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19/Jan/2021

Inflação de alimentos: resultado da maior demanda

Os preços dos produtos agrícolas tiveram um grande aumento em 2020, provocando um pequeno salto da inflação no final do ano e uma consequente redução de demanda por parte de parcela da população de mais baixa renda. E, como sempre, surgem especulações sobre quem é o “culpado”. Mas, nesse caso, a explicação é relativamente fácil e já bem debatida. As razões são óbvias e se ligam a uma lei “irrevogável” dominante em qualquer mercado: a lei da oferta e da procura. Não faltaram pessoas desinformadas que em momentos distintos da história pediram, inadvertidamente, a revogação desse “instrumento legal”. A primeira razão foi determinada pela pandemia em si. Muitos países preocupados com o abastecimento de suas populações trataram logo de aumentar seus estoques de alimentos para garantir a oferta adequada.

Esta pressa se explica: houve uma grande ansiedade no início da pandemia sobre a eventual dificuldade logística representada por paradeira em portos, transporte interno nos países produtores, falta de contêineres ou mesmo de navios, tudo em função de regras díspares estabelecidas por governos em todos os níveis ou pelo potencial inicial do Covid-19 de tirar muita gente das cadeias de distribuição. Ou seja, houve uma “explosão” de demanda sobre os principais países exportadores, entre os quais o Brasil. Como os estoques mundiais estavam ajustados a um modelo normal de mercados, os preços subiram em dólares. A China, pressionada pela peste suína africana, que havia determinado a matança de 400 milhões de suínos, precisou desesperadamente de carnes (inclusive de aves e bovina) para suprir as necessidades de proteína animal de sua população gigantesca. E entrou com força nesse mercado. Ora, para produzir proteína animal é preciso grão e a demanda por esse (soja e milho) também explodiu.

Por outro lado, questões políticas internas de alguns países provocaram reação no câmbio, valorizando o dólar. No Brasil, isso foi muito marcante. Com preços mundiais aumentando em dólar e com o Real desvalorizado, o preço pago pelo milho e pela soja subiu muito acima de qualquer expectativa, gerando grande interesse em exportar. Os números dizem tudo. Em janeiro de 2020, o milho era vendido a R$ 51,00 por saca e 60 Kg em média, já um preço maior que nos anos anteriores. Mas, em janeiro deste ano o valor supera R$ 80,00 por saca de 60 Kg, cerca de 60% mais alto. A soja valia R$ 83,00 por saca de 60 Kg em janeiro do ano passado e agora está a R$ 166,00 por saca de 60 Kg, o dobro! Claro que isso interferiu no custo das carnes, cujo preço também aumentou muito. Pudera: em janeiro de 2021 a soja vale mais de US$ 14,00 por bushel, ou 40% acima da média normal. O milho está cotado a US$ 5,30 por bushel, recorde dos últimos anos. Já o dólar teve variação impressionante: a média em 2020 foi de R$ 5,16 por dólar, mas no segundo semestre foi de R$ 5,39.

Com isso, exportar era muito atraente. No ano passado, produzimos 102 milhões de toneladas de milho, e exportamos 35 milhões, mais de um terço. Quanto à soja, os números são ainda mais fortes: produzimos uma safra recorde de 125 milhões de toneladas, e exportamos 101 milhões. Algo parecido aconteceu com arroz, um produto de menor expressão no mercado global: seu comércio dificilmente corresponde a 10% da produção mundial, é produto de consumo local. Mas seus preços também impulsionaram as exportações, inclusive brasileiras. Por enquanto só tratamos do caso das exportações de soja, milho, arroz, carnes, e vale acrescentar um forte crescimento das exportações de açúcar, seja porque nossa produção foi mais açucareira do que alcooleira em razão do menor consumo dos combustíveis, seja em razão da menor oferta açucareira de nossos concorrentes Índia e Tailândia. Mas, também o mercado interno teve grande incremento de consumo de alimentos devido ao auxílio emergencial do governo federal aos brasileiros marginalizados pela redução dos empregos surgida com a pandemia.

Em resumo, estes fatores todos encareceram os alimentos muito acima das expectativas, e a culpa é só do mercado mesmo. Os produtores rurais, em sua maioria, venderam suas safras no primeiro semestre de 2020 e não se beneficiaram desses preços. Mas, todo mundo aprendeu a trabalhar com mercados futuros e aproveitou a lição para as colheitas vindouras. Estamos iniciando as colheitas da safra de verão, tudo indica que as safras serão abundantes, de modo que a oferta interna voltará a crescer, certamente reduzindo os preços e o soluço inflacionário. Mas atenção: o mercado internacional continua demandante, a oferta global está equilibrada em relação à demanda, os preços na Bolsa de Chicago seguem elevados em relação à média histórica, e o dólar ainda está sobrevalorizado. O governo pode fazer alguma coisa? Fala-se em estoques públicos, há anos reduzidos. Talvez pudesse financiar estoques privados, muito mais eficiente do que manter seus próprios, mas o alto montante de recursos nesse volume de produção é improvável. Tema para outra discussão. Autor: Roberto Rodrigues - Agência Estado.