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21/Jun/2021

Projeto para internacionalizar o algodão brasileiro

Em 2020, duas entidades do setor do algodão, Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa) e Associação Nacional dos Exportadores de Algodão (Anea), juntamente com a Apex-Brasil, instalaram uma representação em Singapura e consolidaram um ambicioso projeto de internacionalização. Você pode estar se perguntando: por que o setor privado gastaria dinheiro e esforço nessa empreitada se o algodão é uma commodity e o produto brasileiro é essencial para abastecer a demanda mundial? O caso dos produtores de algodão brasileiro mostra o paradigma da mudança de mentalidade que o setor agropecuário está vivendo. No passado, quando se falava em exportação, os requisitos essenciais na cabeça do produtor eram melhorar produtividade, padronizar qualidade e ter preço baixo. A enorme demanda por produtos do setor fazia o resto; os compradores buscavam o que precisavam. Atualmente, o trinômio produtividade, qualidade e preço constitui apenas uma referência mínima para entrar no mercado.

Uma vez dentro, há grandes desafios competitivos para se diferenciar e ampliar margens de lucro, como bem perceberam os cotonicultores brasileiros. Mesmo com a demanda atual aquecida e os altos preços das commodities no mercado internacional, a necessidade de uma maior internacionalização é um fato da realidade. É preciso estar presente no mercado de destino, promover os produtos e conhecer os consumidores locais. A competitividade das exportações do setor agropecuário no mundo atual depende disso. Os dados da balança comercial permitem uma visão geral da questão. Entre 2000 e 2020, as exportações do agro cresceram de US$ 20 bilhões para US$ 100,8 bilhões, representado uma incrível expansão de 389%. A demanda por produtos agropecuários foi fortemente puxada pelo desenvolvimento chinês, país que foi destino de 33,7% de tudo que vendemos ao mundo no ano passado. Mas, a crescente interdependência da produção nacional com o crescimento da China está concentrada em apenas três produtos (soja em grão, carne bovina e celulose) que, em 2020, representaram 82% dos 34 bilhões vendidos.

A grande concentração da pauta exportadora em alguns produtos, para poucos destinos, pode ser vista de muitas maneiras, mas é um sinal evidente de que há um potencial de negócios inexplorados para o agro brasileiro nas prateleiras do mundo. O setor está fazendo muito, mas há muitos produtos e muitos destinos que poderiam crescer nos dados da balança comercial dos próximos 20 anos. É claro que uma análise geral da pauta exportadora não fornece uma visão profunda dos diferentes desafios que cada um dos setores do agro brasileiro enfrenta no mercado internacional. Os cotonicultores, por exemplo, já ocupam a segunda posição em exportações no mundo com destinos bastante diversificados, de forma que o potencial inexplorado não é evidente. Mas as entidades representativas do setor apontam outro problema. O algodão de origem brasileira atinge elevado grau de qualidade e, apesar de ser bem aceito por compradores internacionais, recebe valor menor do que seu principal concorrente, o algodão norte-americano. O comprador não tem percepção da qualidade diferencial do produto brasileiro.

De outro lado, o algodão norte-americano é mais conhecido e tem suas características de qualidade já difundidas no mercado internacional. A fama do algodão norte-americano não é produto do acaso, mas resultado de anos de promoção comercial e de presença física nos mercados de destino. Os cotonicultores dos Estados Unidos fizeram marketing de seu produto, cultivaram os clientes e construíram reputação no mercado através dos seus 17 escritórios e representantes no exterior. Segundo a Abrapa, a percepção distorcida ou a falta de conhecimento sobre o produto brasileiro, que leva o comprador a preferir o algodão norte-americano, causa um prejuízo de US$ 127,00 por hectare de algodão plantado ao produtor nacional. O valor que o setor deixa de ganhar é o potencial de negócio inexplorado. Isso mostra que a internacionalização é uma necessidade até mesmo para as grandes commodities em cenário de demanda aquecida. A diferenciação do produto junto ao consumidor é um processo importante na agregação de valor e na conquista de novos mercados.

Para produtos que ainda não ocupam um grande share de exportações, a presença internacional é ainda mais importante para potencializar oportunidades de negócios e diferenciar o produto junto ao consumidor. Foi isso que orientou o projeto de internacionalização da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Com objetivo de auxiliar os setores não tão tradicionais na pauta exportadora, a CNA estabeleceu há um ano uma representação em Xangai. A ideia que sustentou a decisão da entidade nesse movimento de internacionalização é, em grande parte, similar ao do setor do algodão. É preciso assumir o protagonismo no mercado internacional, divulgar produtos, estabelecer relacionamentos de longo prazo com compradores e consumidores finais. A escolha do local de instalação da primeira representação no exterior é justificada pela enorme capacidade de diversificação que o mercado chinês possui. O consumidor chinês sabe pouquíssimo sobre os alimentos produzidos no Brasil, pois raramente estão presentes nas concorridas gôndolas dos supermercados.

Os produtores rurais também desconhecem as imensas oportunidades de negócios que o país oferece para além da soja e da carne. Por isso, a presença local tem-se mostrado indispensável para mudar essas duas realidades. Quanto mais me engajo na liderança do projeto da CNA de presença na China, maior a compreensão sobre os desafios, as oportunidades e a certeza de que outras entidades e empresas brasileiras precisam trilhar esse mesmo caminho. O setor agropecuário nacional é pujante demais para se contentar com os compradores que lhe batem à porta. O bom momento das exportações deve servir de estímulo para projetos de longo prazo. O desafio é sair da zona de conforto que os preços altos das commodities trazem ao setor e, de fato, disputar as prateleiras do mundo com alimentos, fibras e energia produzidos pelo agro made in Brasil. Fonte: Lígia Dutra. Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Agência Estado.