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02/Jul/2019

Mercosul-UE: conteúdo das negociações comerciais

A lista de produtos típicos europeus protegidos no Brasil, Paraguai, Argentina e Uruguai saltará para 355 após a conclusão do acordo entre o Mercosul e a União Europeia. Em contrapartida, representantes do Mercosul negociaram para que 220 bens do bloco não possam ser replicados com o mesmo nome na Europa. Um resumo do acordo foi divulgado nesta segunda-feira (1º/07). Segundo o documento, a lista inclui itens de comida e bebida a serem protegidos, sem especificar exatamente quais. Fica proibido o uso de expressões como "imitação", "tipo" ou "no estilo" em referência aos produtos europeus. Além dos produtos protegidos, que não poderão usar o mesmo nome, não é permitido usar símbolos como bandeiras que dariam uma falsa indicação geográfica de origem. Além da redução de tarifas comerciais, o acordo firmado entre os dois blocos traz um capítulo sobre propriedade intelectual que ampliará o rol de bens que deverão contar com uma proteção especial pelos governos signatários do texto. Em alguns casos, serão concedidos períodos transitórios aos produtores locais para que deixem de usar o nome dentro de um determinado período.

No documento não consta o número de produtos brasileiros que foram negociados. Logo após a assinatura do texto, no entanto, a União Europeia citou o exemplo da cachaça como um dos nomes tradicionais do Mercosul a serem protegidos. O governo brasileiro pediu que 61 bens não possam ser replicados com o mesmo nome na Europa, mas ainda não há confirmação se todos eles foram aceitos. O Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) atualmente só reconhece nove denominações de origem estrangeira, sendo sete delas europeias. Por isso, nenhuma empresa brasileira pode produzir e vender com esses nomes os Vinhos Verdes e Vinhos do Porto (Portugal); Congnac, Champagne e queijo Roquefort (França); presuntos San Daniele e Vinhos de Franciacorta. Entre os itens destacados pela própria União Europeia após a assinatura do acordo estão o presunto tirolês (Áustria), o queijo Herve (Bélgica), a cerveja de Munique (Alemanha), o queijo Comté (França), o presunto de Parma (Itália), a vodca polonesa (Polônia), o queijo São Jorge (Portugal), o vinho tokaji (Hungria) e o presunto jabugo (Espanha).

O acordo comercial prevê que os dois blocos adotem procedimentos modernos e, sempre que possível, automatizados para a liberação eficiente e acelerada de bens nos seus postos de controle aduaneiros. Regras de boa governança para procedimentos aduaneiros e níveis altos de transparência também fazem parte do acerto, de forma que empresas serão apropriadamente consultadas antes da adoção de novas regras para o comércio nas fronteiras. Exemplos citados no texto para a agilização da entrada de bens importados são gerenciamento de risco e o envio de documentação de forma antecipada à chegada dos produtos nos postos de controle. As partes terão a possibilidade de desenvolver iniciativas conjuntas, incluindo assistência técnica e medidas para oferecer serviços eficientes à comunidade empresarial. Outro ponto do capítulo de "Aduanas e Facilitação de Comércio" é a previsão de cooperação para estabelecer o reconhecimento mútuo de programas de Operador Econômico Autorizado, se eles forem compatíveis e baseados em critérios e benefícios equivalentes.

O Mercosul se comprometeu em isentar taxas em setores como carros, partes de carros, maquinário, químicos e fármacos. Essas reduções, no entanto, serão feitas gradualmente. A importação de carros de passageiros com base na Europa para o Mercosul, por exemplo, terá desgravação tarifária (prazo para a tarifa ir a zero) de 15 anos, com um período de carência de 7 anos em que os carros importados da União Europeia terão taxa reduzida (metade da aplicada para Nações Mais Favorecidas - MFN). Nesse período, as exportações europeias nesse segmento ficarão sujeitas a uma cota transitória de 50 mil unidades. No fim da carência, as tarifas vão começar a cair de forma acelerada até completar os 15 anos. As linhas tarifárias para importação de partes de carro também só serão liberalizadas em 10 anos. Segundo o documento, 82% das linhas cobrem 60% das exportações da União Europeia para o Mercosul. O acordo prevê que 30% em exportações adicionais serão liberadas nesse setor em 15 anos. Para maquinário exportado pelo Europa, 93% das exportações terão taxa zero num período de 10 anos.

O acordo mostra que o Mercosul vai reduzir a zero 91% das importações da Europa em um período de 10 anos. A União Europeia fará o mesmo para 92% das importações do Mercosul no mesmo período, mas uma desgravação de 15 anos está prevista para alguns dos produtos mais sensíveis vindos do Mercosul. Em termos de linhas tarifárias, o Mercosul vai liberalizar 91% delas e a União Europeia, 95%, gradualmente. Caso seja ratificado, o acordo entre o Mercosul e a União Europeia vai facilitar o acesso de empresas europeias a licitações e contratos dos governos do Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. Do outro lado, a União Europeia afirma que também ofereceu aos fornecedores do Mercosul acesso recíproco ao mercado de contratos públicos dos 28 países que compõem o bloco na esfera federal. Haverá regras de transição para que os envolvidos se adaptem às regras no capítulo. O acordo ainda terá que ser ratificado separadamente pelos parlamentos da União Europeia e dos quatro países do Mercosul antes da parte econômica entrar em vigor.

Depois, ainda será analisado no âmbito político por todos países que compõem a União Europeia. As empresas dos países da União Europeia competirão em igualmente com companhias do Mercosul nos contratos abrangidos pelo acordo. As aquisições incluídas no acordo envolvem bens, serviços e obras adquiridas por entidades públicas em nível federal. Segundo a União Europeia, o Brasil e a Argentina se comprometerem a assinar contratos de concessão pelas mesmas entidades, citando como exemplo contratos para a construção de uma rodovia onde o construtor é remunerado por meio de pedágio. As entidades envolvidas no acordo são ministérios e outras agências governamentais e federais. No Brasil, isso cobre por exemplo ministérios, Judiciário e Legislativo. Na Argentina, inclui ministérios, agências e universidades federais. Os países do Mercosul e a União Europeia também se comprometem a trabalhar com os governos estaduais e municipais para permitir que empresas europeias também apresentem propostas para contratos também nessas esferas.

O objetivo é concluir esse processo em até dois anos após o acordo entrar em vigor. A União Europeia espera que o acordo de livre comércio com o Mercosul represente um avanço na criação de regras internacionais de investimento. Na visão do bloco, o conjunto de normas estabelecido poderia suprir uma ausência de regras multilaterais de concorrência da Organização Mundial do Comércio (OMC). Em relação a antitruste e fusões, as práticas consideradas anticompetitivas incluem determinados acordos entre empresas, práticas combinadas entre companhias e abuso de posição dominante. Os dois blocos se comprometeram a manter leis que sigam os princípios estabelecidos, incluindo autoridades de competição, que devem tratar as empresas de ambos os lados igualmente. Em caso de práticas anticompetitivas que podem prejudicar os interesses da outra parte, autoridades podem solicitar consultas bilaterais para avaliar a situação. Os dois blocos também concordaram em reforçar o intercâmbio de informações confidenciais entre autoridades competentes.

O Mercosul se comprometeu a aceitar os resultados de testes de avaliação de conformidade de órgãos da União Europeia, facilitando notavelmente as exportações nos setores elétrico e de eletrônicos. Isso porque a União Europeia usa declarações de conformidade dos próprios fornecedores nas áreas de segurança elétrica, compatibilidade eletromagnética, eficiência energética e restrição de substâncias tóxicas. Para avaliações de conformidade desempenhadas por autoridades públicas, o acordo prevê a cobrança de taxas em proporção ao serviço prestado e torná-las publicamente disponíveis. Na área de regulações técnicas, as partes consentiram em ir além de regras da OMC no uso de padrões internacionais como base para regulações técnicas domésticas. Elas consentiram em torno de revisões periódicas com vistas ao crescente alinhamento a esses padrões internacionais.

Outro ponto acertado entre o Mercosul e a União Europeia são compromissos ambiciosos por boas práticas regulatórias, como conduzir análises de impacto, levando em conta as necessidades de pequenas e médias empresas. Na definição fechada de organizações internacionais que estabelecem padrões, foram mencionadas a Organização Internacional para Padrões (ISO), a Organização Internacional Eletrotécnica (IEC), a União Internacional de Telecomunicações (ITU) e a Codex Alimentarius. Também nas áreas de aplicação de disciplinas de barreiras técnicas do comércio a marcas e rótulos houve acertos entre os blocos para facilitar o acesso de mercado a operadores econômicos enquanto se respeita requerimentos de saúde e segurança. As partes consentiram em só requerer informações relevantes sobre rotulagem, permitindo rotulagem suplementar no país de importação, aceitando rótulos não permanentes e quando a aprovação prévia de rótulos for exigida para assegurar que os pedidos sejam decididos sem atraso indevido e em base não discriminatória.

O acordo prevê compromissos para exportação e importação de serviços entre os blocos. Os países chegaram a um entendimento para serviços postais, de telecomunicações, financeiros, e-commerce e marítimos. A União Europeia dá especial atenção a esse último caso e comemora a abertura desse setor, que estava fechado até agora para o Mercosul. O acordo cobre serviços marítimos internacionais (transporte e serviços relacionados) pela primeira vez no Mercosul. As definições relevantes e princípios estão todos inclusos no cronograma de compromissos entre as partes, fornecendo acesso significativo para os provedores da União Europeia em um mercado fechado até agora. O acordo traz definições e exceções para novos serviços financeiros, reconhecimento, organizações autorreguladoras, pagamento e sistema de compensações, e transparência. No segmento de telecomunicações, o documento aponta que o acordo quer nivelar condições de competição para provedores desse tipo de serviço, citando disposições de regulamentação do setor como licenciamento e gestão de recursos escassos. No e-commerce, as regras visam remover barreiras injustificadas ao comércio eletrônico e a oferecer segurança jurídica para empresas.

O acordo deve trazer regras vinculativas que proíbem a imposição de direitos aduaneiros sobre transmissões eletrônicas. O texto deixa claro que, ao mesmo tempo em que regras para o intercâmbio de serviços entre os blocos ficam definidas, os países membros da União Europeia e do Mercosul continuam tendo o direito de regulação e não há nenhum limitador para que os serviços públicos sejam oferecidos pelo governo. Cada lado vai continuar a decidir por si, por exemplo, como vai querer entregar serviços de saúde, educação e água para seus cidadãos. O acordo determina que os blocos deem suporte ao crescimento e desenvolvimento de pequenas e médias empresas (PMEs) e a sua capacidade de se beneficiar das oportunidades criadas pelo tratado. A falta de informação sobre acesso a mercados é uma das principais barreiras comerciais para PMEs. Cada parte tem de providenciar um site específico com informações relevantes para PMEs buscando acessar o mercado. As partes também têm de providenciar uma base de dados com pesquisa eletrônica por código tarifário que contenha informações de acesso a mercados específicas por produto, como cobranças aduaneiras e outras taxas, regras de origem.

O acordo também vai assegurar processos de trabalho intergovernamentais para que PMEs se beneficiem integralmente do acerto. O acordo estabelece um código de conduta para resolver eventuais disputas entre as partes, caso haja divergências sobre a interpretação e aplicação de algum item da parte comercial do tratado. Qualquer uma das partes pode recorrer ao mecanismo de resolução de litígios se considerar que uma ou mais das obrigações previstas não foram cumpridas. A primeira etapa no processo de solução de controvérsias é tentar uma solução amigável, que seguirá um procedimento de mediação. Caso não seja possível, é criado um painel de arbitragem com três especialistas em direito e comércio internacional. Os "árbitros" são escolhidos através de listas pré-acordadas. Como forma de transparência, as audiências devem ser abertas ao público e as pessoas interessadas têm o direito de fazer suas próprias apresentações no painel como 'amicus curiae'. O relatório dos três especialistas no painel é considerado terminativo, sem possibilidade de recurso, e tem efeito vinculativo. Fonte: Agência Estado. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.