11/Nov/2025
O presidente da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP30), André Corrêa do Lago, afirmou que pretende abordar todos os temas difíceis durante as negociações que começaram nesta segunda-feira (10/11). A longa lista inclui itens como transição rumo ao fim do uso de combustíveis fósseis e a lacuna das metas de redução de emissões. Em entrevista, Corrêa do Lago afirmou que pretende entregar um "pacote incrível" que passe inclusive por decisões relacionadas à emissão de metano e até mesmo algum ponto sobre combustíveis fósseis. "Se é a COP da verdade, vamos falar sobretudo dos elefantes na sala, vamos falar dos bodes na sala, vamos falar de todos os zoológicos na sala", disse.
Uma das vitrines do Brasil na seara do financiamento climático, o chamado Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF) passou de US$ 5,5 bilhões de aportes. O embaixador classificou como "extremamente positiva" a hipótese de aplicações de países como China, Emirados Árabes, Singapura e Arábia Saudita e, de modo especial, aqueles países com fundos soberanos. Este mecanismo destinará parte dos rendimentos aos países que protegem suas florestas tropicais. Além do Brasil, que lidera o fundraising, até o momento já aportaram ou anunciaram futuros aportes: Indonésia, Noruega, Portugal, França, Países Baixos e Alemanha. Os valores variam de compromissos de US$ 1 milhão de Portugal a US$ 3 bilhões da Noruega. Segue a entrevista:
O presidente Lula falou da transição rumo ao fim do uso dos combustíveis fósseis. A COP30 vai tentar pautar esse tema?
André Corrêa do Lago: Há muita expectativa, não só da sociedade civil, mas de muitos países, sobretudo os países mais vulneráveis, que ficaram frustrados de que não se tratou de fósseis em Baku (na COP-29) da maneira como eles esperavam. Então, há, sim, uma expectativa. Agora, a questão é nós encontrarmos uma fórmula, uma fórmula que permita tratar de um tema que divide tanto a negociação de clima e, sobretudo, um ambiente de preocupação de vários países produtores de fósseis.
Vocês entendem, então, que o tema demanda uma resposta?
André Corrêa do Lago: O tema não entrou na agenda. Tem um lado meio surreal dos assuntos terem que ser legitimados pela agenda. Então, como é que isso pode ser legitimado pela agenda já é um desafio em si.
O senhor acha que poderia ter espaço em uma eventual decisão de capa (uma declaração política sobre temas que em geral não são objeto de consenso)?
André Corrêa do Lago: Eu tenho dito de maneira muito direta que a minha tendência é não favorecer uma decisão de capa. Uma decisão de capa parece uma coisa de última hora, meio surpresa, e a diplomacia brasileira gosta de transparência e de respeitar os processos. Vamos procurar negociar da maneira mais transparente, formalmente bem apresentada. Agora, se houver um movimento dos países por uma decisão de capa e que isso venha a ser solicitado à presidência como algo importante para agora, óbvio que nós levaremos em consideração.
Sobre o mapa do caminho para chegar ao número de US$1,3 trilhão para financiamento. Como vocês vão tentar trazer isso para dentro da discussão da COP?
André Corrêa do Lago: Eu não tenho intenção de fazer isso de um ponto de vista formal, porque o mandato para fazer o nosso mapa do caminho de Baku (COP29) a Belém para US$ 1,3 trilhão só menciona que nós vamos apresentar esse documento. Não diz que o documento tem que ser aprovado, tem que ser apreciado, tem que ser analisado. Acho que é uma batalha desnecessária, porque nós já temos muita coisa para discutir.
Há uma questão que vem sendo uma pedra no sapato, que é a baixa apresentação das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs)...
André Corrêa do Lago: É naturalmente uma coisa que cria um problema inesperado para a COP. Imaginávamos que todos iriam apresentar as NDCs em fevereiro, que teríamos dados muito precisos de análise das NDCs. Nós estamos aqui analisando a NDC no dia. Analisar em 24 horas, obviamente, não é a forma correta de fazer as coisas. Então, realmente, é um elemento complicador.
O senhor acha que está se tornando imperativo uma resposta nesta COP sobre o hiato das NDCs?
André Corrêa do Lago: A questão do gap é muito delicada de se discutir na COP. Ela é muito delicada porque muitos países acham que os outros vão apontar o dedo para eles e ninguém gosta de ser indicado como um país problema. Então, eu acho que a gente pode tentar encontrar uma maneira de tratar do assunto como uma coisa geral.
Poderia ser uma declaração?
André Corrêa do Lago: Temos que ver. A negociação tem sempre essas saídas de ter um mapa do caminho, ter uma declaração, ter um grupo de trabalho. Então, não sabemos ainda muito bem em que direção a gente vai. Alguma coisa a gente tem que tentar.
Na Cúpula de Líderes a maior vitória do Brasil foi o TFFF (Fundo Florestas Tropicais para Sempre). Mas alguns países relevantes, como o Reino Unido, não aportaram. Essas ausências podem prejudicar o mecanismo?
André Corrêa do Lago: É claro que eu teria preferido que a Alemanha anunciasse um valor enorme e o Reino Unido também. Mas acho que o TFFF foi aceito como uma ideia extremamente inovadora e muito poderosa. E o apoio da Noruega, uma vez mais, aliás, a Noruega tem sido incrível nessa questão de apoio às florestas. Entendo que, dentro das burocracias dos governos dos países mais ricos, ainda haja uma certa perplexidade com a proposta, porque ela é muito inovadora. E eu acho que as respostas que foram dadas mostram que estão analisando de forma muito aprofundada a possibilidade de contribuir.
O senhor acha que isso pode ser uma sinalização de que a China pode vir a aportar fundos também no TFFF?
André Corrêa do Lago: Uma das grandes inovações do TFFF é ter uma fórmula que, por ser fora da Convenção do Clima, não é um desafio a questão de que os recursos financeiros devem vir prioritariamente dos países desenvolvidos. Eu acho que o fato de o Brasil ter feito o primeiro anúncio mostrou muito isso. A Indonésia entendeu e fez a mesma coisa. Então, eu acho que seria extremamente positivo se China, Emirados Árabes, Singapura, Arábia Saudita, todos os países que têm, sobretudo aqueles que têm fundos soberanos, pudessem aportar para o TFFF.
Qual é o principal resultado que o senhor espera em termos práticos da COP?
André Corrêa do Lago: Vários resultados, na área de mitigação, adaptação. Um pacote de clima e natureza. E eu acho que temos também que ter algo da dimensão econômica. O presidente da COP de Paris, Laurent Fabius, usou uma expressão ótima, uma brincadeira com a frase do Donald Trump, presidente dos EUA, sobre petróleo. Ele brincou 'implement, baby, implement'. Então, eu acho que essa ideia da implementação pegou muito forte.
No caso da mitigação, o que poderia vir?
André Corrêa do Lago: Olha, eu acho que o metano é uma coisa muito importante. O metano teria um efeito extraordinário. E eu acho que podemos avançar muito no metano, em várias outras formas de reduzir emissões dentro das discussões da COP. E, naturalmente, se falarmos de fósseis, nada simboliza mais mitigação do que fósseis.
E aí poderia ter um espaço para discutir esse cronograma?
André Corrêa do Lago: Vamos ver.
Não é muito ousado esse pacote de resultados que o senhor está querendo?
André Corrêa do Lago: Até pode ser, mas eu acho que temos que tentar. Eu acho que é a forma do presidente que saiu completamente, diretamente da cabeça do presidente: essa coisa da COP da verdade pegou de forma muito impressionante na cúpula. E, então, se é a COP da verdade, vamos falar sobretudo dos elefantes na sala, vamos falar dos bodes na sala, vamos falar de todos os zoológicos na sala.
Fonte: Broadcast Agro.