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11/Fev/2020

Títulos Verdes têm grande potencial para o Brasil

Entrevista com diretora do Climate Bond Initiative

Munida de números já registrados, perspectivas positivas e parcerias com o governo e o setor privado, a diretora de desenvolvimento de mercado da Climate Bond Initiative (CBI), Justine Leigh-Bell, chega ao Brasil para tentar ampliar o mercado de títulos verdes no País. Especialista em América Latina e Brasil, ela considera que o investidor doméstico ainda é pouco informado sobre o potencial dessas ferramentas, mas vê no País um dos maiores mercados para os green bonds no futuro. "Estamos discutindo sobre o lançamento de um roadmap de investimentos agrícolas brasileiro, que será direcionado para o mercado doméstico, mas que estrangeiros também podem enxergar como uma oportunidade de investimento no Brasil. Acreditamos que podemos identificar US$ 600 bilhões, US$ 700 bilhões em investimentos", disse ela. A entidade é uma organização internacional que trabalha para mobilizar o mercado de títulos para soluções de mudanças climáticas avaliado em US$ 100 trilhões no mundo. A reunião dos membros do Brazil Green Finance Initiative (BGFI), marcada para iniciar nesta terça-feira (11/02), vai estabelecer as metas para o ano. Também está previsto um encontro com o subcomitê de Agricultura do BGFI. Questionada sobre se o Brasil segue como um país potencial para as finanças verdes, a executiva não deixa dúvidas: "Sim, enorme. Enorme!". Leia abaixo os principais trechos da entrevista:

Em 2016, o CBI fez um evento aqui em Londres em que o Brasil era a estrela. Desde então pouca coisa aconteceu nesse mercado...

Justine Leigh-Bell: Tenho uma visão diferente. Temos de lembrar que em 2015 ninguém sabia o que era green bond no Brasil. Eu estava em um evento em São Paulo sobre sustentabilidade com cerca de 500 pessoas e, quando a plateia foi perguntada sobre se conhecia do que se tratava, ninguém se manifestou. Ninguém. Temos que ter em mente que, no final das contas, isso está relacionado com o mercado de capitais. A economia brasileira passou por dois, três, quatro anos de problemas, e com três governos diferentes … então, com o nível dos riscos com a insegurança política associados a isso, o setor privado doméstico adotou uma postura sensata de esperar para ver o que iria acontecer. Bom, o Brasil é uma das maiores economias do Ocidente. A liderança do País na América Latina é importante para a agenda global, então temos que trabalhar nisso. Quando voltei para Londres foi o que disse para o meu time e fizemos um evento de uma semana inteira com o setor privado, com participação de Itaú Asset Management, Zurich Brasil, UBS Brasil, Febraban... e foi finalizado com a então ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira - provavelmente a melhor que o Brasil já teve. Depois disso, fizemos o evento aqui em Londres sobre o qual você se referiu. Naquela ocasião, acho que a Suzano tinha acabado de lançar seu título verde (a companhia emitiu um green bond de US$ 500 milhões, o terceiro do país, depois de a BRF ter estreado no mercado em maio de 2015). Desde então, o governo acabou, o mercado desabou, então não tinha como alcançar aquilo. Temos números hoje que são positivos, apesar disso tudo. Colhemos alguns frutos, mas há muitos mais. É preciso de mais educação sobre o que é verde, de mais conexão com o investidor, que é o que a CBI está fazendo agora, que é construir uma narrativa para o Brasil com o governo. É preciso fazer com que vejam que os financiamentos verdes são mais baratos do que os tradicionais.

O governo está com uma grande agenda de privatizações, principalmente na área de infraestrutura. Seria este o caminho?

Justine Leigh-Bell: Sim, parte do nosso tempo é usado para identificar o pipeline e para educar o investidor. O investidor externo sabe, mas temos que educar o investidor doméstico. Teremos um evento no Brasil agora, o BGFI, e vamos usar a primeira parte do encontro para conectar os investidores internacionais com os locais. É uma chance para educar. Haverá também brochuras com dados sobre os ativos do Brasil.

Sua viagem para o Brasil está relacionada com isso?

Justine Leigh-Bell: Sim, vamos ter o primeiro BGFI do ano na terça-feira (11/02), fazemos um a cada trimestre. Este ano vamos ter a apresentação do ex-CEO do Fundo Soberano da Noruega e vamos ter muitos representantes do agribusiness fazendo apresentações aos investidores. Estamos discutindo sobre o lançamento de um roadmap de investimentos agrícolas brasileiro, que será direcionado para o mercado doméstico, mas que estrangeiros também podem enxergar como uma oportunidade de investimento no Brasil. Acreditamos que podemos identificar US$ 600 bilhões, US$ 700 bilhões em investimentos.

Sua avaliação sobre o atual governo de Bolsonaro parece otimista. Me fale mais sobre o assunto, por favor...

Justine Leigh-Bell: O Brasil sofreu por décadas com governos que foram muito retóricos, políticos. Instituições públicas pararam de funcionar. Deixando de lado a retórica de Bolsonaro, os feitos de instituições-chave - como Ministério das Finanças, Infraestrutura, Agricultura, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Banco do Brasil - todas estão sendo lideradas por pessoas brilhantes. Eles entendem que finanças verdes são uma oportunidade. Realmente, isso parece muito estranho no governo de Bolsonaro, mas é isso o que está acontecendo nos níveis mais altos dessas instituições. Nunca vi um governo tão ativo no Brasil.

A senhora está falando especificamente sobre finanças verdes ou como um todo?

Justine Leigh-Bell: como um todo, mas é claro que as coisas levam um tempo e é um risco fazer um julgamento tão cedo sobre um governo novo. É claro que precisamos ver mais ações, mas temos conseguido trabalhar mais. Temos feito muitas coisas, não podemos apenas esperar, principalmente na área agrícola. Os CRAs (Certificados de Recebíveis do Agronegócio) são uma grande oportunidade, tem a questão regulatória, vamos construir uma agenda de preços... nos sentimos muito otimistas.

Vocês ainda veem o Brasil como um país potencial para as finanças verdes?

Justine Leigh-Bell: Sim, enorme. Enorme! Temos que usar green bonds para desenvolver o mercado de capitais, não há projetos financeiros no Brasil, não há responsabilidades sobre obras... Por que uma pessoa investiria seu dinheiro em projetos? Há oportunidades e há alguns competidores engajados nesse mercado, mas temos também uma grande lacuna. O que o Itaú está fazendo? O que o Santander está fazendo?

Como você vê uma ideia que vem sendo cada vez mais disseminada de os bancos centrais começarem a colocar variáveis de impactos de mudanças climáticas nos testes de estresse que aplicam para medir a resiliência do setor bancário?

Justine Leigh-Bell: Acho que é crítico. Os pontos em questão são, no fundo, as melhores práticas no sistema financeiro. Se a exposição a riscos climáticos não estiver mensurada corretamente, pode destruir uma economia. Você tem que pensar: quanta exposição o Brasil tem, os incêndios nas florestas na Austrália devem ficar piores, alagamentos... você se lembra o que aconteceu em São Paulo há não muito tempo, isso vai ficar pior... Os bancos centrais são os reguladores do sistema bancário. Eu conheço o Banco Central no Brasil, que vem transformando o seu papel e se tornando mais importante, muito disso porque o ministro da Economia (Paulo Guedes) está dando mais autonomia ao BC. O próximo passo agora é sobre as formas de fazer as medidas, temos a TCFD (sigla em inglês para Força-Tarefa sobre Divulgações Financeiras Relacionadas ao Clima), como ela pode acessar a exposição às mudanças climáticas que serão feitas pelas instituições. Quão expostos estão os diferentes setores? Então, quando você sabe o tamanho da sua exposição, você sabe como atuar melhor. Os bancos centrais têm se voltado bastante para essa questão, como a Christine Lagarde (presidente do Banco Central Europeu - BCE).

Com o Brexit (como é chamada a saída do Reino Unido da União Europeia), a City vem repetindo seu desejo de se tornar a capital das finanças verdes no mundo, e a próxima Cop, a 26, será na Escócia. Como vê o futuro para o país sobre esse ponto?

Justine Leigh-Bell: É preciso intensificar, pois acho que provavelmente estão atrás... Paris, Bruxelas e possivelmente Luxemburgo podem se tornar um hub nessa área. Acho que a Iniciativa Finanças Verdes e agora o Instituto de Finanças Verdes entendem sua agenda doméstica, o que o Reino Unido precisa fazer, mas o foco é internacional. O Reino Unido tem que olhar mais o que acontece internacionalmente. Se eles não descobrirem, vão ficar atrás. Estão competindo com a França e a Alemanha agora e há muito dinheiro alemão em finanças verdes.

Fonte: Agência Estado.