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26/Nov/2019

Agricultura Familiar: perfil atual do setor no Brasil

A agricultura familiar possui imensa importância econômica e social no Brasil. Dado inquestionável, estatisticamente comprovado e sem viés ideológico nenhum. Em primeiro lugar, a agricultura familiar é a maior empregadora e retentora da mão de obra no meio rural nacional. Ela responde por praticamente 70% da ocupação dos 15 milhões de trabalhadores do campo. Fenômeno por si só da maior importância estratégica, não apenas pelo que significa para a distribuição interna da renda, mas também pelos efeitos que produz na contenção do êxodo do campo, na sobrevivência das pequenas e médias propriedades e na proteção do meio ambiente e das paisagens interiores. Para além desse ponto, ainda, boa parte dos alimentos tradicionais (arroz, feijão, leite, mandioca, frutas e hortaliças, entre outros gêneros), tem nessa categoria de exploração dos estabelecimentos rurais sua fonte majoritária de obtenção. De fato, analisando os dados do Censo Agropecuário de 2006, a agricultura familiar a produção de 33,1% das quantidades totais do arroz em casca, 69,6% do feijão (considerados todos os tipos), 83,2% da mandioca, 45,6% do milho, 14% da soja, 21% do trigo e 38% do café.

Na área da produção de origem animal, seus resultados foram: 57,6% da produção do leite, 67,0% e 16,2% dos ovos. Além disso, a categoria detinha, em 2006, 30% do rebanho bovino, 51% das aves e 59% dos suínos. Essas informações oferecidas apenas em termos de quantidade produzida (quilos, toneladas, litros, dúzias e assim por diante), impedem uma avaliação quantitativa direta, exata e adequada da importância da agricultura familiar no bolo da produção rural, haja vista que não se pode somar quantidades físicas medidas em diferentes unidades métricas. A única saída, então, é a análise feita a partir de uma unidade comum, ou seja, a partir da transformação de todos os produtos em dinheiro. É o chamado valor da produção agropecuária. Por esse critério, a agricultura familiar respondeu, em 2006, por 33,2% do valor gerado no campo, enquanto a agricultura não familiar ficou com a parcela majoritária de 66,8%. Trata-se, evidentemente, de uma forma de atender a critérios econométricos de comprovação da importância dessa forma de exploração dos estabelecimentos agropecuários.

Porém, não existe nenhuma dúvida de que parte da produção da agricultura familiar não tem como destino os mercados agrícolas. Ou seja, ela é retida na propriedade rural para alimentação e sobrevivência das próprias famílias. Não é preciso ir muito além, então, para perceber a magnitude do significado socioeconômico e cultural da produção familiar e o quanto ele extrapola as simples contabilidades numéricas feitas em gabinetes das mais diferentes orientações políticas e obviamente das mais diversificadas tendências e intenções. Em boa parte do mundo civilizado, assiste-se hoje à busca da revalorização das tradições alimentares, como forma potente e eficaz de enfrentar os graves problemas da sindemia global, que agrega, simultaneamente, os efeitos perversos das epidemias da obesidade, da desnutrição e da mudança climática. Trata-se da busca do enfrentamento dos efeitos da desmesurada massificação da produção e consumo de alimentos ultra processados, que têm condenado multidões à uma dieta nutricionalmente empobrecida, higienicamente comprometedora da saúde e da vida e culturalmente arrasadora, haja vista que já não nos reconhecemos no que comemos.

Já pelo Censo Agropecuário de 2017, a agricultura familiar respondeu por 48% do valor da produção de café e banana, 80% do valor de produção da mandioca, 69% do abacaxi e 42% da produção do feijão. Veja-se que estamos falando agora em dados medidos em dinheiro, ou seja, pelo valor da produção agropecuária. Nesse contexto, já surgem na mídia apontamentos para a queda da importância da agricultura familiar na produção de feijão, a qual teria supostamente decaído de 69,6% (em toneladas) para 42,0% (em dinheiro). Isso é incorreto. No Censo Agropecuário de 2017, ocorreram mudanças metodológicas e inovações importantes. Tal fato impede avançarmos mais consistentemente na análise comparada e evolutiva da situação da agricultura familiar no campo brasileiro contemporâneo. A principal mudança diz respeito à própria definição do que é a agricultura familiar (não existe definição universal e constante para ela). Agora, o Censo se pauta pela Lei 11.326, que diz que para ser classificado como agricultura familiar o estabelecimento deve ser de pequeno porte (até 4 módulos fiscais), ter metade da força de trabalho e gestão estritamente familiar e a atividade agrícola no estabelecimento deve compor, no mínimo, metade da renda obtida.

A medida alterou a classificação de quem é e de quem não é agricultor familiar, já que, segundo o próprio IBGE, aumentou muito o número de estabelecimentos em que o produtor está buscando trabalho fora da propriedade rural. Além disso, diminuiu a mão de obra da família no trabalho e o número médio de pessoas ocupadas por estabelecimento agropecuário. Tal fato, ao menos supostamente, indicaria que as estatísticas ora obtidas sobre a composição e importância relativa da agricultura familiar não indicariam um retrocesso verdadeiro, conforme mostram os números alinhados a seguir. Segundo o próprio IBGE, em realidade, a agricultura familiar – agora medida segundo novos indicadores – teria permanecido estável no País. As atividades desenvolvidas na propriedade na composição da renda familiar rural, de fato, têm crescido substancialmente nesses últimos anos, haja vista que, em 2006, elas representavam 8% da receita agropecuária total dos estabelecimentos ocupados pela agricultura familiar.

Parte importante dessa renda era, então, composta por aposentadorias (entre 40% e 60%) e auxílios via programas sociais (9%, no caso dos assentados). Embora com as limitações já discutidas, no período analisado com o intervalo de 11 anos, o número de estabelecimentos ocupados pela agricultura familiar, encolheu, de fato, 9,5%. Dos anteriores 4,305 milhões de estabelecimentos, a categoria decaiu para 3,897 milhões. Se, em 2006, eles representavam 83,2% do total de estabelecimentos agrícolas contabilizados pelo Censo, em 2017, eles somavam uma participação de 76,8% das 5.073.324 unidades agropecuárias cadastradas. Ao mesmo tempo, a área total ocupada pela produção familiar passou de 81,269 milhões de hectares, em 2006, para 80,891 milhões de hectares, no último ano investigado do período, agregando o equivalente a apenas 23% da área total explorada pela agropecuária brasileira, que é de 351,3 milhões de hectares.

Pernambuco, Ceará e Acre têm as maiores proporções de área ocupada pela agricultura familiar. Já os estados do Centro-Oeste e São Paulo têm as menores. Porém, o fato mais agravado foi revelado pela constatação de que o número de pessoas da agricultura familiar ocupadas no campo caiu 17,6% no intervalo apontado. Em 2016, o total de pessoas nessa situação somava 12,282 milhões. Já, em 2017, esse número havia sido reduzido para apenas 10,116 milhões. A agricultura familiar foi a única categoria de exploração agropecuária a sofrer perda líquida de mão de obra ocupada. Fonte: Antonio Hélio Junqueira - Doutor em Ciências da Comunicação (ECA/USP), com pós-doutorado e mestrado em Comunicação e Práticas de Consumo (ESPM/SP). Engenheiro Agrônomo (ESALQ/USP).