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01/Sep/2025

Plano Clima: possíveis medidas para aprimoramento

O novo Plano Clima proposto para consulta pública tem gerado intensos debates sobre a política que deverá orientar a descarbonização da economia na próxima década. Por definição, o Plano deve reunir todas as ações setoriais que serão adotadas visando chegar em 2035 com um teto de emissões que poderá variar entre 1,05 Gt CO2 eq ou 850 milhões de t CO2 eq, conforme estabelecido na Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC). É fundamental lembrar que a NDC, para além de um compromisso ambiental, é uma ferramenta de planejamento para o desenvolvimento do país. Em 2022, as emissões do Brasil somaram 2 Gt CO2 eq. Na prática, o Plano Clima pretende ser um instrumento que vai direcionar e embasar políticas em todos os setores da economia, orientar e mesmo restringir financiamento, monitorar e mensurar o alcance das ações de mitigação e de adaptação que serão usadas como base para a meta climática brasileira.

O Plano Clima é uma política nacional, negociada entre os diferentes setores produtivos para atribuição de responsabilidades e metas para redução de emissões que atendam a trajetória proposta na NDC, resguardados os objetivos de desenvolvimento sustentável, transição energética e segurança alimentar. O propósito deste artigo é levantar fragilidades do Plano apresentado e sugerir potenciais soluções para fortalecer o Plano Clima como a espinha dorsal da política climática brasileira. Uma das mudanças substanciais sugeridas é separar a contabilidade de emissões de desmatamento considerando categorias fundiárias, alocando parte do tradicional setor de uso da terra para o novo setor de conservação da natureza e para o setor de agricultura e pecuária. O primeiro aspecto que merece ser destacado é que a construção dos planos setoriais de mitigação não permite entender detalhes sobre a base metodológica comum que foi utilizada para definir as metas setoriais, usando como referência o modelo Brazilian Land-use and Energy Systems Model (Blues).

O fato de o modelo não estimar os custos de implementação das ações que serão necessárias para alavancar os resultados de mitigação não pode ser menosprezado. A mera referência a políticas de financiamento e potenciais formas inovadoras de captar recursos não garante que o país terá recursos e orçamento para viabilizar essas ações, que intrinsecamente terão impactos econômicos. O Plano faz referência a uma estratégia nacional de meios de implementação, que trará os detalhes sobre a base de mobilização de recursos financeiros. No entanto, essa estratégia está sendo elaborada e será finalizada em 2026, o que levanta dúvidas sobre a robustez do Plano, desconectado, por ora, de uma sólida estratégia de financiamento. O planejamento de políticas públicas dessa magnitude exige uma ampla e dedicada avaliação dos impactos econômicos decorrente. Somente este fato já enseja preocupação. Além disso, o Blues adota certas premissas que não foram extensivamente detalhadas nos planos setoriais de mitigação.

Dentre elas, vale citar: i) cumprimento da meta de 12 milhões de hectares de recuperação da vegetação nativa até 2030, incluindo a eliminação dos passivos do Código Florestal; ii) recuperação de mais 8,9 milhões de hectares de vegetação nativa entre 2031 e 2050; iii) desmatamento zero: eliminação do desmatamento ilegal até 2030 e redução do desmatamento legal (mediante incentivos econômicos). É natural que esse exercício de modelagem adote premissas para projetar e avaliar as ações que precisam ser adotadas. Mas a hipótese de que todo esse volume de restauração vai acontecer até 2030, e de que o desmatamento será zero, o que contempla eventual desmatamento legal, que será paulatinamente reduzido pela existência de incentivos na forma de créditos de carbono ou pagamento por serviços ambientais (PSA), prescinde de um detalhado planejamento sobre como alcançar essas medidas até 2030, e fortalecê-las daí em diante.

O risco de assumir que o desmatamento ilegal será zero em 2030, traz maior responsabilidade de reduzir emissões para outros setores, visto que não haverá, em tese, mais emissões da conversão ilegal. Espera-se que o Brasil evolua para a redução intensa e gradativa do desmatamento ilegal, a ponto de chegar à conversão zero. A viabilidade de alcançar esse resultado deve ser paulatinamente avaliada e vultosos investimentos são necessários, levando-se em conta os múltiplos desafios que precisam ser enfrentados para tanto. É válido sugerir que essa meta exige uma ambiciosa política de Estado, com recursos que extrapolam orçamentos correntes. Neste sentido, o Plano propõe alocar emissões de desmatamento em área privadas, incluindo as áreas de assentamento da reforma agrária e de quilombos (que por definição legal são áreas sob gestão pública), para o Plano de Agricultura e Pecuária. Não apresenta detalhes, no entanto, qual foi a metodologia ou base de dados oficial adotada para fazer uma separação de categorias fundiárias, citando apenas um estudo desenvolvido por uma organização da sociedade civil.

Durante o processo de elaboração do Plano, foi desenvolvido um estudo que apoiaria o governo na definição das categorias fundiárias, mas na versão da consulta pública não fica claro como essa separação foi feita. Há dados oficiais sobre áreas privadas, com base nos cadastros do Sistema de Gestão Fundiária (SIGEF), que cobrem apenas parte das áreas privadas e no Cadastro Ambiental Rural (CAR) que ainda depende da validação dos órgãos estaduais para que o país possa ter uma base de dados fidedigna quanto aos limites das áreas privadas. A principal justificativa para essa separação é permitir que os órgãos públicos, de acordo com suas competências institucionais, possam atuar para assegurar o alcance das ações de mitigação em cada setor. Vale ponderar, no entanto, que os desafios de controlar desmatamento em áreas privadas e públicas (assentamentos e quilombolas) não são, por definição legal, responsabilidades do Ministério da Agricultura e Pecuária e do Ministério do Desenvolvimento Agrário.

A gestão do desmatamento é responsabilidade do Ministério do Meio Ambiente, Secretarias Estaduais de Meio Ambiente, Ibama, dentre outros órgãos. É importante citar que os dados anuais de desmatamento não são divulgados com a separação de categorias fundiárias, o que poderia ser feito ano a ano. Naturalmente esse objetivo exige ampliar a capacidade do país de evoluir no monitoramento e gestão de desmatamento. Essa desagregação do desmatamento entre o Plano de Agricultura e Pecuária e o Plano de Conservação da Natureza, bem como dentre os outros planos setoriais, é legitimada pela necessidade de permitir monitorar e incentivar a adoção das ações setoriais. Isso, levará, na prática, a uma contabilidade nacional que resultará em dados diferentes (agregados em alguns casos), dos dados oficiais dos próximos Inventários Nacionais de Emissões e Remoções que Brasil submeterá para a Convenção do Clima em 2026 e 2028.

É válido questionar que os dados agregados poderão ensejar riscos de imagem, de fiscalização, de percepção por investidores e instituições financeiras e, até mesmo, favorecer ações de litigância climática. A sugestão de incentivos econômicos para desincentivar a conversão legal é uma forma proposta para reduzir o desmatamento legal e as emissões decorrentes. Além do PSA e de créditos de carbono, o Plano sugere avanços no financiamento por meio da redução de taxa de juros e ainda do fomento ao mercado de compensação de passivos de Reserva Legal via aquisição de Cotas de Reserva Ambiental. Esses instrumentos são conhecidos, mas carecem justamente de fontes de recursos que permitam torná-los disponíveis em escala, e isso não foi tratado com profundidade pelo Plano.

A ambição de acabar com o desmatamento ilegal zero até 2030, de restaurar 12 milhões de hectares de florestas até 2030 e ampliar adicionais 8,9 milhões de hectares até 2050, somados a meta de reduzir de 50% a 75% da conversão legal até 2035, mesmo sem ter uma clareza sobre o quanto do desmatamento é legal, carece de uma profunda avaliação dos custos estimados para alcançar essas metas. A lógica dos incentivos econômicos faz muito sentido e deve nortear as políticas nacionais. No entanto, o Plano não contempla uma profunda análise sobre os custos para atingir essas metas, de onde virão esses recursos e como o país pretende evoluir para captar recursos e investir em projetos que favoreçam o alcance dessas metas. A contabilidade de remoções proporcionadas pela agropecuária não foi tratada diretamente pelo Plano. No entanto, é preciso salientar que isso tenderá a ser feito com o aprimoramento do Inventário Nacional, o que será feito no setor tradicional de uso da terra.

Vale lembrar que a avaliação de ciclo de vida de projetos específicos, que permitam atribuir balanços reduzidos de emissão para práticas agropecuárias, volta-se para protocolos de produção de baixo carbono ou mesmo de projetos que possam gerar créditos de carbono e/ou agregação de valor a produtos por certificação de pegada de carbono, o que é possível caso a caso. A lógica dos Inventários é distinta, e deve nortear o Plano Clima. Nesse contexto, uma solução tangível para aperfeiçoar o Plano Clima, voltado para como uma ferramenta de planejamento de um novo modelo de desenvolvimento de baixa emissão de carbono, válida para toda a economia, como proposto pela NDC, é manter a gestão e contabilidade de desmatamento no escopo do setor de uso da terra, e fortalecer o pilar de meios de implementação e mobilização de recursos financeiros que serão, cada vez mais, necessários para catalisar a economia de baixa emissão de carbono. Fonte: Rodrigo C. A. Lima. Broadcast Agro.