28/May/2024
Uma guerra de narrativas é o pano de fundo das discussões sobre o fim ou a manutenção das regras do programa Remessa Conforme, que isenta do imposto de importação as compras de até US$ 50,00 em sites que vendem produtos importados. Em lados opostos, tanto as plataformas de cross border (que importam produtos para pessoas físicas) quanto os varejistas nacionais, lançam mão da mesma arma: pesquisas, cujos critérios variam de acordo com a tese que se quer provar, e o mesmo ponto de defesa: o consumidor de baixa renda que seria prejudicado, seja qual for a decisão do governo, manter o derrubar a taxação. Há pelo menos três levantamentos circulando pelo mercado, uma do Instituto de Pesquisa em Reputação e Imagem da FSB, outra realizada pela Ipsos com base em dados da Shein, empresa conhecida por sua operação de importação a pessoas físicas e uma terceira realizada pela Nielsen IQ Ebit. Cada uma aponta para públicos diferentes que eventualmente possam ser prejudicados, porque utilizam critérios e bases de dados também diferentes.
Segundo dados divulgados por entidades da indústria e do comércio, apurados pelo Instituto de Pesquisa em Reputação e Imagem da FSB, apenas 18% das pessoas que ganham até dois salários-mínimos fazem compras em sites internacionais, contra 41% de pessoas que ganham mais de cinco salários-mínimos. A mesma pesquisa aferiu que, ao perder vendas para essas importações menos tributadas, a indústria e o comércio nacionais deixam de empregar 226 mil pessoas. Assim, as pessoas que ficam sem emprego seriam as que ganham menos e, principalmente, as mulheres, já que 80% das pessoas empregadas nos setores mais afetados pelo Remessa Conforme recebem até dois salários-mínimos e as mulheres respondem por 65% do emprego nesses setores. Já segundo a Shein, empresa conhecida por sua operação de importação a pessoas físicas, o percentual de consumidores das classes C, D e E que adquirem produtos internacionais na plataforma da empresa é de 88%, sendo 50% das classes D e E e 38% da classe C. O número se refere à base total de clientes da plataforma e não aos valores gastos.
Os dados da Nielsen IQ Ebit (referência para dados de varejo), por sua vez, apontam outro cenário: 41% dos compradores de cross border têm renda familiar de até R$ 4.848,00 (cerca de 3,4 salários-mínimos. Ou seja, 59% teriam rendimentos familiares acima disso. Essa pesquisa não faz referência a afetados ou não pela isenção de imposto. Varejistas nacionais estão em Brasília em busca da aprovação do Projeto de Lei do deputado Atila Lira (PP-PI), cujo texto cria o Programa Mobilidade Verde e Inovação (Mover) e pede isonomia tributária entre a taxação sobre produtos comercializados por empresas brasileiros e aqueles importados por plataformas de cross border. Segundo a Lojas Renner, ser contra o Mover é ser contra o Brasil, pois as companhias brasileiras têm vivido um "protecionismo às avessas": quem produz fora do País paga menos impostos do que as companhias que produzem no território nacional. Parlamentares do Partido dos Trabalhadores (PT) haviam voltado para a base de apoio ao PL no início da semana passada. No entanto, o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria fechado questão contra a taxação.
A Guararapes (dona da Riachuelo) afirmou que se a carga tributária de sua empresa for a mesma aplicada a produtos vendidos em sites de cross border que aderiram ao Remessa Conforme, a empesa se compromete a baixar os preços de suas lojas entre 40% e 50%. A redução dos preços pela metade é endossada por outros varejistas do mesmo segmento. Hoje, o programa prevê que compras em sites de produtos importados no valor de até US$ 50,00 não paguem o imposto de importação (de 60%), com o compromisso de que seja recolhido o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) de 17%. A Leroy Merlin afirmou que sua filosofia não permite que a companhia passe a operar de forma a importar produtos e reproduzir o modelo de negócios de cross borders o que, hoje, diminuiria a carga de impostos da empresa. Entre 80% e 85% do que a loja vende é produzido no Brasil. Apesar do compromisso da matriz francesa com o País, fica cada vez mais difícil justificar investimentos internos, com regras consideradas tão contraditórias.
A Petz intensificou as críticas aos importados e vem se posicionando como uma das principais vozes contrárias às estrangeiras no debate público. O AliExpress, outro site que faz importação para pessoas físicas, afirma que a mudança terá grande impacto, principalmente na população mais pobre, que utiliza as plataformas de e-commerce internacional para acessar uma rica variedade de bens a preços acessíveis. A plataforma calcula que a taxação de produtos importados por plataformas digitais, vai encarecer os itens em 92%: a maior taxa praticada em todo o mundo. "É o que nós pagamos", rebate a Renner. A Shein, por sua vez, argumenta que os cálculos tributários são complexos e, por isso, deve ser levada em conta toda a regulação tributária que é aplicada aos entes da discussão. A companhia cita, por exemplo, casos em que a alíquota total de imposto é reduzida por determinados benefícios, tomadas de crédito e retorno de investimentos. É uma discussão complexa e o posicionamento da Shein é que isso deveria ser discutido da forma ideal e não de uma maneira rápida, de surpresa. A empresa está aberta à discussão e acredita que os consumidores também têm que ser ouvidos. Fonte: Broadcast Agro. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.