08/Dec/2025
As milhares de pessoas que estiveram em Belém (PA) e lotaram os pavilhões dos países e das instituições setoriais do Brasil e do mundo na Blue Zone, o espaço oficial de negociações climáticas na COP30, não deixam dúvidas. O atual gigantismo das COPs, onde 50 mil pessoas se reúnem durante poucas semanas, todo final de ano, vai muito além das negociações diplomáticas a portas fechadas. "Às vezes era até complicado definir a agenda", admite Ricardo Mussa, conhecido executivo do setor energético que resolveu usar o seu ano sabático para colocar em pé a iniciativa nomeada de SB (Sustainable Business) COP, que, hoje, representa 70 países. São milhões de empresas que têm voz, a partir de suas confederações nacionais industriais. Trafegando entre o presidente Lula, o embaixador André Corrêa do Lago e o secretário-geral da ONU, António Guterres, Mussa é direto: "Ao ser menos ideológica e mais pragmática, a COP fica mais perto de entregar soluções". Segue a entrevista.
Essa foi a COP em que o setor privado realmente abraçou a causa climática?
Ricardo Mussa: Houve um reconhecimento claro de que estamos vivendo uma mudança de fase. Por muito tempo, a COP girou em torno de metas e acordos. Mas, quando a conferência passa a tratar menos de compromissos e mais de implementação - considerando que mais de 80% das emissões vêm do setor privado -, não há alternativa além de trazer as empresas para dentro do processo. Desde Glasgow (2021) já havia sinais de abertura, mas o auge desse movimento está acontecendo agora, no Brasil. Se cada COP deixa um legado, este talvez seja o principal: a integração decisiva do setor privado às discussões globais. Do lado das empresas, houve também uma mudança: um pragmatismo maior, em boa parte resultado da crise do ESG. A fase de greenwashing acabou funcionando como uma limpeza. Removeu o ruído, expôs o que era 'bullshitting' e concentrou dinheiro e esforços no que faz sentido. Isso deixou a COP mais prática: menos 2050 e mais próximos cinco anos; menos ideologia e mais implementação; mais adaptação e mais foco no curto prazo.
Após um ano dentro das negociações, você sai mais pessimista ou otimista?
Ricardo Mussa: Fizemos a COP em um momento global difícil, de muito vento contra. Cheguei mais pessimista e voltei mais animado. É um otimismo realista: estamos longe de resolver o problema, mas não estamos andando para trás nem esquecendo o que foi construído. O ponto central é a velocidade. Isso deve marcar o próximo ciclo: avanços menos idealizados e mais concretos. E é isso que me deixa otimista.
E o setor privado como um todo, vai na direção certa?
Ricardo Mussa: Do lado do setor privado, o saldo é positivo. Ele saiu desta COP melhor do que entrou. É verdade que não tivemos tantos CEOs quanto gostaríamos, mas quem foi percebeu que houve mais aspectos positivos do que negativos. Claro que existe frustração com o processo da ONU, que é baseado no consenso e, portanto, mais lento. No setor privado somos mais pragmáticos: identificamos os pontos críticos e seguimos.
Como será a passagem de bastão para a Turquia?
Ricardo Mussa: Costumamos pensar na COP como um evento de duas semanas, mas ela acontece ao longo do ano inteiro. Na reunião de conselho da SB COP, onde estão representados 70 países, discutimos isso: precisamos escolher um ou dois temas prioritários e trabalhar neles de forma contínua, influenciando o debate durante todo o ano. Agora tenho a missão de definir esses dois temas para apresentar na próxima reunião, em dezembro. Será o momento de indicar o que consideramos prioridade para começar a discutir imediatamente, em direção à COP da Turquia. O objetivo é influenciar muito mais do que influenciamos nesta edição. Este ano foi o ano de montar a SB COP. Agora ela está de pé e funcionando. Com essa estrutura pronta, precisamos usar sua musculatura para gerar impacto real.
Os temas criados por vocês para Belém serão os mesmos na Turquia?
Ricardo Mussa: Não existe uma divisão rígida dentro da SB COP. Estruturamos o trabalho para conectar diretamente nossas ações ao que acontece na COP. Criamos oito forças-tarefa: transição energética, sistemas alimentares, cidades sustentáveis, bioeconomia, economia circular e soluções baseadas na natureza - as outras duas são transversais: financiamento climático e green jobs and skills. Essa transversalidade é um dos pilares da SB COP. Ela garante que temas críticos, como financiamento e formação da força de trabalho, circulem por todas as pautas. Também recebemos pedidos por temas paralelos - como água - e estamos avaliando se manteremos exatamente esses oito grupos para a COP da Turquia.
Quem financia a iniciativa SB COP? A própria ONU?
Ricardo Mussa: A SB COP nasceu com um diferencial importante: somos reconhecidos pela COP e pela UNFCCC (Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima) como agentes participantes, com o selo das Nações Unidas. Isso nos garante acesso à Blue Zone, credenciais oficiais e participação direta nas discussões. Temos o carimbo da ONU, mas não estamos dentro da ONU. No centro estão grandes consultorias internacionais - McKinsey, BCG, Aben, Accenture, Ernst & Young, PwC e Systemic - que atuam como knowledge partners, aportando conhecimento, dados e metodologia. Somam-se a elas mais de 138 CEOs que participaram diretamente da construção da agenda.
Você continua à frente da instituição SB COP?
Ricardo Mussa: Agora entro em um período de transição. Meu sabático termina em dezembro e devo voltar ao mercado, mas continuarei como chair da SB COP até o fim do mandato. Diante do tamanho que a SB COP alcançou, queremos agora um time próprio, exclusivo, que não rotacione a cada mudança de país. A estrutura cresceu o suficiente para isso. Vejo avanços concretos, apesar dos problemas. Nosso papel é organizar, trazer casos que deram certo, mostrar políticas que funcionaram. Precisamos melhorar a governança, e a entrada mais forte do setor privado ajuda, trazendo práticas de gestão. Cada um tem um papel, setor privado, setor público, jornalismo, ONGs. Não regredimos. Estamos avançando na direção certa, ainda que não na velocidade necessária. Cabe a nós acelerarmos.
Fonte: Broadcast Agro.