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08/Set/2020

Mercosul-UE depende de queda no desmatamento

A constatação do vice-presidente Hamilton Mourão de que o acordo comercial entre Mercosul e União Europeia "começa a fazer água" ilustra o horizonte turvo à frente do pacto, finalizado no ano passado após 20 anos de negociações. O documento, que ainda precisa ser ratificado pelos parlamentos em cada um dos blocos, enfrenta crescente resistência na Europa por conta da insatisfação em relação à política ambiental do governo brasileiro. Autoridades europeias avaliam que, sem uma reversão no avanço do desmatamento da Floresta Amazônica, será muito difícil que a pauta supere todos os trâmites necessários. Entre governos, ainda há certa disposição para aprovar o texto, mas os obstáculos mais significativos estão nos legislativos. Até agora, os parlamentos de Holanda, Áustria e da região de Valônia, na Bélgica, já manifestaram oposição ao projeto. No Parlamento Europeu, grupos ligados à bancada ambientalista trabalham para inviabilizar o tratado.

Um estudo encomendado pelo subcomitê para Direitos Humanos chegou a sugerir que o órgão alerte ao Tribunal Penal Internacional (TPI) de Haia sobre possíveis crimes contra a humanidade na Amazônia. Além do desmate, o relatório denuncia o desalojamento de povos indígenas. Não há previsão para que a recomendação seja analisada por parlamentares. Também não está claro se ela teria os votos para avançar até o plenário da Casa. Mesmo assim, o fato de ter sido solicitado por eurodeputados é mais um indicativo da oposição à política ambiental do governo de Jair Bolsonaro que dificulta a aprovação do acordo de livre-comércio. Integrante do comitê de relações exteriores e copresidente do Partido Verde, o eurodeputado austríaco Thomas Waitz não acredita que haja ambiente para a ratificação do acordo. A Europa não deve contribuir ainda mais para desmatamento abrindo nossos mercados à soja e à carne bovina, os dois principais motores do desmate, enquanto investe bilhões para enfrentar a crise climática por meio da redução de CO2 no continente.

O comentário de Waitz ecoa a posição central que a pauta ambiental tem assumido na agenda política da União Europeia. No final do ano passado, o Conselho Europeu declarou que todas as medidas do bloco devem contribuir para o plano de zerar as emissões de dióxido de carbono até 2050. O programa de recuperação da crise provocada pelo coronavírus, em um pacote de 750 bilhões de euros aprovado em julho, prevê que 30% dos gastos sejam voltados para a questão climática. Dentro desse contexto, o acordo UE-Mercosul tem um capítulo inteiro dedicado ao desenvolvimento sustentável. Nele, as duas partes concordam em guiar as relações bilaterais de acordo com os termos do Acordo de Paris, que busca reduzir a emissão de gases estufas a partir deste ano. No entanto, segundo a eurodeputada Anna Cavazzini, também do Partido Verde, o documento não tem mecanismos legais que obriguem os países a adotarem políticas de preservação do meio ambiente.

Cavazzini explica que, até o ano passado, ainda havia boa vontade em relação aos esforços sul-americanos para salvar a aliança. Desde então, a deputada argumenta que as diretrizes ambientais brasileiras apenas contribuíram para alimentar as desconfianças em relação ao tratado. Ela considera que o acordo está “morto”. Na semana passada, o ministério do Meio Ambiente (MMA) afirmou que iria suspender ações de combate ao desmatamento ilegal na Amazônia e no Pantanal. Para 2021, o orçamento da pasta terá redução de R$ 184,4 milhões, queda de quase 6% em relação a este ano. Tudo isso em um momento em que o desmate atinge níveis recordes: segundo dados do sistema Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), as áreas protegidas do bioma amazônico perderam 1.008 Km² entre agosto de 2019 e julho deste ano, alta de 40% em relação aos 12 meses anteriores. Estatísticas como essa ajudam a emperrar as tratativas para a viabilização da integração comercial. O pacto pode levar a um aumento de até 30% nas emissões de CO2.

Todo o acordo, tal como está, terá um impacto significativamente negativo no meio ambiente e no clima. Há ainda preocupações a respeito do aprofundamento de assimetrias econômicas na Europa e na América do Sul, com efeito sobre a concentração de capital. Os setores que vão se beneficiar em ambos os blocos são os que já são mais competitivos: na União Europeia, o setor industrial e setor exportador de capitais e, no Mercosul, o agronegócio. Fruto de longo trabalho diplomático, que ultrapassou governos de diferentes colorações partidárias, o acordo ainda tem o apoio de alguns governos. A Espanha é um dos principais aliados do pacto. No entanto, mesmo entre os aliados, há a percepção de que o sucesso do projeto depende de acenos do governo brasileiro. O embaixador da União Europeia no País, Ignacio Ybáñez, afirmou que a gestão do presidente Bolsonaro tem respondido de forma positiva às demandas dos europeus, mas cobrou a transformação de compromissos em fatos concretos. Há uma grande preocupação na União Europeia a respeito dos dados recebidos sobre o desmatamento.

Depois que a Alemanha declarou ter dúvidas a respeito do acordo, o embaixador do país no Brasil, Heiko Thoms, garantiu que ainda dá é possível salvá-lo. Mas, isso não vai acontecer isolado de outros desdobramentos. Será preciso ver ações reais e os números do desmatamento caindo durante um período significativo. A União Europeia destacou que a proposta de livre-comércio com o Mercosul é moderna, equilibrada e abrangente. Ao mesmo tempo, cobrou empenho no combate à degradação da Amazônia e seus efeitos sobre a biodiversidade e o clima global. A União Europeia incentiva sistematicamente os países amazônicos a combaterem o desmatamento ilegal e a degradação florestal, administrar e usar de forma sustentável os recursos florestais e restaurar ecossistemas. Fonte: Agência Estado. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.