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14/Out/2021

Açúcar: OMC delibera a favor do Brasil contra Índia

Em 2002, o Brasil solicitou ao Órgão de Solução de Controvérsias da Organização Mundial do Comércio (OMC) a abertura de um painel para julgar a legalidade do regime comum europeu de proteção à sua produção de açúcar. Naquele contencioso juntaram-se ao Brasil como demandantes a Austrália e a Tailândia, e participaram como terceiras partes outras 31 nações. Esse foi o maior contencioso julgado até hoje na história da OMC. À época, aquele complexo regime gerava excedentes de produção que eram exportados pelos produtores depois de assegurarem preços muito mais elevados do que os do mercado livre mundial para os volumes vendidos no mercado interno. A questão central é se os preços mais elevados definidos para o mercado interno geravam um subsídio cruzado que viabilizava vendas de excedentes para exportação a preços mais baixos do que o custo de produção.

Para comprovar a tese brasileira foi preciso determinar se a geração desses excedentes ocorria por um motivo de "prevenção" para evitar que a produção caísse abaixo do volume destinado ao mercado interno, ou se havia um motivo relacionado à busca de "lucro". A prova de que haveria um motivo de lucro seria obtida se houvesse a comprovação de que o preço de exportação era superior ao custo marginal de produção, ainda que fosse abaixo do custo total e, portanto, beneficiada pelo subsídio cruzado dos preços mais elevados do mercado interno. A prova foi feita e a União Europeia foi condenada em 2005, o que catalisou a alteração do regime comum europeu para o açúcar e o gradual processo de liberalização do mercado que se seguiu. Os produtores menos eficientes deixaram de receber a ajuda da Comissão Europeia, e houve uma consolidação da indústria açucareira local.

A Europa, que era o segundo maior exportador de açúcar do mundo, com um volume líquido de 7,5 milhões de toneladas em 2002/2003, passou a ser um importador líquido de 2,45 milhões de toneladas em 2021/2022. Esta semana, a OMC finalizou o julgamento de outro contencioso aberto pelo Brasil, desta vez contra os subsídios da Índia à exportação de açúcar, com resultado novamente a favor do Brasil. A Índia tem mais de 53 milhões de produtores de cana-de-açúcar, o que, multiplicado pelo tamanho médio de cada família, resulta numa proporção expressiva da população diretamente ligada esta produção agrícola. Os preços de cana, açúcar e etanol são regulados e definidos pelo governo, geralmente em níveis elevados como suporte ao relevante contingente ligado essa atividade. Os preços da cana-de-açúcar são usualmente fixados em níveis que tornam essa cultura a mais atrativa dentre as principais opções de cultivo, o que gera volume de produção acima da capacidade do mercado interno de absorver como consumo de açúcar.

Uma outra lei obriga as usinas de açúcar a adquirirem toda a cana-de-açúcar disponível para a produção de açúcar, e o excedente gerado é exportado com a ajuda de subsídios. Na safra 2020/2021, encerrada em 30 de setembro de 2021, o subsídio foi de US$ 425 milhões distribuídos em uma cota de exportação de 6 milhões de toneladas, equivalentes a US$ 70,80 por tonelada de açúcar exportado. Na prática, a exportação total de açúcar na safra 2020/2021 foi de 7,627 milhões de toneladas, sendo 1,202 milhão de toneladas de açúcar importado que foi reprocessado para reexportação, e 6,425 milhões de toneladas produzidos pelas usinas indianas, dos quais 6 milhões de toneladas com subsídio. Considerando que o preço do açúcar em bruto é negociado no mercado mundial a um preço entre 14,00 e 20,00 centavos de dólar por libra-peso base Nova York, que é a faixa de variação observada desde janeiro de 2021, ou cerca de US$ 310,00 a 460,00 por tonelada FOB, o subsídio equivale a cerca de 15% a 23% do preço cotado no mercado mundial.

Foi sobre essa questão que a recente decisão do Órgão de Solução de Controvérsias da OMC se debruçou. Para a safra 2021/2022, iniciada em 1º de outubro deste ano, o governo indiano resolveu não prorrogar o subsídio à exportação, tendo em vista a elevação dos preços internacionais para níveis próximos à paridade de exportação sem subsídio do produtor indiano, o que tem sido um alívio para todo o mercado. No entanto, para que não seja necessário reduzir a produção local, e o governo indiano continue apoiando os seus produtores rurais de cana-de-açúcar a solução é diversificar a produção, direcionando um volume maior para a produção de etanol. Se isso ocorrer, será possível resolver ao mesmo tempo três questões. Em primeiro lugar, a maior produção de etanol contribuirá para reduzir a elevada dependência por importação de petróleo e derivados, atualmente acima de 80% da demanda interna, que representam importações da ordem de 4,3 milhões de barris por dia, com dispêndio anual de mais de US$ 110 bilhões.

Em segundo lugar, irá permitir a redução imediata da poluição atmosférica nas cidades indianas. Dentre as 50 cidades com ar mais poluído do mundo, as 25 mais afetadas estão localizadas na Índia, com índices médios de concentração de material particulado fino com 2,5 microns que superam 136 microgramas por metro cúbico de ar, e picos acima de 1000 microgramas. E, em terceiro lugar, vai permitir ao governo indiano continuar apoiando o setor rural. A recente decisão da OMC é bem-vinda e representa mais um sopro de esperança na sistemática vigente de solução de controvérsias através de um órgão superior de regulação e disciplinamento do comércio que arbitra disputas levantadas segundo critérios rigorosos de cumprimento das regras acordadas por seus Estados-membros. Fonte: Plinio Nastari. Agência Estado.