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03/Jul/2023

Hidrogênio verde e uso da cana como matéria-prima

O investimento de 2 bilhões de euros (R$ 10,5 bilhões) da União Europeia (UE) para o desenvolvimento de hidrogênio verde no Brasil terá um efeito limitado no mercado de cana-de-açúcar, matéria-prima que avança como alternativa para produção do combustível. Na avaliação de pesquisadores do setor, de especialistas e da indústria, embora haja grande expectativa no desenvolvimento em larga escala do hidrogênio “sustentável” proveniente do etanol, o segmento ainda é incipiente e não parece estar no foco da União Europeia neste primeiro momento. Segundo a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o etanol pode ser beneficiado em um segundo momento, mas agora, quando fala-se no investimento em hidrogênio verde, é uma referência à produção a partir de água e energia renovável.

Do lado da indústria, a Geo Biogás & Tech destaca o incentivo europeu como um "endosso à transição energética", mas aguarda definições da medida. A Geo é uma empresa de biogás e hidrocarbonetos verdes derivados da cana-de-açúcar e investiu R$ 15 milhões em plantas-piloto de hidrogênio verde a partir de resíduos da cana-de-açúcar, tecnologia desenvolvida em parceria com a Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). A empresa está pronta para aproveitar essa janela de oportunidade, mas precisa também de mais informação de como vai ser esse programa da União Europeia e de ter certeza de que haverá políticas inclusivas, que todas as formas de energia serão válidas. O mundo utiliza mais de 50% do hidrogênio em processos petroquímicos e quase 45% na produção de amônia, que é direcionada para a produção de fertilizantes.

Se o mundo não estivesse produzindo hidrogênio hoje, provavelmente teria um terço da população, porque não haveria condições de alimentar todo a população. Embora fundamental, 95% do hidrogênio produzido no mundo é proveniente de combustíveis fósseis, estatística que a União Europeia tenta mudar. Voltado à descarbonização, o hidrogênio verde é obtido, originalmente, a partir da eletrólise, processo em que o oxigênio e o hidrogênio que compõem as moléculas da água são separados por meio de eletricidade oriunda de uma matriz renovável, como eólica, hidrelétrica, solar ou biomassa (cuja principal origem no País são os resíduos da cana-de-açúcar). Com matriz elétrica quase 90% limpa, o Brasil ganhou as atenções globais para a produção do biocombustível, que ainda custa de três a quatro vezes mais do que o hidrogênio comum.

Para além da meta de descarbonizar tais cadeias, o hidrogênio também avança no mercado nacional como uma solução para eletrificação das frotas de veículos, a partir do uso do etanol. Ainda não disponível em escala comercial, a tecnologia pressupõe que o biocombustível passaria por uma espécie de reator, instalada no próprio carro, que extrairia o hidrogênio contido na molécula do etanol. Um equipamento chamado de célula a combustível faria a conversão do gás em eletricidade para alimentar o motor. É um aproveitamento de toda a cadeia do etanol para poder alimentar um carro elétrico e essa geração deixaria um rastro de carbono ainda menor do que o que existe hoje. A Datagro vê na sinalização do bloco econômico europeu de incentivo ao hidrogênio verde uma oportunidade de estimular a rota do etanol no País.

O governo brasileiro tem a oportunidade de dizer que já tem no Brasil uma rede de distribuição de hidrogênio instalada em 42 mil postos, na forma de etanol. A tecnologia, no entanto, ainda não saiu do papel. O uso do etanol e do hidrogênio para mover carros elétricos é estudada em algumas das principais universidades do País em parceria com gigantes da indústria, como Shell, Raízen e Toyota, mas é consenso no setor que ainda há necessidade de investimentos públicos na rota da descarbonização. A Câmara dos Deputados criou uma comissão temática para debater políticas públicas sobre hidrogênio verde e uma subcomissão para abordar, exclusivamente, a regulamentação do hidrogênio verde a partir da cana-de-açúcar. O investimento europeu aumenta o potencial de atuação de rotas energéticas tidas hoje como “potencial”, como o etanol e a biomassa a partir de cana-de-açúcar.

A Europa, como primeiro demandador global de hidrogênio verde, estimulará a produção brasileira. Os europeus estimam que, em 2030, precisariam de 20 milhões de toneladas de hidrogênio verde. Todos os estudos apontam que só conseguirão produzir em território europeu metade dessa demanda. O Brasil tem um potencial que nenhum outro país se equipara, seja pela origem renovável da energia consumida ou mesmo pelo potencial de explorar novas rotas como matéria-prima, entre elas a cana-de-açúcar. A sinalização europeia é a primeira garantia de mercado. A Geo avalia que a demanda limitada da Europa e de outros players globais para produção de energias renováveis poderá impulsionar outras rotas de produção de hidrogênio verde no Brasil, para além da eletrólise da água.

Países europeus e norte-americanos vão precisar de todas as fontes de energia para a descarbonização e o Brasil tem essa capacidade enorme de geração de energia renovável em todos os formatos. Essa integração energética faz muito sentido para todo mundo. A StoneX pondera, no entanto, que o hidrogênio verde ainda é um assunto novo para grande parte do setor sucroenergético nacional. Mesmo com sinais de interesse externo, deve demorar alguns anos para que o segmento invista, de fato, na rota. Hoje, as usinas de cana-de-açúcar investem muito mais em aumento de capacidade de produção de etanol e de açúcar do que na venda de novos produtos em si.

Embora a cana-de-açúcar ainda “engatinhe” com uma rota-alvo do mercado europeu, a Unicamp ressalta que os investimentos na produção do hidrogênio verde no Brasil não devem parar nos 2 bilhões de euros já anunciados, o que é um indício promissor à matéria-prima. Com o interesse europeu, o montante aplicado na produção nacional de hidrogênio verde possa chegar a 10 bilhões de euros via setor privado, já que a indústria passará a olhar o País com ainda mais atenção. Um montante como esse é uma grande sinalização de mercado. Com os investimentos europeus e mais grupos no País com interesse, no período de dois a quatro anos haverá uma produção de hidrogênio verde significativa no Brasil. Fonte: Broadcast Agro. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.