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10/Nov/2020

Perspectivas para relacionamento entre Brasil-EUA

Muito se tem especulado sobre o impacto das eleições norte-americanas na relação Brasil-Estados Unidos. Com justas razões: a deliberada propensão dos presidentes Donald Trump e Jair Bolsonaro a confundir questões de Estado com políticas de governo e interesses pessoais já causou muitos ruídos desnecessários que ainda podem se amplificar na futura administração. Mas, um relatório do Serviço de Pesquisas do Congresso norte-americano mostra que, além das contingências ideológicas, hoje reciprocamente alimentadas, há sólidas condições históricas e interesses mútuos para que as duas nações avancem em suas parcerias comerciais e estratégicas. O documento adverte para um padrão histórico de altas expectativas dando lugar a mútuas frustrações. Apesar disso, os políticos norte-americanos frequentemente apontam o Brasil como um parceiro natural em questões regionais e globais, dada à condição de democracia multicultural. Malgrado certas diferenças nas abordagens de políticas comerciais, as relações Estados Unidos-Brasil se aprofundaram nas últimas duas décadas.

Ainda que em 2008 a China tenha ultrapassado os Estados Unidos como o maior parceiro comercial do Brasil, o comércio entre ambos mais do que dobrou desde 1999, especialmente nas indústrias energética e aeroespacial. O Brasil é o 19º maior parceiro comercial dos Estados Unidos e o segundo maior latino-americano. Em outubro, os dois países concluíram um Protocolo de Regras Comerciais que reforça os compromissos do Brasil em favor de mais competitividade, reformas regulatórias e liberdade econômica, e acrescenta três anexos ao Acordo sobre Comércio e Cooperação Econômica de 2011: facilitação do comércio e administração aduaneira; práticas regulatórias similares à do Acordo EUA-México-Canadá (USMCA); e compromissos anticorrupção. O protocolo não precisa da aprovação do Congresso norte-americano, mas precisará ser aprovado pelo Congresso brasileiro. O Congresso deveria considerar explorar as perspectivas de um aprimoramento das relações econômicas e comerciais com o Brasil sob uma abordagem de blocos de construção rumo a um eventual Acordo de Livre Comércio. Também deveria examinar um quadro para promover laços comerciais e abordar questões como propriedade intelectual e comércio digital.

Os capítulos do USMCA podem servir de modelos para acordos menores. O Brasil, por sua vez, precisará decidir se buscará um acordo junto com o Mercosul ou bilateralmente, o que exigiria mudanças nas regras do bloco. Do ponto de vista dos Estados Unidos, o fortalecimento dos laços com o Brasil, entre outras razões econômicas e estratégicas, ajudará a promover seus interesses na América Latina ante a crescente presença da China. Nesse sentido, há um inequívoco alinhamento bipartidário. Sob a administração de Donald Trump, o Brasil recebeu apoio para ser integrado à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e foi designado como aliado prioritário extra-Otan. Não há razão para esses compromissos serem revertidos, mesmo sob uma administração de Joe Biden. Contudo, o parecer aponta que muitos políticos (presumivelmente democratas) alegam que o Brasil precisará promover avanços nos direitos humanos, meio ambiente, corrupção e reforma tributária antes que os dois países possam avançar em quaisquer negociações. É uma evidente advertência à gestão de Jair Bolsonaro, que se soma àquelas da União Europeia e da OCDE.

Mas, nenhuma dessas exigências é antagônica aos interesses brasileiros. Muito ao contrário. Ao fim e ao cabo, se as engrenagens diplomáticas do Itamaraty trabalharem segundo a sua melhor tradição, o Brasil poderá se beneficiar do melhor dos dois mundos: estreitamento das relações econômicas e estratégicas com os Estados Unidos, sem prejuízo da expansão das relações comerciais com a China. Mas, isso dependerá da capacidade das instituições e da sociedade brasileiras de impor freios às idiossincrasias ideológicas de seu presidente. Do contrário, é perfeitamente possível que reste ao País o pior dos dois mundos: resistência do contingente democrata nos Estados Unidos e atritos contraproducentes com a China. A retórica agressiva de Donald Trump contra a China na disputa pelo domínio 5G deve ser substituída por meios tradicionais como diplomacia e inteligência com a eleição de Joe Biden. Especialistas apontam que a guerra comercial entre os dois países vai além das preferências dos democratas e republicanos e será mantida, ainda que com uma estratégia diferente.

Para o Brasil, a pressão norte-americana pode diminuir nos primeiros meses, mas voltará em 2021, quando está previsto o leilão de frequências do 5G. As relações entre Estados Unidos e China continuarão tensas, mas em um ambiente submerso. O democrata já se manifestou a favor de uma aliança internacional contra a China, focada na defesa da propriedade intelectual e da transferência de tecnologia. Joe Biden não vai acabar com essa tensão. Ela vai ocorrer, mas o perfil de Biden e dos democratas de forma geral é diferente. Não teremos mais o reality show do Trump no Twitter o dia inteiro. O problema é que os Estados Unidos “perderam o bonde” da tecnologia e não conseguem recuperar. Os Estados Unidos não possuem mais indústria de telecomunicações. Biden pode até não falar como Trump, mas é um tema que vai muito além da retórica. Passa por política industrial, tecnológica e geração de empregos. O mundo conta hoje com três fornecedores de equipamentos centrais para o 5G: a chinesa Huawei e as nórdicas Ericsson e Nokia. Os Estados Unidos dependem totalmente das duas últimas, mas, ao mesmo tempo, a Huawei fornece itens para ambas.

O 5G representa uma chance de desenvolvimento econômico. A relevância das empresas chinesas no mundo da tecnologia começa a ir além da Huawei. Os aplicativos chineses se tornaram febre entre jovens nos últimos anos, como o WeChat, semelhante ao WhatsApp, e o TikTok, que já tem 1 bilhão de usuários. Ambas as empresas chinesas sofrem pressão direta de Trump para que sejam vendidas para um novo dono, ou banidas dos Estados Unidos. Para o Brasil, a vitória de Biden alivia pressões pelo banimento da Huawei, mas só no curto prazo. Quanto mais silenciosa for a relação entre Joe Biden e Jair Bolsonaro nos primeiros meses, maior a chance de que o Brasil mantenha a ideia de banir a Huawei do País. A maior barreira a esse plano é justamente uma das maiores bases de apoio do governo: a bancada ruralista. O agronegócio acredita que esse tema pode gerar retaliação desnecessária ao País. Por outro lado, a pressão de Biden sobre a política ambiental brasileira também pode ser fonte de novos atritos. Se Bolsonaro quiser retaliar Biden de uma maneira forte, manter a Huawei é a possibilidade que está na prateleira.

Para além do 5G, banir a Huawei do Brasil possivelmente aumentaria o custo dos serviços de telecomunicações. Ela já atua há 20 anos no País e é uma das principais fornecedoras das operadoras de telecomunicações. Segundo dados da Anatel, a Huawei hoje está presente em 35% a 40% da infraestrutura das redes de telefonia móvel de 2G, 3G e 4G do País, ficando atrás apenas da Ericsson. Além disso, a vitória do democrata Joe Biden para a Casa Branca abre caminho para a união dos Estados Unidos e da Europa numa “marcha verde” de pressão na direção do governo Jair Bolsonaro, o que vai exigir pragmatismo da diplomacia brasileira e do Ministério da Economia para impedir que os produtos brasileiros sejam atingidos por restrições comerciais. Segundo o ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Sérgio Amaral, que já esteve duas vezes com Biden, se O Brasil não fizer nada, é possível que essa nova marcha verde vá se espalhando por todos os temas e assuntos.

O Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI) afirma que Joe Biden é o presidente dos sonhos de Wall Street e certamente não tem nenhuma simpatia pelo governo brasileiro, mas não vai agir de forma irracional e revanchista. A disputa importante que envolve a relação Estados Unidos, Brasil e China é a decisão sobre a adoção da tecnologia 5G. Na União Europeia e no Reino Unido, já estão em curso consultas públicas para aplicar restrições a países que desmatam e tributar produtos com alto índice de emissão de carbono. A expectativa é que Biden se alinhe a essas políticas no futuro. Isso pode se materializar em tarifas adicionais para as exportações brasileiras. O alvo serão os produtos brasileiros que auxiliam no desmatamento ou geram emissões de carbono. No agronegócio, que pode ser atingido por medidas restritivas, a preocupação do momento é com o futuro do dólar. Fonte: Agência Estado. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.