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23/Jun/2021

Geração de energia de biomassa e a crise hídrica

O suprimento de energia é a base da economia e por isso é fundamental que esteja disponível com custo competitivo e qualidade para garantir o desenvolvimento econômico, e a própria vida da população. A preocupação surge pelo forte indício de que o suprimento de energia elétrica no Brasil deve ser desafiador em 2021. A elevada participação da geração hidrelétrica, que é uma grande vantagem ambiental, traz vulnerabilidade em períodos de estiagem. Desde 2020, o Brasil tem sofrido o efeito da anomalia climática La Niña, que reduz a precipitação nas regiões Sul e Sudeste, onde estão localizados os maiores reservatórios e a maior capacidade de geração. Nossa principal bacia hidrográfica, a do rio Paraná, está no pior nível histórico de Energia Natural Afluente (ENA) em décadas, que representa a energia capaz de ser produzida pelo volume armazenado nos reservatórios. Em junho, esse nível atingiu 60,1% da Média de Longo Termo (MLT), enquanto o normal seria estar em 100,28% nesse período.

Com o fim do período de chuvas, aumenta a preocupação em relação à perda de controle hídrico. Isso fez com que o governo tomasse medidas para preservar o nível dos reservatórios, sendo a primeira adotada em 28 de maio pelo Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), ao autorizar a flexibilização das restrições hídricas das usinas de Jupiá, Porto Primavera, Ilha Solteira, Três Irmãos, Xingó, Furnas e Mascarenhas de Moraes. Essas medidas visam garantir a governabilidade das cascatas hidráulicas, preservando o uso da água. Além disso, o CMSE recomendou à Agência Nacional de Águas (ANA) o reconhecimento de escassez hídrica na bacia do rio Paraná. Com esse cenário, cresce a necessidade de serem ligadas termoelétricas movidas a energia fóssil muitas vezes a um custo de mais de R$ 1000 por MWh, encarecendo o Preço de Liquidação de Diferenças (PLD), que é referência para o mercado à vista, e a conta de luz nos segmentos residencial, comercial e industrial.

Essa situação é um alerta para nos mostrar que estamos atrasados no desenvolvimento da geração térmica a partir de biomassa e de resíduos, que, ao contrário das térmicas fósseis, é renovável e, quase sempre, mais econômica. Um bom exemplo é a geração de bioeletricidade a partir de resíduos da cana-de-açúcar. A cana é a segunda fonte primaria de energia em nossa matriz, respondendo por 18% do total, atrás apenas do petróleo e derivados com 33,4%, e à frente da energia hidráulica (12,5%) e do gás natural (12%). Mas o uso dos resíduos da cana para a geração elétrica ainda pode avançar mais. Na safra 2020/21, operaram 326 usinas de cana no País, sendo 267 no Centro-Sul e 59 no Norte-Nordeste. Desse total, apenas 179 usinas exportaram energia para o Sistema Interligado Nacional, sendo 156 no Centro-Sul e 23 no Norte-Nordeste. Combinadas, possuem uma capacidade de geração de 10.078,8 MW.

Em 2020, as usinas de cana foram responsáveis por suprir 30,59 mil gigawatts/hora (GWh), ou 4,0% de toda a geração de energia do País, sendo a quarta maior fonte de energia. As hidrelétricas geraram 518,47 mil GWh, ou 68,0% do total, seguidas por termoelétricas a energia fóssil (carvão, gás, óleo combustível e óleo diesel) com 96,41 mil GWh (12,6%), e energia eólica com 75,04 mil GWh (9,8%). Além disso, a geração potencial a partir de resíduos, dada nossa pujante base agroindustrial, é enorme e estimada em mais de 140 mil Gwh. A vantagem das térmicas movidas a biomassa e resíduos é que geram energia de base, e não intermitente. A eletricidade de biomassa, em particular na região Centro-Sul, é gerada durante os meses de inverno, quando os reservatórios estão no seu período mais crítico. Dessa forma, compensam a queda sazonal na geração hidrelétrica, aumentando a base do sistema sem a necessidade de ampliação de sua capacidade e a construção de mais reservatórios.

A geração é distribuída, próxima ao consumo das cidades, diminuindo a necessidade de investimentos e as perdas com transmissão estimadas em 12% a 14%, e seu custo tem sido estimado entre R$ 320 e 380 por MWh, bem menor do que o das térmicas movidas a energia fóssil. Embora menos competitiva do que a energia eólica, a geração térmica de biomassa e resíduos viabiliza a geração de energia hidrelétrica muito mais barata nos períodos de abundância hídrica, evitando que seja desperdiçada água nos vertedouros, além de reduzir o custo com o tratamento de efluentes e resíduos urbanos e industriais com importante impacto de sustentabilidade. O reconhecimento dos atributos diferenciados de cada fonte de energia é fundamental para o adequado direcionamento do planejamento de expansão da geração elétrica. A energia mais cara é a que não temos. Nesse sentido, a geração térmica renovável de biomassa, cana, madeira e resíduos, é a galinha de ovos de ouro que precisa ser devidamente reconhecida e estimulada. Autor: Plinio Nastari. Agência Estado.