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03/Nov/2020

Choque inflacionário deverá se estender até 2021

Ainda que o choque inflacionário seja temporário, como caracterizado pelo Banco Central, a duração deve ser de pelo menos mais seis meses. Com o dólar em níveis recordes e uma recuperação inicial forte da economia, as empresas devem continuar a repassar os custos do aumento de insumos enquanto houver gargalos na produção. Já os agricultores tendem a preferir o mercado externo, mais rentável, limitando a oferta doméstica de alimentos, que também deve ser afetada por problemas climáticos. Parte do aumento de preços de alimentos, principalmente de grãos, pode ser mais estrutural, sustentado pela maior demanda da China, que está preocupada com a segurança alimentar após a peste suína africana e a pandemia de covid-19. O choque de inflação é temporário, mas temos de saber o que significa temporário. Os preços de commodities agrícolas devem seguir pressionados até o fim do primeiro trimestre de 2021.

Para os preços domésticos, a alta ganha contornos mais dramáticos por causa do câmbio altamente depreciado, o que tem relação com os riscos fiscais. Para além da recuperação rápida da China, problemas climáticos podem diminuir a oferta de grãos nos próximos meses. O clima seco no Brasil deve atrasar a colheita da soja para fevereiro, quando normalmente ocorre na virada do ano. Da safra deste ano, só há sobra de 5%, que, com a demanda alta, deve ser disputada, sustentando preços. No caso do milho, o aumento das compras pela China nos EUA tem desestabilizado o mercado mundial, abrindo novos clientes para o grão brasileiro. A Fundação Getulio Vargas (FGV) avalia que o desenho de uma segunda onda de coronavírus na Europa sugere alívio das commodities em dólar no curto prazo, com a desaceleração esperada para a atividade mundial. O efeito dessa virada nos preços no atacado do Brasil, no entanto, vai depender da capacidade de o País reduzir incertezas fiscais e valorizar o Real.

Se o câmbio estabilizar até 2020, o ano encerra com o IGP-M em torno de 20%. Mas, se não, vai ser maior. Desde o dia 2 de janeiro, o preço da saca de 60 quilos de milho subiu 70,5% em Reais, de R$ 48,43 para R$ 82,55, segundo o indicador Esalq/BM&F. Em dólar, o preço da saca do grão avançou apenas 19,2% no período, de US$ 12,07 para US$ 14,35 por saca. O indicador da soja mostra comportamento similar, com alta de 85,9% no preço do grão em Reais em 2020, de R$ 88,08 para R$ 163,82 por saca de 60 Kg. Em dólares, a alta foi de 30,1%, de US$ 21,94 para US$ 28,49. O aumento dos preços ao produtor já praticamente contratou um repique na inflação ao consumidor no quarto trimestre do ano e a dúvida é o quanto desse repasse de custos ainda pode ser repassado em 2021. O IPC da FGV deve atingir 3,5% no fim de 2020 e 3,75% no fim de 2021, já no centro da meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional para o IPCA.

Além da possibilidade de a desvalorização cambial brasileira mais do que compensar um eventual alívio nos preços de commodities em dólar, há dúvidas se um alívio nos preços seria capaz de frear o ritmo das exportações brasileiras. As evidências apontam para o contrário no curtíssimo prazo, porque as exportações brasileiras acabam favorecidas pela preocupação da China com segurança alimentar. Além da construção de estoques de grãos, o processo de recomposição do rebanho suíno do país asiático - dizimado entre 2018 e 2019 pela peste suína africana - deve sustentar a demanda por soja e deixar a China dependente do grão americano por algum tempo. No cenário doméstico, há pressão nos preços das carnes pelo processo de redução de abates para recomposição de rebanhos, que foram pressionados pela demanda externa desde 2018. Ao mesmo tempo, o inverno mais seco deste ano atrasou o plantio da safra de soja de 2020/2021 e pode gerar contratempos no milho 2ª safra, que é plantado logo depois da colheita de soja.

Os preços de grãos também são componentes importantes dos custos na produção de carnes. O cenário de preços ao consumidor vai ser muito pressionado no começo de 2021. Não deverão ocorrer mudanças tão cedo na demanda chinesa por grãos e carnes do Brasil, na medida que a recomposição dos rebanhos deve demorar alguns anos. O preço da arroba do boi, atualmente em cerca de R$ 270, pode atingir a casa de R$ 280 a R$ 290 e só não subir mais por causa do efeito estabilizador de abate de vacas, já que o valor do bezerro está muito aquém ao do boi. Para além da inflação de alimentos, a falta de insumos na indústria em conjunto com o câmbio mais depreciado tem potencial para elevar o IPCA de 0,30 a 0,40 ponto porcentual de outubro a março, pois, mesmo que temporária, a recuperação forte da economia já tem permitido repasses. A recessão não está sendo forte o bastante para que esses repasses não ocorram.

Os repasses começaram mais tarde, mas muda a perspectiva para o fim de ano e o início de 2021. O IPCA-15 de outubro mostra que a recomposição dos preços de serviços após o baque com a pandemia está acontecendo antes do esperado. Ambos os fatores, a volta dos preços de serviços volta e os gargalos de produção, têm aspecto temporário. Serão seis a sete meses de inflação mais alta antes da reversão, com o desemprego elevado e a produção sem tantos gargalos. Se houver novo agravamento da situação com a Covid-19 em nível global, o impacto é desinflacionário aqui no Brasil, mesmo com o dólar mais alto, com uma nova queda do preço do petróleo e perda de dinamismo da atividade global. Por outro lado, quando houver vacina, há risco de alta de preços de combustíveis, com a demanda por petróleo se normalizando e a oferta ainda restrita. O reajuste represado de administrados é outro fator que pesará sobre a inflação de 2021. Fonte: Agência Estado. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.