvaguarda e proteção planetária é uma necessidade. O petróleo vai ser algo que vai ficar no passado, mas ainda não está no passado. Por isso a palavra transição energética. Ninguém em sã consciência quer exigir mais sacrifício dos países do Sul Global e especialmente de países como Brasil, onde a população brasileira já pagou o preço por ter uma matriz energética tão importante para o planeta. Nós queremos avançar na descarbonização? Sim. Temos feito muitas políticas públicas para isso? É verdade, temos feito. Os biocombustíveis do Brasil são para nós o que o petróleo é para Arábia Saudita. Nós contratamos esse ano R$ 16 bilhões de linhas de transmissão para fortalecer a transmissão do Nordeste e do Norte do Brasil para o centro de carga que é o Sudeste. Vamos contratar mais R$ 20 bilhões de dezembro, mais R$ 20 bilhões de março de 2024, ou seja, R$ 56 bilhões. Quem paga essa conta? O povo brasileiro. Vai para a conta de energia quando as linhas de transmissão ficam prontas. Para que nós estamos fazendo essas linhas de transmissão? Para triplicar a capacidade do Nordeste brasileiro de receber investimentos internacionais em energia solar, eólica e biomassa, que são energias limpas e renováveis. Nosso objetivo é reindustrializar o Brasil. Nosso objetivo é através dessas energias produzir amônia, a matéria-prima para ureia, para produzir fertilizantes nitrogenados e suprir uma demanda que absurdamente o Brasil tem, de 90% de importação dos nitrogenados, num país que é reconhecido no mundo como o celeiro de alimentos da humanidade. O Brasil quer produzir essa energia para descarbonizar o planeta e fortalecer a sustentabilidade, mas quer que os países ricos e industrializados reconheçam a necessidade da transição. Precisamos criar uma consciência global para a sustentabilidade, criar mecanismos para valorizar a Floresta Amazônica, mas mecanismos globais que possam monetizar, valorar a nossa floresta em pé através do crédito de carbono internacional. Nós precisamos criar a agência internacional do carbono.

O próprio presidente Lula afirmou que o Brasil não vai `apitar nada' nesse grupo. Não é uma utopia pensar que o Brasil vai pautar essa discussão sobre energias renováveis em um grupo de países produtores de petróleo?

Alexandre Silveira: O que muitas vezes alguns chamam de utopia eu prefiro chamar de sonho. E sonho que a gente sonha junto, acontece. O Brasil não pode ser negacionista, o negacionismo acabou quando o presidente (Jair) Bolsonaro terminou o seu mandato. Não vamos negar que as nossas fontes e a nossa prioridade energética são fato. Então, não vamos nos envergonhar da Petrobras. Não vamos nos envergonhar de termos o potencial também dos combustíveis fósseis no Brasil, e eles precisam ser explorados, porque o Brasil é um país onde as injustiças sociais ainda são muito latentes na nossa sociedade. O Fundo Social, que é administrado pela PPSA (empresa Pré-sal Petróleo), foi desvirtuado no governo anterior, utilizado para amortecer o pagamento dos juros da dívida. Nada dele voltou para a sociedade. Nós retomamos o verdadeiro destino dele. Semana passada lançamos um programa que se chama "Pé de meia", R$ 20 bilhões dos recursos da partilha do petróleo vão ser utilizados para alunos no Ensino Médio das escolas públicas brasileiras ficarem na escola. Ou seja, não vamos ser negacionistas, não vamos ser mais realistas que o rei. Nós teremos o orgulho de dizer que o Brasil é o país que mais contribui com a preservação do planeta no mundo. Vamos aproveitar essa oportunidade e defender os países do Sul Global e os países da América Latina, para que os países ricos e industrializados os respeitem. Nós não aceitaremos ser colonizados de novo pela transição energética global. Nós queremos, ao contrário disso, ser respeitados. O presidente Lula é o líder certo, no lugar certo, na hora certa e eu não ouvi isso só de brasileiros. Eu ouvi isso do príncipe do Catar numa audiência com o presidente, ouvi isso do príncipe herdeiro na Arábia Saudita, eu ouvi isso do Olaf Scholz, chanceler da Alemanha. Ele é o líder talhado para poder fazer discussões mundiais globais como essa. O presidente Lula voltou para além de redistribuir renda no Brasil, além de estabilizar a economia, além de fazer o País crescer, gerar emprego e renda e oportunidade para combater desigualdade, ele voltou para representar os países mais pobres na relação com os países ricos.

Fonte: Broadcast Agro.