04/Sep/2025
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, defende que o Brasil tenha um planejamento claro para a eliminação dos combustíveis fósseis. Com a exploração do óleo na Foz do Amazonas mais perto da aprovação, e o plano climático do Brasil sem previsão de frear os combustíveis fósseis, ela afirma que todos os setores, de energia ao agronegócio, precisarão cumprir com as metas de redução de emissões de gases estufa estabelecidas pelo País. No terceiro mandato do presidente Lula, que tenta posicionar o Brasil como liderança na pauta ambiental, a Pasta comandada por Marina Silva alcançou resultados positivos no controle do desmatamento, principalmente na Amazônia. Mas, enfrenta os desdobramentos do novo licenciamento ambiental aprovado pelo Congresso e divergências internas em temas como a exploração de petróleo na Foz do Amazonas e a pavimentação da BR-319, que liga Manaus (AM) a Porto Velho (RO). Não se trata de dizer apenas que não pode, é o como pode, afirmou, sobre o licenciamento ambiental. A 70 dias da COP30, sediada em Belém (PA) em novembro, a ministra afirmou estar garantida a participação popular e de países menos desenvolvidos, que têm se queixado dos preços altos de hospedagem para a conferência. “Já resolvemos o problema dos países vulneráveis, todos eles terão acesso ao alojamento digno por um preço acessível”, disse. Principais trechos da entrevista, que foi dividida pelos temas abordados:
- Petróleo na Foz do Amazonas
Quando você tem um governo republicano, a coesão (dentro do governo na pauta ambiental) é feita em cima das leis e a lei assegura que o licenciamento é técnico. A licença para a prospecção de petróleo na margem equatorial está seguindo o ritmo dos técnicos. Eles não são pessoas indiferentes às realidades e às complexidades do País. Quando tivemos o problema da ameaça do colapso de abastecimento de água no Nordeste, priorizaram a transposição do São Francisco, mas não passaram por cima das regras. Em relação à prospecção da margem equatorial, que não é ainda a exploração de petróleo, está seguindo o calendário sem que nenhum técnico seja molestado para fazer assim ou assado. As prioridades estratégicas, se vai ou não vai explorar petróleo, não são uma decisão do Ministério nem do Ibama, mas do Conselho Nacional de Política Energética. Desde fevereiro de 2023, venho insistindo que a gente precisa fazer uma discussão sobre segurança energética no Brasil, que é um País que reúne todas as condições para ser um grande produtor de energia limpa. Já é, mas ampliar ainda mais essa sua capacidade para ser o endereço de grandes e bons investimentos, gerar emprego e renda. Nós temos essa vantagem comparativa e podemos transformá-la em vantagem colaborativa.
Quem tem tecnologia e recurso investe aqui para montar uma empresa de carro elétrico, nós temos energia limpa, então vamos ganhar. Tenho defendido também que as empresas que fazem exploração de petróleo têm que deixar de fazer e se tornar produção de energia. Defendo desde sempre que a Petrobras seja cada vez mais uma empresa de geração de energia e não apenas de exploração de petróleo. O correto na minha opinião é que todos façam um planejamento para a transição para longe de combustível fóssil, com indicadores de esforços. Quando as pessoas dizem: “o dinheiro do petróleo vai ser utilizado para fazer a transição energética”, mostrar quanto disso está indo, de fato, para criar essa nova base de provimento de energia limpa, ampliando cada vez mais a fim de haver um processo de descomissionamento em todos os lugares que são produtores e consumidores de petróleo. O ministro de Minas e Energia deve ter as razões (para apoiar a exploração de petróleo), mas o certo é que todos os setores terão que cumprir com as suas metas.
- Licenciamento ambiental
O presidente Lula encaminhou os 63 vetos respeitando algumas questões que vieram do Congresso, não vetou tudo, mas fez vetos estratégicos que asseguram a integridade do licenciamento ambiental. A polêmica que estava estabelecida antes em relação à licença especial, à figura da LAE, é de que seria um licenciamento monofásico e isso não permanece. A licença será dada por processos trifásicos: a licença de instalação, de operação e a licença prévia. O fato de estabelecer um ano para o órgão licenciador se manifestar não quer dizer que tenha que ser para dizer sim. É um processo em que ao fim e ao cabo o empreendimento se mostra viável ou não. Os legisladores propuseram que essa licença especial para projetos estratégicos do governo fosse decidida dentro do Conselho de Estado, que é uma figura que já existe desde a criação do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), que tem décadas de existência, mas nunca tinha sido regulamentada. Acho até que criou um crivo mais amplo, porque isso já existe na prática: hoje os projetos especiais do PAC já são priorizados, só que numa relação bilateral entre a Casa Civil e o Ministério daquele empreendimento. Agora não, serão cerca de 38 ministérios para decidir se aquele empreendimento é ou não prioritário, se é ou não estratégico.
Dentro de um conselho, não existe ministério de primeira classe e de segunda classe. Não se trata de dizer apenas que não pode, é o como pode. O “como pode” exige investimento, exige capacidade de planejamento e compromisso em atender as duas coisas. Os projetos não podem ver a sua viabilidade apenas do ponto de vista econômico, tem que ver do ponto de vista social e ambiental. A pesquisa (da Quaest, publicada em agosto) que foi feita deu conta de que 75% das pessoas não queriam um desmonte do licenciamento ambiental por entender que é uma ferramenta importante para proteger e promover o uso sustentável. Uma parte significativa das pessoas, envolvendo empresas, comunidades científicas, ativistas ambientais, têm clareza de que economia e ecologia devem caminhar juntas e para mim uma demonstração disso foi agora no debate no Congresso sobre o PL do licenciamento. Por outro lado, a desinformação e uma visão negacionista dos acontecimentos, sobretudo envolvendo mudança do clima - que já está nos afetando, criando sofrimentos múltiplos em diferentes regiões do País e do mundo, também têm uma força significativa. Espero que essa pedagogia do luto, essa pedagogia da dor, tire uma boa parte das pessoas dessa ilusão de que os recursos naturais são infinitos.
- Como zerar o desmatamento
Conseguimos nos primeiros dois anos uma redução de 46% na Amazônia e 25% no Cerrado. Agora o último dado do Deter dá conta conseguimos uma redução de 77% no Pantanal. Já temos planos para todos os biomas e tem uma complexidade à medida em que vai tirando o (desmatamento) ilegal, você vai ter que ter instrumentos econômicos para evitar o desmatamento legal. O fato de ser legal não muda em absolutamente nada em relação ao colapso hídrico, de biodiversidade ou o aumento da mudança do clima, então há um esforço para se chegar ao desmatamento zero. Estamos fazendo todo um esforço também para destinar áreas não destinadas, não mais para corte raso de floresta, mas para uso sustentável, proteção integral ou terra indígena. Daqui para frente, serão cada vez mais incentivos econômicos, a agenda de desenvolvimento sustentável, numa ação transversal que vai de infraestrutura à agricultura e turismo. E que a gente tenha mecanismos de financiar essa nova economia.
No caso da BR-319 desde 2003, quando fui ministra pela primeira vez, venho insistindo que é preciso tomar todos os cuidados em relação à parte de ordenamento territorial e fundiário, de toda aquela área de abrangência. São 400 Km de estrada no coração da floresta, pelo menos 50 Km de um lado e 50 Km do outro podem ser impactados. Nós aumentamos a fiscalização e agora estamos debatendo com o Ministério dos Transportes, com a Casa Civil, como fazer a governança para aquelas áreas: para que o que é terra indígena seja demarcado, o que é terra invadida seja feita desintrusão, o que é para criar unidade de conservação de uso sustentável ou de proteção integral, assim o seja feito e que se faça uma verdadeira força tarefa e estudos adequados para saber os impactos de uma obra de infraestrutura no coração da floresta. Talvez uma saída seja que esses planos possam ser feitos na forma de um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) com averbação na Justiça, para que as coisas possam ser cumpridas independente de quem é o governo de plantão. Se não fizermos a governança daquela área, vai haver um prejuízo enorme, inclusive em termos do regime de chuva da Região Sul, Sudeste e uma parte do Centro-Oeste.
- Agronegócio e Plano Clima
O Plano Clima é coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente. O plano da área de agricultura foi feito pelo Mapa (Ministério da Agricultura e Pecuária). No processo de consulta pública, foram identificadas algumas questões que já estão sendo debatidas no âmbito do próprio GT que trata da questão e do setor do agronegócio. Uma delas é a questão de que os assentamentos estão sendo computados para o agronegócio. Como são terras da União, ligadas ao governo, ao Incra, então isso pode ser sim corrigido. Uma outra questão que eles levantam, que não estão sendo computados os processos de sequestro de carbono feitos pelo setor, também está em discussão. O que não pode ser discutido é que o agronegócio tenha responsabilidade sobre suas emissões. Não tem nenhum outro setor reivindicando isso, a indústria não está reivindicando que não se atribua a emissão de CO2, nem o setor de transporte e de energia.
- COP30
Acho muito difícil que um país como o Brasil, que tornou social até mesmo eventos que nunca tiveram essa marca, como o G20, o (encontro da cúpula) do BRICS, não tenha a participação social na COP, que é algo que mexe com a vida de todas as pessoas em todo o planeta. Já resolvemos o problema dos países vulneráveis, todos eles terão sim acesso ao alojamento digno por um preço acessível. Já estão reservados entre 12 e 15 leitos para cada país vulnerável que venha para COP-30 porque senão não seria a “COP do Mutirão”. A COP30 terá a participação de todos os países que assim o desejarem e da sociedade civil. O embaixador André Correa do Lago, que preside a COP30, foi muito feliz quando propôs que a COP no Brasil fosse uma espécie de mutirão: juntar pessoas, países, regiões, interesses diferentes para que a gente possa realizar uma tarefa que é necessária, mas muito complexa. Um dos temas que ele vem tratando de uma forma muito particular é o do financiamento. Precisamos chegar a US$ 1,3 trilhão (cerca de R$ 7 trilhões) para ajudar os países em desenvolvimento a fazerem suas transições nesse contexto tão desafiador de emergência climática. Ele criou um uma forma de mobilização que envolve o ciclo de finanças, liderado pelo ministro Fernando Haddad, que busca junto a outros ministros de finanças de diversos países viabilizar o financiamento.
Sem o financiamento, as decisões ficam apenas no papel. Ainda nessa área de finanças, outra questão igualmente interessante, liderada pelo Ministério do Meio Ambiente, é o TFFF, um fundo global para pagar por hectare de floresta protegida para países detentores de floresta tropical. Queremos chegar com ele na COP30 operacional para viabilizar um fundo na ordem de US$ 125 bilhões. Uma outra frente que é importante discutir é sobre que já foi decidido em Dubai (na COP-28, em 2023): não ultrapassar 1,5ºC de temperatura da Terra, transição justa para todo mundo; a questão de adaptação, porque já estamos vivendo sobre os efeitos da mudança do clima, é só ver o que acontece quando tem uma enchente; e a questão de transição para o fim do uso de combustível fóssil, que a gente tenha um planejamento para triplicar a energia renovável e duplicar a eficiência energética. E a transição para o fim do desmatamento, o Brasil já tem um compromisso de zerar desmatamento até 2030, já estamos alcançando resultados muito interessante na Amazônia, no Cerrado, no Pantanal. E, por último, a questão das NDCs (metas climáticas dos países) que serão apresentadas até setembro. Possivelmente, a ciência vai dizer que elas não são suficientes para estabilizar a temperatura e não deixar ultrapassar 1,5ºC de temperatura da Terra.
Fonte: Broadcast Agro.