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01/Dez/2020

Fome no Brasil: desarticulação e a inépcia estatal

Ante o impacto planetário da pandemia, a atribuição do Prêmio Nobel da Paz para o Programa Mundial de Alimentos da Organização das Nações Unidas (WFP) foi mais que oportuna. A principal agência humanitária das Nações Unidas responde pelo maior programa de combate à fome no mundo. Como notou a própria entidade, o prêmio é um poderoso lembrete de que a paz e a erradicação da fome são indissociáveis. Em todo o mundo, cerca de 821 milhões de pessoas estão em situação de insegurança alimentar. São 135 milhões que passam fome, e a eles se juntarão mais 130 milhões. Ou seja, a fome dobrará. A situação no Brasil também é alarmante. Em 2004, 35% dos domicílios estavam em situação de insegurança alimentar. Essa parcela chegou a cair para 22,6% em 2013. Agora, porém, o País caminha a passos largos para voltar ao Mapa da Fome. Os passos foram alargados com a pandemia, mas começaram a ser trilhados bem antes dela.

Com a recessão de 2014, milhões de domicílios passaram para o estado de insegurança alimentar, chegando a 36,7% do total em 2018. Em cinco anos, a fome aumentou 43,7%. Até o fim de 2020, 5,4 milhões de brasileiros devem cair na vala comum da miséria, totalizando quase 15 milhões, 7% da população. Os desafios mais dramáticos enfrentados pelo WFP no mundo vão muito além dos problemas que afligem o Brasil, envolvendo a atuação em zonas de conflito onde a fome chega a ser utilizada como arma para aniquilar populações tidas por inimigas. Mas, há os desafios análogos. O Comitê do Nobel apontou que o prêmio ao WFP também simboliza a necessidade de solidariedade e multilateralismo. O que o multilateralismo é no cenário internacional, a cooperação federativa é no nacional. O grande drama é que não há uma unicidade, um comando que lidere o Brasil como um todo para sair desta pandemia. O governo federal tem uma linha difusa, não sabe se apoia ou não a Organização Mundial da Saúde (OMS), se apoia ou não a quarentena.

Outra diferença em relação às calamidades enfrentadas pelo WFP é que a fome no Brasil não é causada pela falta de comida, mas de dinheiro. Em relação a políticas públicas, não há como exagerar a importância deste fato, mas também não se pode minimizar o escândalo nele implícito: o País produz muito mais do que o suficiente para alimentar toda a população, pois é um dos maiores exportadores de alimento do mundo, e ainda assim milhões de famílias passam fome. O auxílio emergencial mostrou a importância de construir uma salvaguarda contra a miséria. Em razão dele, segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV Social), o número de pobres caiu 23,7%, mas com o fim do programa esse contingente voltará à pobreza. O governo federal tenta elaborar um novo programa de renda mínima, se não por mais nada, pelo seu valor eleitoral, mas, como sempre, de maneira desarticulada e inepta.

O governo já propôs de tudo, até medidas ilegais, como o uso de precatórios, mas reluta em encampar mudanças estruturais que poderiam reduzir gastos (como a reforma administrativa, o Pacto Federativo ou a PEC dos gatilhos emergenciais), ou promover mecanismos distributivos (como a reforma tributária), ou reduzir a dívida pública (desestatização). Mas, se os quadros do governo não conseguem se entender para garantir um programa de renda que lhe garanta a reeleição, não há nada remotamente parecido com um roteiro de recuperação, produtividade, trabalho e educação. Com a doença, vem a fome; e com elas, a guerra e a morte. O Brasil não é assolado por conflitos civis, mas a criminalidade é devastadora. Se o flagelo do crime não pode ser reduzido à carência material, ela é sem dúvida a sua mola principal. Não é admissível que na 9ª maior economia do mundo tantas pessoas morram pela fome ou pela bala. Fonte: Agência Estado. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.