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31/Jan/2023

Etanol 2G: descoberta poderá baratear a produção

Pesquisadores do Laboratório de Bioquímica de Plantas da Universidade Estadual de Maringá (Bioplan-UEM) e do Laboratório de Fisiologia Ecológica da Universidade de São Paulo (Lafieco-USP) conseguiram aumentar em até 120% a sacarificação do bagaço da cana-de-açúcar ao longo de 12 meses. No caso da soja, ocorreu um acréscimo de 36% em 90 dias, enquanto a sacarificação do capim braquiária cresceu 21% em 40 dias. Isso ocorreu graças à aplicação de compostos naturais às plantas um deles à base de ácido metilenodioxicinâmico (MDCA); outro, com ácido piperolínico (PIP); e um terceiro que leva daidzina (DZN). Foram desenvolvidos três compostos diferentes, cada um com características específicas, que foram aplicados individualmente à cana-de-açúcar, à soja e à braquiária. MCDA, PIP e DZN são inibidores da lignina, molécula que confere rigidez à parede celular da planta.

De forma geral, os compostos alteram o metabolismo da lignina. Isso facilita o acesso à parede celular da planta, que é onde está localizada a celulose. Assim é possível produzir mais açúcar, mais carboidrato. O experimento, financiado pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) do Bioetanol, está relatado no artigo Natural Lignin modulators improve lignocellulose saccharification of field-grown sugarcane, soybean and brachiaria. O texto foi publicado recentemente no jornal Biomass and Bioenergy. O projeto é apoiado pelo Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI), sediado na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, e financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) em parceria com a Shell. No caso da cana-de-açúcar, a descoberta pode contribuir para aumentar e baratear a produção do chamado etanol de segunda geração, feito a partir do resíduo da biomassa (bagaço) da planta.

O grande produtor desse tipo de álcool, que corresponde a 1,5% da produção nacional, é a Raízen, joint venture entre Cosan e Shell, situada no interior de São Paulo. A ideia é gerar uma cana-de-açúcar mais fácil de sacarificar, ou seja, de extrair os açúcares das celuloses. Segundo o INCT do Bioetanol, atualmente a indústria tem um gasto financeiro alto para realizar o chamado pré-tratamento, quando se retira a lignina para tornar os carboidratos acessíveis às enzimas que então irão digerir esses polissacarídeos e assim produzir açúcares que podem ser fermentados para produzir o etanol de segunda geração. Isso impacta o custo de produção em 30%. Com a aplicação dos compostos desenvolvidos pelos pesquisadores, seria possível melhor aproveitar a biomassa da cana-de-açúcar. Com a modificação na lignina, o bagaço se torna mais fácil de ser digerido pelas enzimas.

Ou seja, será necessário utilizar menos enzimas no decorrer do processo. As enzimas correspondem à parte mais cara da produção do etanol de segunda geração. Hoje, boa parte desse bagaço é descartada pela indústria. A utilização do bagaço poderia aumentar em até 40% a produção de etanol no Brasil. Os pesquisadores também testaram os compostos na braquiária, utilizada para alimentação do gado. Na digestão, o gado consegue extrair mais carboidrato desse capim. Como o rebanho vai ficar nutrido com menor quantidade de capim, será possível colocar mais gado por metro quadrado. Isso ajudaria, por exemplo, a evitar o desmatamento para a produção de proteína animal. A soja com lignina modificada também poderia servir de ração para o rebanho. Hoje, o gado costuma ser alimentado com milho e um complemento proteico. A soja poderia substituir parcialmente esse complemento proteico. Com a aplicação dos compostos, ela se torna mais palatável em termos nutricionais e deixaria o animal satisfeito com uma porção menor de alimento.

O artigo publicado no jornal Biomass and Bioenergy é resultado de mais de uma década de pesquisa. Em 2018, os três compostos desenvolvidos pelos pesquisadores obtiveram patente. Isso motivou a criação de duas startups, encabeçadas por estudantes da UEM: a Power Growth e a Biosolutions. Ambas já foram contempladas em editais como o Catalisa, do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) do Paraná, e o AWC, realizado pela operadora TIM em nível nacional. A ideia é desenvolver um produto a partir de um desses compostos. Mas, a pesquisa ainda está em curso. Agora com recursos do RCGI, o grupo desenvolve um projeto visando testar a eficácia da tecnologia na unidade da Raízen, sediada em Campinas (SP). Além disso, os pesquisadores estão desenvolvendo um coquetel com enzimas e fungos brasileiros para ser usado na produção de etanol de segunda geração e não mais depender da empresa europeia que detém esse monopólio no mundo.

Cerca de 30% do custo do etanol de segunda geração está relacionado à compra dessas enzimas. Nenhum dos três inibidores trazem efeito colateral para a planta. Foi possível chegar a uma dose que promove a sacarificação sem prejudicar o crescimento da planta. Os compostos também não prejudicam outros seres vivos. Essas moléculas têm apenas carbono, oxigênio e hidrogênio. São, portanto, de fácil degradação no meio ambiente. No caso, a própria planta destrói essas moléculas convertendo-as em água e CO². Os compostos não deixam resíduos que posteriormente chegariam aos animais e aos seres humanos. Os pesquisadores também usaram a chamada engenharia fisiológica para induzir a produção de lignina.

Em parceria com uma grande indústria de fertilizantes do Paraná, o grupo conseguiu demonstrar que plantas de soja tratadas com esse tipo de composto apresentam entre 30% e 40% mais lignina em folhas, caules, vagens e grãos. Isso protege, por exemplo, os grãos de danos mecânicos que ocorrem durante a colheita, transporte e armazenamento. Além disso, o grupo obteve sucesso na utilização da engenharia fisiológica para acelerar a produção de mudas para arborização urbana, reflorestamentos e recuperação de pastagens degradadas. As possibilidades são inúmeras e promissoras. A engenharia fisiológica é uma tecnologia baseada em estratégias utilizadas pelas próprias plantas na natureza. Ela abre todo um novo campo de pesquisa e aplicações que junto com o melhoramento genético e a engenharia genética, apenas começa a mostrar seu potencial para contribuir com avanço da agricultura e da agroindústria no Brasil. Fonte: RCGI. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.