29/Abr/2020
A decisão unilateral da Argentina de se retirar das negociações de acordos comerciais conduzidas pelo Mercosul, com exceção das já concluídas, mas ainda não formalizadas, com a União Europeia (UE) e a Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA), abala um dos pilares do bloco econômico-comercial do Cone Sul. Embora o governo argentino deixe claro que não será obstáculo às negociações realizadas pelos demais membros do bloco, sua decisão rompe uma das principais regras do Mercosul, a de que os tratados comerciais só podem ser fechados se todos os integrantes do bloco concordarem. A retirada foi anunciada de modo inusitado, pois não foi precedida, como seria da praxe diplomática, de comunicação prévia aos demais parceiros do bloco para exame e aprovação. A Argentina afirma, ainda, que se resguarda o direito de voltar a participar das negociações das quais agora se retira.
Para assegurar a segurança jurídica dos demais membros do Mercosul, a decisão do governo argentino deveria ter sido formalizada por um ato do Mercosul, e não por decisão unilateral, tacitamente aceita pelo Paraguai, que está na presidência pro tempore do bloco e tornou público o fato. Medidas jurídicas, institucionais e operacionais terão de ser estudadas pelo bloco, reconheceu o Paraguai. Razões de ordem interna não faltam ao governo do presidente Alberto Fernández para se afastar das negociações de acordos comerciais pelo Mercosul. A causa imediata é a necessidade do país de se concentrar na política econômica, duramente afetada pela pandemia de Covid-19. O Ministério das Relações Exteriores da Argentina afirma que as ações econômicas do governo estão voltadas para a contenção dos efeitos da pandemia e para a proteção das empresas, dos empregos e das famílias mais humildes. Isso é diferente das posições de alguns parceiros, que propõem uma aceleração das negociações de acordos de livre comércio.
A pandemia, na verdade, acentuou graves problemas que o país já enfrentava, como a recessão iniciada há dois anos, a aceleração da inflação, o custo da dívida externa e o aumento da pobreza. Mas, o governo de Alberto Fernández parece ter visto nessa conjugação de problemas uma oportunidade política para se diferenciar ainda mais do governo brasileiro, que tem pregado a abertura comercial do Mercosul. Daí a nota da chancelaria argentina ter se referido a “alguns parceiros” que querem acelerar as negociações de acordos comerciais. A atitude do governo argentino contrasta com a do brasileiro, que, respeitando os termos do Tratado de Assunção, há tempos propôs aos demais membros do bloco a discussão da flexibilização e redução da Tarifa Externa Comum (TEC). Em tese adotada por todo o bloco, que por isso é formalmente considerado uma união aduaneira (que implica aplicação de uma tarifa comum a todos os produtos originários de terceiros países e a livre circulação de bens e serviços dentro do bloco), a TEC tem muitos furos e é aplicada com alíquotas diferentes por cada país.
O governo argentino ainda não se manifestou sobre a proposta brasileira. Ou seja, o Brasil não pode baixar unilateralmente a tarifa externa, pois se o fizesse estaria descumprindo o documento básico do Mercosul. Como o governo argentino vinha demonstrando desconforto com o acordo com a União Europeia, concluído na gestão anterior, de Mauricio Macri, a saída da Argentina das negociações foi vista com algum alívio pelo bloco europeu. O acordo precisa ser aprovado por todos os Parlamentos nacionais e, pelo menos temporariamente, não há risco de a Argentinas Aires rejeitá-lo. Para o Brasil, interessado em negociar acordos comerciais, o que contraria a política de Fernández, podem se abrir portas para entendimentos diretos com outros países. A forma como a Argentina se retirou das discussões, no entanto, suscita dúvidas jurídicas. O fato é que a retirada da Argentina de novas negociações do Mercosul pode acelerar o fim da união aduaneira do bloco.
A discussão de tornar o grupo apenas uma área de livre comércio deve ganhar fôlego após a pandemia do coronavírus. Como membros de uma união aduaneira, os países do Mercosul não podem negociar acordos comerciais com outras nações independentemente. Se o Mercosul se mantiver apenas como uma área de livre comércio, significará que os produtos vendidos de um país para outro, dentro do bloco, não pagarão taxas. Mas, cada nação poderá fechar entendimentos bilaterais sem depender da aprovação dos demais integrantes do bloco. No curto prazo, a tendência é que o corpo técnico do Mercosul crie uma regra para deixar claro que Brasil, Paraguai e Uruguai poderão continuar negociando acordos com blocos e países sem o aval da Argentina. A norma deverá prever que a Argentina poderá aderir a novos acordos, uma brecha que os membros do Mercosul querem deixar, na expectativa de que um governo mais "pró-mercado" possa assumir o governo no futuro.
Segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI), o Mercosul está em um momento de reestruturação e será forçado a discutir a questão aduaneira depois do anúncio argentino. A entidade acredita que o momento não é de acelerar acordos comerciais, inclusive há um pedido para que o governo brasileiro suspenda as negociações de acordo comercial entre o Mercosul e a Coreia do Sul. A entidade teme que os termos atualmente na mesa prejudiquem os produtores brasileiros e ampliem em US$ 7 bilhões o déficit comercial com o país asiático. A percepção é de que o Brasil vai sair da pandemia com empresas debilitadas e um mercado externo extremamente competitivo. Por isso, não tem como fechar acordos agora. A Mesa de Enlace, grupo que reúne as principais entidades representativas do agronegócio da Argentina, afirmou que repudia a decisão do governo argentino de não participar das negociações externas do Mercosul. Com a medida, a Argentina perde inserção no comércio internacional. O grupo também está pedindo uma reunião para discutir o tema com o Ministério das Relações Exteriores do país. Fontes: Agência Estado e La Nación. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.