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23/Sep/2025

Entrevista: Sueme Mori-relações internacionais CNA

A imposição de um tarifaço ao Brasil pelos Estados Unidos escancarou uma vulnerabilidade estratégica do agronegócio nacional: a quase total ausência de acordos comerciais que garantam acesso preferencial a mercados importantes, diz a diretora de relações internacionais da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Sueme Mori. Em entrevista, ela diz que, enquanto concorrentes como Chile e China operam em redes extensas de preferências tarifárias, apenas 5,5% das exportações do agro brasileiro usufruem desse benefício. "A nova realidade geopolítica exige que o Brasil corra atrás com urgência de novos acordos, como o recente fechado com a Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA), e amplie os existentes, como o com o México", afirma. Para a especialista, a saída é fechar pactos de menor abrangência e com resultados mais rápidos.

Mori também analisa os impactos imediatos do "tarifaço" norte-americano, que atingiu de forma desigual o agronegócio. Enquanto cadeias com empresas globalizadas, como a da carne bovina, conseguem amortecer os prejuízos com operações internacionais, setores como café, frutas e pescado enfrentam desafios mais severos. Ela também detalha como cada segmento está reagindo ao "tarifaço", traça estratégias de defesa, a busca por aliados nos próprios Estados Unidos é um exemplo, e analisa obstáculos que ainda persistem na negociação com a União Europeia. A dirigente da CNA alerta que as recentes propostas da União Europeia para regulamentar salvaguardas agrícolas no acordo com o Mercosul criam gatilhos automáticos perigosos, enquanto a aplicação da lei antidesmatamento (EUDR) ameaça inviabilizar parte dos ganhos previstos. Segue a entrevista:

Passado cerca de um mês do anúncio das tarifas pelos EUA, que balanço a senhora faz dos primeiros impactos para o agro?

Sueme Mori: A análise ainda é muito recente e precisa ser feita por cadeia. No caso da carne, os grandes frigoríficos exportadores são empresas internacionalizadas, com operações em outros países, como Austrália e Uruguai. Elas estão usando essas operações para diminuir o prejuízo. Portanto, a cadeia da carne não está sentindo o impacto de forma tão severa. Nas frutas e, mais especificamente, na manga, foi feito um arranjo entre importador e exportador para diminuir margens e ajustar a forma de embarque, buscando um preço final menor para que a tarifa de 50% incida sobre uma base reduzida. O setor está testando a reação do consumidor a um preço maior, mas não 50% maior, para definir os próximos embarques. O café foi impactado e as exportações diminuíram. A diferença é que a National Coffee Association dos EUA, que representa a cadeia americana, se posicionou em defesa do café brasileiro durante a investigação da Seção 301. Como as empresas não são internacionalizadas, a tarifa de 50% é quase proibitiva, mas o apoio dos importadores americanos é um fator crucial. Cadeias menores, como o pescado, estão sofrendo mais. Muitas cooperativas foram criadas especificamente para o mercado americano, não têm para onde escoar a produção e estrutura financeira para se adaptar rapidamente a novos mercados, pois as linhas de exportação são criadas com normas específicas para cada destino.

O que pode ser feito para ajudar essas cadeias mais impactadas e enfrentar essa vulnerabilidade?

Sueme Mori: Existem dois caminhos, nenhum deles garantido. O primeiro é buscar o apoio da contraparte americana: O discurso mais eficaz não é focar no prejuízo para o Brasil, mas sim demonstrar como a tarifa prejudica empresas e importadores americanos. Setores como o café estão fazendo isso, buscando trabalhar em conjunto com suas associações nos EUA para mostrar ao USTR (Representante Comercial dos EUA) os prejuízos para a economia americana. O outro caminho envolve a diversificação de mercados e acordos. É crucial acelerar a abertura de novos mercados. Precisamos avançar em grandes acordos, como o Mercosul-UE, e em ampliações de acordos menores e mais ágeis, como o com o México ou o recente com a EFTA. A estratégia não pode depender apenas da OMC, que está enfraquecida. Temos que ser pragmáticos e correr atrás de qualquer oportunidade que garanta acesso preferencial, para reduzir essa desvantagem tarifária histórica.

No agro, já se fala muito sobre a importância da busca por novos mercados, mas como temos avançado em relação aos acordos bilaterais?

Sueme Mori: O Brasil hoje exporta, na maior parte, sem nenhum tipo de preferência tarifária. Enquanto países como China e Chile têm redes extensas de acordos, apenas 5,5% do que nosso agro exporta se beneficia de tarifas reduzidas. Competimos em desvantagem com esses países. A China, nosso maior mercado, responde por 31% das exportações, a UE por 14% e os EUA por 7%. Com nenhum desses temos acordo. Essa dependência de mercados sem preferência é um risco estratégico que este episódio tornou incontornável. Temos de buscar acordos e ampliar outros, como o que temos com o México. O esforço da diversificação sempre existiu, mas agora ele precisa ser acelerado.

Com as tarifas que vêm sendo impostas pelos EUA, os acordos preferenciais tendem a ganhar espaço?

Sueme Mori: A OMC continua tendo um papel muito importante, mas está enfraquecida, porque são acordos que englobam todos os países. A gente que trabalha no comércio internacional vê cada vez menos espaço para os acordos no âmbito da OMC. E se esses acordos dessa natureza estão mais enfraquecidos agora, a gente tem que partir para outro. E se é difícil fazer um acordo completo, onde você tem que colocar mais de 90% da pauta exportadora, vamos fazer acordos menores. As negociações que os Estados Unidos estão fazendo com esses países quase todas estão incluindo acordo de compras. Todos os acordos fechados pelos Estados Unidos têm três pilares. O primeiro é acesso ao mercado. A Indonésia, por exemplo, praticamente tirou todas as barreiras tarifárias e não tarifárias para produtos norte-americanos. O segundo é compromisso de investimentos. O terceiro pilar é acordo de compras. Praticamente todos eles têm. O acordo de compras também mexe com o comércio internacional. A dinâmica do comércio internacional, que antes tinha uma lógica de eficiência e regras da OMC, está mudando. Então a gente precisa mudar e acelerar outras coisas também nesse cenário.

Há uma preocupação de que Estados Unidos e China fechem um acordo de compras?

Sueme Mori: Sim, é uma grande preocupação. Esses acordos perturbam a lógica de comércio baseada em eficiência. Se a China, nosso maior comprador, fechar um acordo de compras com os EUA para grãos, isso afetaria diretamente o Brasil, que é o principal fornecedor de alimentos para os chineses.

Por que poucos produtos do agro foram incluídos na lista de exceções às tarifas?

Sueme Mori: Não acredito que tenha sido intencional contra o agro. Acho que foi intencional a favor de outros setores. Por exemplo, centenas de linhas tarifárias isentas eram relacionadas à Embraer, que tem uma relação profunda de geração de emprego e supply chain nos EUA. O rito para essas exclusões não é claro, diferente da investigação da Seção 301. Recentemente, os EUA publicaram uma lista de produtos para os quais estariam dispostos a negociar reduções tarifárias com países que demonstrem "boa vontade", e nessa lista constam café, manga e cacau. É uma sinalização positiva.

O que o recente acordo com a EFTA representa nesta estratégia de buscar acordos?

Sueme Mori: A sinalização é muito positiva. Mostra que o interesse em negociar com o Mercosul superou a espera pelo desfecho do acordo com a UE. São mercados europeus exigentes e com alto poder aquisitivo. Além do benefício tarifário direto, que é o que precisamos, há uma forte convergência regulatória entre a EFTA e a UE, o que é um sinal encorajador. Cada acordo desse tipo é um passo para reduzir tarifas e acessar mercados.

E sobre o acordo Mercosul-União Europeia? Os recentes passos são positivos?

Sueme Mori: Historicamente, sempre dizemos "nunca estivemos tão próximos", mas há um novo fato que nos deixou preocupados: a UE divulgou uma proposta de regulamento para o capítulo de salvaguardas do acordo. Esse mecanismo permite que a UE imponha tarifas adicionais em caso de surto de importação que cause prejuízo aos produtores europeus. A proposta estabelece gatilhos muito sensíveis (aumento de 10% nas importações ou queda de 10% no preço) e prevê a imposição de direitos provisórios em apenas 21 dias. Como é um regulamento interno, a UE não precisa da anuência do Mercosul. Precisamos avaliar os impactos e ver como nos proteger.

A regulamentação europeia contra o desmatamento (EUDR) também é um obstáculo. É melhor aprovar o acordo mesmo com ela vigente?

Sueme Mori: Continuamos contra a não diferenciação entre desmatamento legal e ilegal, o que prejudica países em expansão agrícola legal como o Brasil. O que colocamos no acordo para mitigar isso foi o mecanismo de reequilíbrio de concessões. A CNA apoia o acordo condicionalmente, desde que ele garanta acesso real ao mercado. A EUDR, assim como a salvaguarda, são regras unilaterais da UE, e quem acaba pagando a conta é o produtor brasileiro. O caminho é usar o mecanismo de reequilíbrio.

Fonte: Broadcast Agro.