01/Sep/2025
O governo federal viu na Operação Carbono Oculto, deflagrada na semana passada pela Polícia Federal, a oportunidade ideal para enquadrar as fintechs sem ter de recuar, como ocorreu em janeiro. Há tempos a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) cobravam do Ministério da Fazenda providências contra essas empresas, que não estão sob a supervisão do Banco Central nem da Receita Federal, e têm sido usadas para lavagem de dinheiro do crime organizado e até de bets irregulares. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que Receita Federal passará a enquadrar fintechs como instituições financeiras. A ideia é aumentar o poder de fiscalização tributária sobre essas instituições, que vêm sendo usadas para lavar dinheiro do crime organizado. No ano passado, a Receita Federal chegou a editar uma portaria que ampliava o monitoramento sobre transações financeiras, incluindo o Pix.
A medida foi revogada no início deste ano diante da onda de circulação de informações falsas e distorcidas sobre o tema, entre elas, a de que o meio de pagamento seria taxado. As informações distorcidas ganharam impulso com um vídeo postado pelo deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) nas redes sociais. Na gravação, que atingiu mais de 200 milhões de visualizações, Nikolas dizia que o governo poderia vir a taxar o Pix. As operações da semana passada mostram quem ganhou com essas mentiras: o crime organizado, disse o secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas. As pessoas que espalharam aquelas fake news, no início do ano, ajudaram o crime organizado. Agora, a discussão sobre as fintechs ganha força. Na sexta-feira (29/08), a Receita Federal publicou instrução normativa que obriga as instituições de pagamento e os participantes de arranjos de pagamentos (as chamadas fintechs) a seguirem desde já as mesmas normas dos bancos para a comunicação de movimentações financeiras suspeitas de seus clientes.
A norma destas empresas fica assim igualada aos grandes bancos. De acordo com o texto publicado no Diário Oficial da União (DOU), a medida visa combater "os crimes contra a ordem tributária, inclusive aqueles relacionados ao crime organizado, em especial a lavagem ou ocultação de dinheiro e fraudes". A Operação Carbono Oculto se tornou a maior já feita até hoje para combater a infiltração do crime organizado na economia formal do País. A operação desmantelou um sofisticado esquema comandado pelo Primeiro Comando da Capital (PCC) em uma rede de postos de combustível, em dez Estados. As ações utilizavam fintechs, que ficam numa espécie de limbo, sem controle das instituições, para “lavar” os recursos e ocultar patrimônio de origem ilícita. Em quatro anos, a fraude movimentou R$ 52 bilhões. Desde 2023, o governo monitorava a atuação do crime organizado com o uso dessa estratégia.
Em 29 de julho deste ano, a Febraban chegou a enviar à Receita Federal pedindo tratamento isonômico entre as instituições integrantes do Sistema Brasileiro de Pagamentos (SBP) na prestação de informações. A federação cobrava o cumprimento das normas de compliance tributário por todos. No ofício, a Febraban destacou o fato de o Brasil ser signatário de acordos internacionais que adotam procedimentos de compliance com o objetivo de trocar informações para fins fiscais. Com esse argumento, observou que a falta de tratamento isonômico causava prejuízo às instituições bancárias associadas, as quais podem sofrer restrições de acesso aos mercados financeiros globais. Vinte e cinco dias antes, em 4 de julho, a OCDE também havia mandado uma carta ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Na correspondência, a organização relatava que os integrantes do Fórum Global sobre Transparência e Intercâmbio de Informações para Fins Fiscais (Fórum Global) tinham decidido incluir as fintechs no âmbito de “instituição financeira sujeita à declaração de informações”.
A Medida Provisória 1303, enviada pelo governo ao Congresso em junho com medidas para compensar o recuo no aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), atinge as fintechs ao corrigir o que a equipe econômica chama de “assimetria tributária”. A MP propõe extinguir a alíquota de 9% da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL), mantendo apenas as de 15% e 20%, que são as recolhidas por bancos e fintechs de maior porte. Assim, a mudança atingiria em cheio as fintechs menores, que passariam a pagar ao menos 15%. A mudança, que pode render R$ 1,58 bilhão aos cofres públicos no ano que vem, segundo a equipe econômica, enfrenta resistência de diversos setores e a MP ainda não foi votada. Agora, o enfoque será na regulação. Em março, promotores do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) denunciaram os proprietários das fintechs 2 Go Bank e InvBank Soluções Financeiras.
Os donos dessas empresas foram acusados de lavagem de dinheiro e de liderar uma organização criminosa armada, ligada ao PCC. Alvo da Operação Hydra, deflagrada pela Polícia Federal um mês antes, em fevereiro, as fintechs faziam parte de um “sistema financeiro ilegal”, que movimentaram R$ 6 bilhões. Ao comentar ontem a megaoperação da Polícia Federal e da Receita Federal que envolveu fintechs, a Febraban afirmou que o evento é fundamental, especialmente para identificar e segregar quais agentes do sistema financeiro estão, ou não, a serviço do crime organizado. Não há outro caminho, diante do cenário que emergiu com diversos novos players de mercado, incluindo fintechs, que, claramente, não se submetem ao mesmo rigor dos controles de integridade e de prevenção a ilícitos financeiros já, de há muito, aplicados aos bancos do País, afirmou a Febraban. Haddad defendeu a ampliação da fiscalização para as fintechs.
Agora, a Receita Federal enquadrou as fintechs como instituição financeira, afirmou o ministro. Só a Faria Lima (na capital de São Paulo) concentrava 42 dos alvos da Operação Carbono Oculto (empresas, corretoras e fundos de investimentos) em cinco endereços, incluindo alguns edifícios icônicos da região. De acordo com as autoridades, a principal instituição de pagamentos investigada, a BK Bank, registrou R$ 17,7 bilhões em movimentações suspeitas. Essa instituição de pagamentos, segundo a Receita Federal, se comportava como o “banco do PCC”. Em nota, a BK Bank informou que foi surpreendida com a operação e “conduz todas as suas atividades com total transparência, observando rigorosos padrões de compliance”. “BK Bank reitera seu compromisso com a legalidade e coloca-se à inteira disposição das autoridades.” De acordo com a Operação Carbono Oculto, porém, “a instituição de pagamento BK foi amplamente usada pela organização criminosa para a movimentação dos seus recursos financeiros”.
“Identifica-se esse canal de fluxo financeiro para ocultar e dissimular a origem e o destino de valores.” A BK usaria o que se costuma chamar de contas-bolsão (contas mantidas pelas fintechs em bancos sem identificar os verdadeiros donos do dinheiro) para blindar o patrimônio dos criminosos contra os sistemas de controle de lavagem de dinheiro do Banco Central e do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Suas contas eram vinculadas a contas correntes no Banco do Brasil. Atualmente, a BK tem sedes em Barueri, Ribeirão Preto e Campinas. O Setor de Fraudes Estruturadas da Receita Federal estima que o esquema criminoso tenha sonegado R$ 1,4 bilhão em tributos federais. As investigações apontam para uma dezena de práticas criminosas, desde crimes contra a ordem econômica, passando por adulteração de combustíveis, crimes ambientais, lavagem de dinheiro, além de fraude e estelionato.
Atualmente, a BK Bank presta serviços de tecnologia, com a oferta de uma plataforma eletrônica na internet para que seus clientes possam realizar transações, mediante a utilização dos recursos previamente aportados por eles nas respectivas contas de pagamento mantidas junto à empresa. Os promotores suspeitam que a fintech esteja em nome de testas de ferro. E explicam o motivo: a falta da origem dos recursos supostamente utilizados na aquisição das cotas de Mário Gardin, somada à baixa movimentação financeira e patrimonial de Danilo Augusto, é um indicativo de que não é o titular de fato da BK BANK, mas um ‘testa de ferro’.” Gardin foi o fundador da empresa. Augusto a teria adquirido mais tarde. Os investigadores consideram que a fintech manteria as contas-bolsão para interessados em lavar dinheiro. Eles poderiam investir por meio da BK sem que seus nomes fossem identificados nas operações financeiras.
Foram feitas transferências milionárias para a conta da BK Bank na XP Investimentos, indicando remessa de valores para operações de investimento no mercado financeiro, ocultado o real investidor’ e, ‘apenas com a contabilidade da BK Bank, não é possível a identificação da origem e dos destinatários dos recursos movimentados pelas empresas, observou a Receita Federal. O controle da conta de cada cliente da BK Bank é feito de forma interna, sem constar da contabilidade oficial da instituição de pagamento, criando uma espécie de contabilidade paralela no banco. Este fato faz com que a BK Bank se torne um ‘buraco negro’ para operações financeiras, pois, uma vez que determinado cliente envia o dinheiro, esse valor é misturado com os valores de outros clientes e enviado para terceiros, sem qualquer identificação contábil, fato que torna a BK Bank extremamente atrativa para o livre trânsito de valores ilícitos. Embora não pudesse, como instituição de pagamento, movimentar depósitos em espécie nas contas, há elevados valores que entram dessa forma nas contas da BK Bank, algo que só uma instituição financeira poderia fazer.
Os depósitos eram feitos, inclusive, de forma fragmentada, com a evidente intenção de burlar os mecanismos de controle, tratando-se de estratégia de lavagem de valores. Além da origem espúria dos valores remetidos para a BK Bank, ao analisar o pagamento de impostos, a Receita Federal constatou pagamentos extremamente baixos, trazendo também indícios de crimes de sonegação fiscal. Segundo o inquérito, o principal cliente da BK Bank no período investigado foi a distribuidora de combustíveis Aster, que pertence a Mohamad Mourad. Dos R$ 17,7 bilhões em movimentações suspeitas, R$ 2,22 bilhões foram destinados à Aster. A empresa teve sua atuação suspensa pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) em 2024. Além da distribuição, Mourad seria ligado à Copape, uma formuladora de combustíveis. As investigações também apontam que Mourad era dono de uma rede de postos de combustível em nome de laranjas. O primo de Mohamed Mourad, Himad Abdallah Mourad, é diretor da GCX, que controla 103 postos, e da GT Formuladora, entre outras empresas. Fonte: Broadcast Agro. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.