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09/Nov/2020

EUA: vitória de Biden é mais favorável para Brasil

Relatórios de bancos e consultorias disparados nos últimos dias apontam que uma vitória do candidato democrata Joe Biden é mais vantajosa para o Brasil porque os países emergentes vão passar a ser uma oportunidade atraente de investimento no cenário de aprovação de um novo pacote de estímulo, o que deve ampliar o apetite dos investidores e diminuir a tensão comercial. A maior gestora do mundo, BlackRock, recomendou aplicações nas bolsas de países emergentes porque devem crescer acima da média mundial, com essa perspectiva. A gestora é responsável pela administração de US$ 2,6 trilhões em ativos, mais do que o PIB da África. Para o banco americano Goldman Sachs, a presidência de Biden provavelmente fará uso de uma abordagem mais multilateral ao comércio global. Como país emergente, o Brasil pode se beneficiar, mas corre o risco de o fôlego ser de curto prazo se governo brasileiro não afastar o risco fiscal e as propostas de reforma não ganharem tração no Congresso.

Foram divulgados diversos relatórios apontando que os países emergentes saem beneficiados, sobretudo, pela aprovação de um pacote de estímulo que injetaria mais recursos no mercado, o que acabaria estimulando apetite por risco. Com liquidez, as pessoas começam a olhar ativos não tradicionais. O Brasil é um ativo não tradicional. O Brasil pode também aproveitar uma onda de investimentos em áreas de energia renovável, área de interesse de Biden, já que tem uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo. Com uma política externa norte-americana mais previsível, menos explosiva e menos baseada em sustos e tuítes, o investidor começa a caminhar num ambiente de maior previsibilidade, o principal combustível do investidor internacional. O pacote de estímulo, sendo aprovado, gera um cenário de oportunidades, mas esse cenário só se concretiza se o Brasil enfrentar as suas crises de conteúdo local, com a previsibilidade fiscal e política. Mesmo com a amizade de Bolsonaro e Trump, a relação do Brasil com Estados Unidos num governo Biden vai continuar sendo importante.

O ambiente mais favorável para os emergentes já está claro nos indicadores dos mercados, com as moedas desses países ganhando terreno. O Brasil está alinhando com essa performance, mas a intensidade e durabilidade desse movimento está limitada pelos mesmos fatores que geraram a redução de desempenho do Brasil desde o início do ano, incertezas sobre o controle das contas públicas e o andamento das reformas no Congresso. Entre os emergentes, o Brasil é o que teve o pior desempenho em 2020. Num ambiente de melhora geral, que favorece os emergentes, quem ficou para trás tende a ter um desempenho melhor numa reação inicial, mas o investimento de longo prazo depende de uma visibilidade um pouco melhor do ponto de vista fiscal e da percepção de que o crescimento é sustentável. No governo brasileiro, a preocupação é com uma retaliação de um futuro governo Biden aos produtos brasileiros como pressão ambiental. O temor maior é Biden usar as exigências ambientais para criar alguma represália comercial, principalmente no agronegócio, tornando mais difícil o que já não é muito fácil nas exportações.

Autoridades falam em pragmatismo e diálogo para afastar narrativas equivocadas. Assessores do governo lembram carta assinada em junho por 24 deputados democratas da Comissão de Orçamento e Tributos (Ways and Means) da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos afirmando que têm fortes objeções à busca de qualquer acordo comercial ou à expansão de parcerias comerciais com o Brasil do presidente Jair Bolsonaro. O agro brasileiro tem demanda e não deve tratar sob ponto de vista ideológico. O mercado mundial precisa do Brasil e por isso deve haver diálogo com os concorrentes e compradores, afirmou o deputado Jerônimo Goergen (PP-RS), da bancada ruralista. Para a Associação Brasileira de Desenvolvimento (ABDE), que está à frente de um novo programa de financiamento verde, o governo Biden pode favorecer uma retomada sustentável da economia mundial no pós-pandemia. Um ponto que já foi declarado por Biden é que ele assume o compromisso de retornar ao Acordo de Paris, o que teria um grande impacto ao financiamento do desenvolvimento. Mas, a vitória do candidato democrata à presidência dos Estados Unidos deve frear as negociações de novos acordos comerciais entre o Brasil e os Estados Unidos.

A avaliação de fontes do governo e do setor privado é de que, ao menos em um primeiro momento, a mudança na administração paralisará conversas que vinham avançando com o governo Donald Trump e culminaram na assinatura, há duas semanas, de um acordo de facilitação de comércio. Os negociadores brasileiros têm na lista outros entendimentos que vêm sendo discutidos com os norte-americanos, como de eliminação de dupla tributação, investimentos e compras governamentais. Pelo lado brasileiro, o desejo é um acordo de livre-comércio entre os dois países, que pode ficar mais distante no governo democrata. A expectativa é que a mudança do partido no comando da principal economia do mundo coloque as negociações com o Brasil em espera por dois motivos. Primeiro, pelo fim do “alinhamento automático” que existe entre os governos do presidente Jair Bolsonaro e o norte-americano Donald Trump e que ajudou a abrir portas de órgãos norte-americanos e possibilitou o avanço do acordo comercial.

O Acordo de Comércio e Cooperação Econômica vinha sendo negociado desde 2011, mas estava em hibernação até a eleição de Bolsonaro, com a retomada das negociações em março do ano passado. A expectativa é que negociadores norte-americanos não priorizarão encontros e agendas com os brasileiros, como tem feito o atual governo. Além disso, há razões práticas para que as negociações sejam congeladas, como o foco em questões domésticas que a administração democrata tende a ter no início do governo. Segundo a Câmara Americana de Comércio (Amcham), o primeiro ano do mandato do Biden será muito centrado na política interna. A agenda comercial com os principais parceiros vai demorar um pouco mais para ser retomada, não só com o Brasil como para outros países. Apesar de o fechamento dos acordos ficar mais longe, a avaliação de envolvidos nas negociações é que elas não serão enterradas.

A expectativa é que Biden, atuante na área de comércio exterior durante suas passagens pelo Senado e como vice-presidente dos Estados Unidos, terá uma posição pragmática e manterá a intenção de manter por perto antigos aliados. Mas, em novos termos. Mas, será necessário construir novas pontes. Se houver a mudança de administração, hoje comércio e meio ambiente, que são tratados de maneira separada na relação bilateral, passarão a ser dialogados de maneira conjunta, o que será mais um desafio para o Brasil. Para a Confederação Nacional da Indústria (CNI), a indústria brasileira tem bom histórico de relacionamento com candidatos republicanos e democratas e, independentemente do resultado das eleições, há uma oportunidade para a negociação de uma agenda ambiciosa de acordos entre o Brasil e os Estados Unidos. O setor privado tem grande expectativa para o início das negociações dos acordos de livre comércio e para evitar a dupla tributação. Também defende um diálogo para a remoção de barreiras ao comércio e aos investimentos entre os dois países.

Com a vitória de Joe Biden, o Brasil terá que se preparar para a possibilidade de não ter facilidades no acesso ao mercado norte-americano. Como o meio ambiente está no centro da agenda dos democratas, e uma das principais imagens do Brasil no exterior são as queimadas em biomas como Amazônia e Pantanal, o terreno ficará mais fértil a barreiras contra produtos brasileiros. Há consenso de que um acordo bilateral mais amplo, como vinha sendo acalentado pelos países, terá, com Biden, chances remotas. Segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV), é possível que o governo brasileiro vocalize menos posições polêmicas, mas não conseguirá sensibilizar os democratas se não der provas de que está começando a conter o desmatamento. As chances de acordos comerciais entre Brasil ou Mercosul com os Estados Unidos são zero no médio prazo. Os Estados Unidos passam por um momento de mudança na política comercial, e ela vai contra acordos de liberalização de comércio. Mais difícil ainda será sair um acordo com quem não é aliado de primeira ordem.

Além disso, ficará mais fácil para empresários norte-americanos pedirem proteção contra produtos brasileiros com base em meio ambiente. Segundo a Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), associados à questão ambiental, os produtos agrícolas do Brasil serão potencialmente um alvo. Além disso, os Estados Unidos são concorrentes do Brasil em produtos agrícolas como soja, milho e suco de laranja. Segundo o Insper, o alinhamento ideológico do presidente Jair Bolsonaro com Donald Trump não teve contraparte norte-americana, o que levou a medidas contrárias aos interesses de alguns setores, como as indústrias do aço e do alumínio. Contudo, com Biden, esta situação tende a piorar, porque, além de não haver alinhamento entre os governos, os democratas terão maioria na Câmara dos Representantes, que já se pronunciou contra acordos comerciais e tarifários com o Brasil por questões ambientais. A falta de uniformidade de critérios para barreiras fitossanitárias pode ser uma brecha para barreiras, por exemplo, contra o frango.

Não estão descartadas cotas a produtos brasileiros nos Estados Unidos. Mas, há setores que devem se beneficiar com a agenda ambiental de Biden, como as usinas de biocombustível. Já outros, como o setor siderúrgico, alvo das cotas de importação do governo de Donald Trump, há torcida de alguns empresários por uma mudança de rumo da maior economia do mundo. Porém, para que haja um ganho maior entre setores exportadores com a troca de presidente nos Estados Unidos, será necessária uma aproximação do Brasil à plataforma do democrata, uma possibilidade tida como incerta por analistas. Até porque, não se trata de uma guinada do "America first" para algo como "America global" porque o sentimento antiglobalização segue permeando profundamente a sociedade norte-americana, sendo, como se sabe, uma das causas que conduziram Donald Trump ao poder e que ameaçaria uma reeleição democrata daqui quatro anos.

Os cenários não são, porém, completamente desfavoráveis a exportadores brasileiros se uma reaproximação dos Estados Unidos com a Organização Mundial do Comércio (OMC) indicaria um caminho mais livre à evolução de acordos de facilitação de comércio firmados no organismo, enfraquecido na administração Trump. Biden também deve trazer previsibilidade à política externa norte-americana, dando fim aos anúncios, do dia para noite, de taxação ou cotas sobre produtos importados que marcaram a condução de Trump nesta área. Estará decretado o fim da "diplomacia de Twitter", já que é impensável que Biden use as redes sociais para atacar parceiros comerciais como fez Trump ao longo de seu mandato. Mesmo que, a exemplo de Trump, continue se contrapondo ao avanço da China na economia e geopolítica internacional, Biden, por seu perfil mais diplomático e multilateralista, deve contribuir a um melhor ambiente no comércio global, o que é positivo para as commodities vendidas pelo Brasil. Autor: Marcos Jank. Fonte: Agência Estado.