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04/Ago/2021

Etanol e o papel na mobilidade sustentável futura

À medida em que conceitos de sustentabilidade ambiental, social e de governança corporativa (ESG) avançam no mundo inteiro, em energia para transporte é crescente a busca por eficiência energética e menores emissões locais e globais. Como terceiro maior consumidor de energia para transporte, atrás apenas dos Estados Unidos e da China, e à frente de gigantes populacionais como Índia e Indonésia e de economias pujantes como Japão, Rússia e todos os países da Europa, o Brasil tem um protagonismo relevante nesta área. Em particular, chama a atenção o fato de que já substitui (em 2020) 48% de sua gasolina automotiva por etanol, através da mistura de 27% de etanol anidro na gasolina e do uso de etanol hidratado pela frota flex que representa mais de 86% da frota total de veículos, e mistura 13% de biodiesel ao diesel fóssil, produtos comercializados numa rede de mais de 41.700 postos de revenda distribuídos em um país continental.

Portanto, quando muitos países e grandes montadoras de automóveis optam pela eletrificação em mobilidade, tem sido recorrente a dúvida sobre qual papel o etanol poderá desempenhar na mobilidade sustentável do futuro. A eletrificação é uma tendência, pois o consumo energético de motorizações elétricas é menor, em torno de 0,7 MJ/km, comparada a dos veículos equipados com motores de combustão interna (MCI), de 1,62 MJ/km. O problema começa quando se confunde eletrificação com uma de suas opções, a do veículo elétrico a bateria (VEB). Existem outras opções de eletrificação, como os híbridos em paralelo e em série, e os veículos equipados com células a combustível, com ou sem reforma a bordo. Os híbridos e as células a combustível com reforma, ou extração do hidrogênio, a bordo operam com combustíveis líquidos, e quanto mais limpos ou renováveis forem esses combustíveis, mais sustentável são essas soluções.

A combinação de motorização e energia para transporte a ser utilizada vai depender da geografia e das características de cada país ou região, e a opção a ser adotada vai depender de como a política pública estará medindo o impacto energético e ambiental. Se a política pública estiver interessada em medir apenas emissões de escapamento, o veículo a bateria pode ser considerado uma solução, mesmo utilizando energia elétrica de fonte fóssil. Esse é o conceito "tanque-à-roda", reconhecidamente parcial e incompleto. Se a política avaliar emissões relacionadas desde a geração da energia até o seu uso final, teremos uma avaliação mais completa, denominada "poço ou campo-à-roda". Se a política avaliar emissões integrais incluindo aquelas relacionadas à construção e descarte dos veículos e dos sistemas de geração de energia, estará seguindo o conceito "berço-ao-túmulo." Algumas estratégias de controle de emissões têm sido baseadas em motorizações sem, no entanto, se preocupar com a origem da energia.

No conceito poço-à-roda, na Europa e nos Estados Unidos veículos convencionais movidos a gasolina ou diesel emitem entre 122 e 150 gramas de CO2 equivalente/Km. Os VEBs emitem na Europa usando o mix médio de eletricidade fóssil-renovável local em média 92 gCO2e/Km. Reduzir emissões de 122 para 92 gCO2e/Km é um avanço, apesar do custo elevado do veículo, compensado parcialmente por subsídios que governos concedem aos consumidores, e da nova infraestrutura que precisa ser criada para recarregar baterias. Mas, esse nível de emissões ainda está muito acima dos 58 gCO2e/Km emitidos pelos MCI a etanol da frota flex no Brasil, e dos 29 gCO2e/Km dos híbridos flex a etanol vendidos desde setembro de 2019. Até 2032, é esperado que os VEBs estejam emitindo 74 gCO2/Km, que os veículos com MCI a etanol tenham reduzido as emissões a 38 gCO2e/Km, e os híbridos a etanol estejam emitindo 27 gCO2e/Km, o mesmo nível das células a combustível com etanol, isso tudo no conceito poço-à-roda.

No conceito berço-ao-túmulo, a vantagem das motorizações a etanol é ainda maior. Vários países têm condições de seguir o exemplo brasileiro, e outros não tem aptidão nem condições de produzir biocombustíveis em volume suficiente por limitações de terra, sol e água. Alguns desses países têm anunciado planos de expandir a geração eólica e solar fotovoltaica, que são fontes intermitentes, armazenando-as na forma de hidrogênio gerado a partir da eletrólise da água, utilizando essas energias renováveis. Mas é uma fonte de energia cara para ser gerada, armazenada e distribuída. O hidrogênio requer armazenagem em tanques de 500 a 900 bar de pressão, caros a arriscados e, portanto, deverá expandir mais facilmente em unidades estacionárias para a produção de amônia e outras aplicações industriais. Para distribuição em uma geografia dispersa, havendo condição de produção para tal, o etanol e o biogás e biometano, gerados a partir de resíduos agroindustriais, devem ser entendidos como hidrogênio envelopado na forma de combustível líquido, capturado, armazenado e distribuído de forma eficiente, econômica e segura.

Estamos sim na Era do Hidrogênio e, como declarou a Nissan em junho de 2016, ao anunciar o desenvolvimento de um revolucionário veículo equipado com célula a combustível de óxido sólido (SOFC), que dispensa o uso de metais raros, "com a infraestrutura instalada de distribuição de etanol o Brasil já resolveu o desafio de distribuição de hidrogênio". Em tempo, a EPE (Empresa de Pesquisa Energética) estimou que o investimento para construção de um smart-grid para recarga de baterias no Brasil é de US$ 210 a US$ 300 bilhões, ou o equivalente a duas reformas da previdência. Portanto, existe um papel a ser desempenhado pelo etanol na mobilidade sustentável do futuro, não só no Brasil, mas também em vários outros países, especialmente porque a sustentabilidade de sua produção é crescente através de rotas adicionais de aproveitamento da energia integral da cana, e dos resíduos gerados com sua industrialização, o que tende a diminuir ainda mais as emissões nos conceitos mais completos de avaliação de ciclo de vida. No entanto, é fundamental que investimentos em motorizações que utilizam etanol continuem a ser realizados pela indústria automotiva. Fonte: Plinio Nastari. Agência Estado.