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01/Dez/2021

Brasil em busca da liderança em biocombustíveis

A 35 quilômetros de Assunção, capital do Paraguai, em uma cidade de pouco mais de 35 mil habitantes chamada Villeta, o grupo brasileiro ECB (dono da fabricante de biodiesel BSBios) está investindo US$ 800 milhões (cerca de R$ 4,5 bilhões) em uma usina que produzirá combustíveis do futuro. Serão fabricados no local diesel verde (HVO) e querosene de aviação renovável. A planta deve começar a operar em 2025, mas toda sua produção até 2030 já está vendida para a Shell e a BP. Se estivesse operando hoje, a unidade elevaria a receita anual do grupo ECB em US$ 1,2 bilhão (R$ 6,7 bilhões). Em 2020, o faturamento da companhia foi de R$ 5,3 bilhões e, para 2021, estão previstos R$ 8 bilhões. O comprometimento da sociedade com a redução de carbono em 2030 vai ser ainda maior. Então, a expectativa é de que o negócio fique ainda melhor depois disso. O objetivo é desenvolver um projeto semelhante no Brasil assim que o HVO for regulado no País (o assunto está em debate no Congresso).

Adiantando-se a isso, a Brasil Biofuels, produtora de óleo de palma, anunciou na semana passada a construção da primeira unidade de HVO do País, que será instalada na Zona Franca de Manaus (AM) e receberá aporte de R$ 1,8 bilhão. O HVO (óleo vegetal hidrotratado) emite até 85% a menos de gás carbônico do que o diesel comum e pode ser usado em veículos a diesel sem que os motores precisem ser adaptados. Ele é produzido a partir de óleo de cozinha, óleos vegetais, como óleo de palma, soja ou girassol, e gorduras animais, que reagem com o hidrogênio. Apesar de haver só um projeto anunciado para o País até agora e de a regulação ainda estar indefinida, o HVO, assim como outros biocombustíveis, tem grande potencial no Brasil, além de um mercado promissor que deve surgir com a descarbonização da economia. O País tem potencial de ser o maior e mais importante produtor de biocombustível do mundo em 2050. Só precisa de políticas públicas. É preciso começar a pensar em rota tecnológica, implementação de mercado, diversificação de matéria-prima, certificação de cadeia produtiva.

O País tem um potencial gigante, mas depende de os líderes organizarem isso. A experiência do Brasil com o etanol e a possibilidade de a agricultura oferecer matéria-prima para a indústria são os fatores que podem impulsionar o setor de combustíveis avançados no Brasil, alavancando também o agronegócio. Os combustíveis são mais um canal de absorção de produtos agrícolas, o que vai exigir aumento da produção local. O País tem área já antropizada e tecnologia para produzir. O potencial é tão latente e a demanda por combustíveis de baixa emissão tão grande, que empresas estrangeiras estão incentivando a exploração da indústria no Brasil. A Boeing no Brasil afirma que o País pode ser um dos principais parceiros do setor aéreo na produção de combustível sustentável de aviação (SAF). O SAF é fabricado a partir de resíduos, como óleo de cozinha usado e gordura animal, e pode reduzir em até 80% as emissões de carbono.

Hoje, a produção global é de 100 milhões de litros por ano, o que representa 1% da demanda por combustível do setor. É importante tentar escalar a produção de SAF. Brasil é considerado um parceiro muito atraente. Tem a segunda maior indústria de biocombustíveis do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, e já criou uma indústria de biocombustível e a escalou. Fez isso com o etanol nos anos 70 em reação à crise do petróleo. Na usina que o grupo ECB está construindo no Paraguai, haverá produção também de combustível para aviação. O querosene renovável que será fabricado no local deve ser composto por 5% de óleo de cozinha reciclado, 35% de gordura animal e 60% de óleo vegetal. O presidente da empresa acredita que, até 2030, os aviões possam estar operando com uma mistura de 10% de SAF e 90% de querosene tradicional. Hoje, a participação do combustível sustentável é de 1%. Segundo a Unicamp, no Brasil, há oportunidade de utilizar uma tecnologia chamada ATJ (álcool para jato), que transforma o etanol em combustível de aviação (SAF).

O Brasil poderia se transformar em um celeiro do produto, que tem um valor alto. O etanol pode ser uma opção melhor para o setor aéreo quando comparado a combustíveis feitos a partir de óleo, que é mais demandado globalmente. O preço do óleo de soja, por exemplo, pode acabar inviabilizando que ele seja uma saída. O etanol tem o caminho mais aberto. Além da criação de combustíveis sustentáveis para caminhões, ônibus e aviões, a indústria também trabalha em uma relativamente nova tecnologia para os carros: o etanol de segunda geração (E2G). A Raízen, por exemplo, fabrica E2G em Piracicaba (SP) desde 2015 e, agora, está construindo sua segunda unidade do produto em Guariba (SP), que terá o dobro de capacidade da primeira. Como é produzido a partir de resíduos (palha e bagaço da cana-de-açúcar) da fabricação do etanol tradicional, o E2G não aumenta a necessidade de cultivo de cana-de-açúcar.

A Raízen destaca que o novo combustível é altamente atrativo, sobretudo na Europa, onde a produção de matéria-prima para biocombustíveis disputa espaço com a de alimentos. A Raízen aposta tanto no E2G que promete ter 18 usinas capazes de fabricá-lo nos próximos dez anos. O projeto demandará um aporte de R$ 10 bilhões a R$ 12 bilhões. Para alguns, no entanto, o investimento parece exagerado. Parte dos especialistas da área diz que o uso de biocombustíveis pode desacelerar conforme o carro elétrico seja popularizado. O consultor dinamarquês Soren Jensen faz parte do grupo de céticos em relação ao aumento da demanda por biocombustíveis. Para ele, a procura pelo etanol no Brasil deve crescer pouco até 2030 e, depois, recuar. No cenário moderado, a queda seria de 40% entre 2030 e 2040; no pior, de 60%. Na visão de Jensen, o etanol (de segunda ou primeira geração) não conseguirá competir com a eletricidade, que deverá ser a opção número um em todo o mundo para o setor automobilístico.

O Brasil é o único país que tem distribuição de etanol puro. Nos outros países, ele é misturado à gasolina. Provavelmente, o País não vai manter um sistema de etanol sendo que o mundo todo, principalmente o economicamente desenvolvido, vai para o elétrico. A Raízen, no entanto, lembra que vários países estão aumentando a quantidade de biocombustível que deve ser misturada à gasolina. A Índia, por exemplo, antecipou em dois anos a data prevista para a elevação da mistura do etanol para 20%, passando o prazo de 2025 para 2023. O Itaú BBA pondera que em muitos países, como a China, o mandato não é respeitado. Mas, com a amplificação da discussão em torno da emissão de gases de efeito estufa, isso deve mudar, favorecendo a indústria do combustível e a produção de milho e cana-de-açúcar. A União da Indústria de Cana-de-Açúcar traz outro elemento para refutar a ideia de que o carro elétrico vai acabar com o espaço do veículo a etanol.

Os desafios para a descarbonização da economia são tão profundos que todo tipo de combustível sustentável será importante. Em relação a substituição de ônibus a diesel (que poderia usar HVO) por ônibus elétrico, a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) afirma que ainda é preciso observar se os veículos pesados se adaptarão às baterias, dado que costumam fazer trajetos longos. A eletrificação de veículos pesados não é tão clara. Se aqueles que dizem que biocombustíveis não terão espaço na economia eletrificada estiverem errados, as possibilidades para o Brasil vão além de fabricar etanol, E2G, HVO e SAF. O País poderá exportar sua expertise na área, diz o ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues. O Brasil poderá ensinar países a plantar cana-de-açúcar. O grande negócio seria vender usina para o cinturão tropical do planeta inteiro. Fonte: Agência Estado. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.