ANÁLISES

AGRO


SOJA


MILHO


ARROZ


ALGODÃO


TRIGO


FEIJÃO


CANA


CAFÉ


CARNES


FLV


INSUMOS

11/Nov/2025

COP30: entrevista com Eduardo Viola – FGV/USP

Realizada entre os dias 6 e 7 de novembro, em Belém (PA), a Cúpula de Líderes teve acenos políticos do Brasil e dos outros países sobre temas centrais das negociações que se iniciaram nesta segunda-feira (10/11), na COP30. Lula falou sobre a necessidade de um mapa para guiar os países na substituição dos combustíveis fósseis e cobrou países ricos de arcarem com sua responsabilidade sobre a crise climática. Entre surpresas com o investimento da Noruega e frustrações (sem dinheiro de atores de peso como Alemanha e Reino Unido), o Brasil lançou o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF), mecanismo para remunerar países em desenvolvimento pela manutenção de florestas tropicais, que alcançou à marca de R$ 5,5 bilhões. Para Eduardo Viola, professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (USP) e do Instituto de Estudos Avançados da USP, o saldo da reunião de chefes de Estado foi positivo para o País, mas não muda o difícil contexto geopolítico que é o pano de fundo para a cúpula do clima. “Sempre há uma lacuna entre o discurso e o comportamento dos Estados, e neste momento, ela é gigantesca”. Segue a entrevista:

Qual foi o saldo da Cúpula dos Líderes? Foi positivo para o Brasil?

Eduardo Viola: O contexto geopolítico atual é muito desfavorável. Com todas as limitações de atores decisivos não terem vindo, como Xi Jinping e Modi, acho que foi positivo. Não diria muito positivo - o governo vai falar inflando, que é o típico. Mas, dá para dizer que é positivo, levando em conta o contexto desfavorável. Foi positivo o que o governo brasileiro propôs, uma coalizão de países que estabelecem um mercado global de carbono com um preço unificado. Foi uma iniciativa muito boa do Brasil, que já vem sendo trabalhada faz um tempo, não é novidade. A teoria disso existe desde a década de 1990, mas parece que agora é a primeira vez que se cristaliza. É um anúncio de que agora (esse mercado plurilateral) vai se construir, pode demorar três a quatro anos. Não é que o mercado já se criou, é uma negociação, não sei até onde vai. Mas essa iniciativa do Brasil foi aprovada por dois players decisivos, União Europeia e China. Significa que se cria toda uma coalizão de países com objetivos de descarbonização, que têm uma relação diferenciada com o resto do mundo, no sentido inclusive de estabelecer barreiras, como as que a União Europeia está colocando para o resto do mundo. O Fundo de Florestas Tropicais para Sempre também é algo interessante. De escala limitada, obviamente, em termos financeiros, mas são medidas positivas que foram iniciativas do Brasil, então posso dizer que sim, que foi um resultado positivo, uma vitória do Brasil.

O que significa o tamanho da adesão ao TFFF? É muito ou pouco?

Eduardo Viola: Comparada com o objetivo original do governo, a adesão foi bastante limitada, por enquanto. A expectativa é ter R$ 25 bilhões (de países parceiros). Para que esse fundo ganhe credibilidade, tem que ter grande parte dos fundos públicos, para que a parte privada comece a operar. A adesão da Noruega é importante, sei que até agora há uma promessa da França de 500 milhões (de euros), e se supõe que a contribuição da Alemanha pode ser significativa, mas não tem prazo. Não se espera a contribuição de outros países europeus, o Reino Unido já falou que não. O fundo pode ir crescendo, mas ainda é limitado. Para ter credibilidade, precisa de muito mais adesão, com dinheiro, não dizer que apoia. Outra coisa importante é que a China disse que vai entrar, mas não falou com quanto. Novos anúncios provavelmente serão feitos durante o próximo ano, mas a quantidade colocada até agora é insuficiente para começar a ter credibilidade para captar investimento privado.

Lula propôs construir um mapa do caminho para substituir os combustíveis fósseis. Qual o peso da declaração do presidente?

Eduardo Viola: Na minha opinião, é irrelevante. O ponto chave não é declarar, é quais países implementam. A posição brasileira é “implementação, implementação, implementação”, mas este é o ano mais difícil para que se comecem a implementar coisas, mesmo as já negociadas antes. Desde a invasão russa na Ucrânia, há todo um problema de perda de relevância no sistema internacional da questão climática, porque o conflito geopolítico, a necessidade de segurança energética e segurança nacional, aumento dos gastos militares, tudo isso é o que predomina hoje. A política climática internacional está determinada profundamente pela geopolítica. Há um aumento muito profundo do nacionalismo em todo o mundo, mesmo que os discursos sejam politicamente corretos.

Ainda assim, a declaração de Lula pode abrir caminho para a presidência da COP propor esse mapa de saída dos combustíveis fósseis?

Eduardo Viola: Pode colocar. Mas mesmo que Arábia Saudita, Índia e demais deixem de colocar obstáculos e se volte à declaração de Dubai (sobre o afastamento dos combustíveis fósseis), é uma declaração, nada mais. O importante é entender a realidade do comportamento e os discursos dos Estados. Sempre há um “gap”, e neste momento, o gap é gigantesco. Para ver o que está acontecendo, se estão levando a sério, o que importa não é a declaração (dos países), mas a trajetória de emissões. Em 2018, 2021, empresas petroleiras do Ocidente pausaram investimentos, e retomaram em 2022. Essa é a realidade. Nesse sentido, a Petrobras está fazendo o que todos fazem. Nem vou falar dos russos e dos chineses. O problema central da COP e do regime climático é que haja implementação de políticas de redução do uso de combustíveis fósseis, não declarações. Mas isso não vai acontecer no próximo período, pelo peso do conflito, das rivalidades geopolíticas.

Qual é o impacto na largada da COP?

Eduardo Viola: Um bom resultado para essa COP é que as negociações não colapsem. Esse é um risco que existe, porque há muito ressentimento dos países em desenvolvimento. Não do Brasil, mas dos países mais pobres, de renda média-baixa e renda baixa. O ressentimento é muito grande, porque houve promessas (dos países ricos) e não se cumpre. O financiamento é muito limitado em relação às expectativas dos países em desenvolvimento, que são gigantescas, totalmente utópicas. É uma crise de confiança muito, muito profunda e isso vai aparecer. Mesmo que seja em uma mesa de negociação, nada mais. Essa demanda crítica dos países em desenvolvimento é uma fratura clara.

Fonte: Broadcast Agro.