20/Mai/2020
Indústrias e tradings do setor agropecuário estão preocupadas com o projeto que altera a Lei de recuperação judicial durante o período de calamidade pública por conta da Covid-19. A principal preocupação é com dispositivo que suspende por 60 dias a possibilidade de questionamentos na Justiça para execução de obrigações vencidas após 20 de março. O temor é de que, se o projeto for aprovado, o uso da ferramenta por produtores e distribuidores possa restringir entregas do milho 2ª safra de 2020 previamente negociado. O setor agropecuário já vem enfrentando uma onda de recuperações judiciais desde o ano passado. A proposta na Câmara institui medidas de caráter emergencial por meio de alterações temporárias de dispositivos da Lei nº 11.101, de Recuperação Judicial e Extrajudicial e de Falência. Se o projeto for aprovado, essas alterações vão valer até 31 de dezembro ou até quando estiver em vigor o decreto legislativo de calamidade pública em razão da pandemia causada pela Covid-19.
Durante o período de suspensão das ações por 60 dias, o devedor e seus credores deverão buscar, de forma extrajudicial e direta, a renegociação de suas obrigações, levando em consideração os impactos econômicos e financeiros causados pela pandemia de Covid-19, de acordo com o projeto. Segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), indústrias e tradings podem não conseguir buscar o produto adquirido previamente (e ainda não entregue) de produtores ou distribuidores que pedirem a suspensão legal nos moldes previstos pelo projeto. As empresas costumam retirar o produto na fazenda ou armazém, levá-lo até o porto e dali enviá-lo aos importadores no exterior ou transportá-lo dentro do País até as suas fábricas, processo que pode ser prejudicado pela retenção da mercadoria na propriedade. Muitas situações preocupam, como por exemplo, se o produto for vendido para outro, fato que só se teria conhecimento terminados os 60 dias.
Como o projeto é feito para perdurar por um período específico até o fim do ano, deve afetar o que for produzido, colhido e comercializado nesse período. A maioria da safra de soja já está negociada e boa parte desse volume já foi entregue, mas a 2ª safra de 2020 de milho deve ser embarcada à medida que a colheita ocorrer nos próximos meses. Esse projeto pode afetar a comercialização principalmente de milho. Tem aumentado o número de produtores que buscam a recuperação judicial como forma de postergar dívidas sem perder maquinário ou terras dados como garantia. Por trás do movimento está o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em decisão de novembro, de que produtores rurais pessoas físicas podem pedir recuperação judicial porque são considerados empresários, mesmo antes de terem o registro. Até então, alguns tribunais estaduais consideravam que o produtor precisava ter registro de no mínimo dois anos para recorrer à medida.
Já existe essa preocupação com recuperação judicial, e o projeto de lei facilita ainda mais esse processo de não entregar produto colhido e vendido antecipadamente. Segundo a Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec), a proposta acende um alerta no setor. Para produtor, não faz sentido. A pandemia pode ter causado mais dificuldade para conseguir frete, mas a safra não parou. Em virtude do prazo de 60 dias em que a mercadoria pode ficar retida, existe o risco de renegociação de produto já previamente comercializado. O projeto de lei não separou as obrigações. Pode vir uma enxurrada de descumprimento de contratos. Da forma como está o projeto é perigoso para o setor. A insegurança que for gerada para as obrigações em curso pode ter consequências negativas para novos contratos. O crédito vai ficar mais difícil, assim como as garantias a serem exigidas. Em outros momentos isso não teria chamado a atenção. Mas, porque o setor vem enfrentando essas questões de recuperação judicial, há uma grande preocupação.
A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) afirmou que ainda não tem posicionamento definido sobre a questão e, portanto, não pode dizer como votarão os deputados vinculados a ela. A recuperação judicial tem que ser um instrumento de última instância para o produtor. É preciso prever um mecanismo que não permita a utilização fraudulenta ou por má-fé. Os parlamentares estão debatendo pré-qualificações que poderiam ser adotadas para evitar uso inadequado da ferramenta. Para a FPA, embora com a pandemia possa haver demanda pela recuperação judicial nos moldes previstos no projeto, os processos devem passar por avaliação da Justiça. Não se pode, levando em consideração que abala a natureza do crédito, tirar essa ferramenta à disposição dos produtores. O produtor precisa ter essa alternativa como última instância de solução de suas dívidas. Fonte: Agência Estado. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.