27/Aug/2025
As medidas tomadas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em seu segundo mandato não têm paralelo na história norte-americana, avalia o professor de Relações Internacionais na Sciences Po Paris, Gabriel Petrus, ex-diretor da Câmara de Comércio Internacional (ICC). Segundo o pesquisador, as sobretaxas impostas por Trump colocam o país em uma crise de reputação no comércio que se assemelha à vivida pela China do início dos anos 2000.
“O tarifaço é uma das decisões mais anticapitalistas que pudemos testemunhar na história dos Estados Unidos. Lembro-me que há 20 anos se falava das dificuldades de se negociar com a China, pela falta de confiança em contratos. Agora, os papéis se inverteram. Os chineses ganharam reputação, e os Estados Unidos, perderam", afirmou Petrus. O mundo vai se reorganizar do tarifaço mais rapidamente do que os Estados Unidos imaginam. Isso porque o setor de serviços hoje é mais forte do que o industrial, há novas ferramentas de inteligência artificial para abrir mercados e 82% do comércio internacional não passa pelos Estados Unidos. Segue a entrevista:
Qual a sua avaliação sobre o tarifaço norte-americano?
Gabriel Petrus: É uma das decisões mais anticapitalistas que pudemos testemunhar na história dos Estados Unidos. Lembro-me que há 20 anos se falava das dificuldades de se negociar com a China, pela falta de confiança em contratos. Agora, os papéis se inverteram. Os chineses ganharam reputação, e os Estados Unidos, perderam.
A China virou parceiro confiável e os Estados Unidos deixou de ser?
Gabriel Petrus: Esse é o inacreditável mundo novo em que estamos vivendo. Os Estados Unidos parecem aquele menino mimado que pega a bola de futebol e fala: "Se não for nas minhas regras, a gente não joga". Então, é muito difícil jogar o jogo nessas condições.
E os efeitos sobre o Brasil?
Gabriel Petrus: O Brasil vai sofrer as consequências; mas, em geral, é uma decisão que, no fim das contas, prejudica mais a economia norte-americana. O Brasil tem déficit comercial com os Estados Unidos, e o tarifaço encarece o custo de vida para a população dos Estados Unidos. O Brasil vai se readaptar, tem uma certa versatilidade sobre os seus parceiros comerciais e hoje a gente vê o mundo com aumento do interesse por negociações regionais.
Muita gente reclama que Lula não ligou para Trump. Qual sua avaliação sobre o comportamento do governo brasileiro?
Gabriel Petrus: O governo brasileiro tem agido em um contexto muito inusitado. Na Europa, também está sendo muito difícil tomar decisões. O acordo com a União Europeia é uma negociação de mais de seis meses. O mal-estar que a diplomacia anticapitalista dos Estados Unidos traz hoje coloca o país como uma das economias mais anticapitalistas do mundo em relação a planejamento econômico, e entre as mais fechadas, certamente.
O Brasil deve retaliar?
Gabriel Petrus: Houve outros contenciosos comerciais em que o Brasil ameaçou a economia norte-americana, há cerca de 20 anos, como no caso do álcool, e o Brasil não retaliou. O projeto de decreto de retaliação cruzada foi usado como um instrumento de barganha na negociação. Acredito que estamos assistindo a um roteiro muito parecido, de chegar à linha do gol para retaliar, e não retaliar.
Quais os riscos da retaliação cruzada?
Gabriel Petrus: Teria efeitos nefastos para a economia brasileira, por conta de o Brasil depender de produtos, principalmente de tecnologia, dos Estados Unidos. Uma empresa de manufatura em São Paulo pagar mais por um serviço de nuvem, por exemplo, de dados não é bom para a economia brasileira.
A OMC tem sido criticada pela sua inoperância. Ela perdeu totalmente a força?
Gabriel Petrus: É uma OMC que já está há anos fragilizada, desde o momento em que os Estados Unidos deixaram de indicar juízes para a Corte superior de avaliação de conflitos comerciais. Ela deveria ser o foco privilegiado para discussões de contenciosos comerciais, mas acredito que as eventuais resoluções desse conflito vão se dar pela via bilateral, e não mais pelo quadro multilateral da OMC. Pelo menos até que o presidente dos Estados Unidos seja Donald Trump.
Quanto tempo vai levar para que Trump entenda que essa medida não vai surtir o efeito que ele espera?
Gabriel Petrus: O mundo vai se reorganizar (do tarifaço) mais rápido do que se imagina. Os efeitos que Trump espera não vão ocorrer.
Quais são?
Gabriel Petrus: Reindustrializar, gerar empregos e arrecadar mais. Hoje, a economia norte-americana é forte em serviços, não vai se tornar industrial com o tarifaço. E o imposto de importação tem foco em regulação, não em arrecadação. Por isso a decisão de Trump é totalmente anticapitalista e antieconômica. Ela não tem fundo econômico nenhum. O único sinal que ele dá é que a economia norte-americana está se fechando.
Quais impactos sobre a economia norte-americana?
Gabriel Petrus: Se os norte-americanos se fecharem dessa forma, a inflação vai aumentar, e a empregabilidade vai ser afetada. O tarifaço vai provocar efeitos negativos em menos de seis meses.
Tão rápido?
Gabriel Petrus: É só você olhar o indicador de investimento direto nos Estados Unidos, que diminuiu drasticamente nos últimos meses. A gente tem visto um ambiente de instabilidade política e econômica em que os investidores não querem mais anunciar novos investimentos.
Em que posição os Estados Unidos estariam hoje em termos de abertura econômica?
Gabriel Petrus: Acho que estariam lá atrás. Vão estar junto de quem? Coreia do Norte, Cuba, Venezuela. Não longe de economias fechadas que sofrem sanções dos próprio norte-americanos.
Fonte: Broadcast Agro.