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22/Aug/2025

Mudanças em regras comerciais exigem adaptação

O comércio internacional baseado em regras multilaterais e com objetivo da liberalização acabou ou, pelo menos, entrou em uma pausa prolongada. De agora em diante será determinado pelas retaliações e pela escassez, em alguns casos de demanda e, em outros, de oferta. A diplomacia brasileira, entendida de forma ampla, ou seja, o Itamaraty, com seus diplomatas profissionais, o Ministério da Indústria e Comércio (MDIC) e o Ministério da Agricultura (Mapa), responsáveis pelas especificidades setoriais, não está preparada para essa nova realidade.

A diplomacia comercial brasileira foi moldada no multilateralismo, contexto em que não havia necessidade de grandes concessões, pois as nações em desenvolvimento tinham tratamento preferencial e diferenciado (termo técnico da época) e sempre existia algum país mais protecionista que o Brasil para defender barreiras ao comércio. Aliás, nem mesmo o setor privado exportador parece estar devidamente preparado para esse cenário. Mas, a lógica do comércio internacional sob retaliação é outra, pois traz consigo a necessidade de concessões. É urgente suprir a falta de expertise do Brasil nessa nova dinâmica, sob pena de prejudicar exportações e importações e, consequentemente, a competitividade da economia. Convenhamos, já pouco competitiva, exceto no agronegócio, nas commodities minerais e alguns poucos setores industriais. Segue a minha receita de bolo para entrarmos nesse jogo com aspiração de vitória.

- Decisão 1: separar o político do econômico

O presidente da República, o atual ou seus sucessores têm todo o direito de atuar politicamente nesse novo cenário de retaliações. Não há como retirar do chefe de Estado esse papel, caso queira exercê-lo. Ele receberá apoio ou pressão da sociedade, da mídia e do Congresso Nacional, e caberá a ele administrar essa dinâmica. O econômico, porém, precisa ficar com os profissionais. São eles que devem avaliar, mensurar e indicar soluções considerando as consequências para o comércio internacional do qual o Brasil participa e para a competitividade da nossa economia. Sem separar política e economia, sairemos prejudicados.

- Decisão 2: estruturar uma coordenação em nível governamental técnica que conheça o tema no Itamaraty, no MDIC e no Mapa

Esse modelo foi testado com enorme sucesso no passado, quando as negociações da Rodada de Doha, da Área de Livre Comércio das Américas e o Acordo Mercosul-UE estavam em andamento, assim como nos contenciosos do algodão (contra os Estados Unidos) e do açúcar (contra a União Europeia), nos quais o Brasil foi muito eficaz ao usar as regras multilaterais em favor da competitividade nacional. Recomendo manter uma coordenação com poucos ministérios, apenas aqueles que possuem conhecimento acumulado em comércio internacional.

- Decisão 3: envolver os vinte setores mais relevantes para o comércio internacional do Brasil.

Dez do lado da exportação e dez do lado da importação, abrangendo agronegócio, setor mineral e manufaturas. Um grupo maior tende a se dispersar. É preciso concentrar nos setores dispostos a contribuir, com pessoal e recursos, para viabilizar o suporte técnico dessa coordenação.

- Decisão 4: selecionar um grupo de acadêmicos ou pesquisadores que una conhecimento em comércio internacional e modelagem quantitativa

Não se trata de apenas reunir pessoas capazes de coletar dados, mas de dominar modelagem de comércio internacional. Tampouco significa escolher a universidade A, o instituto de pesquisa B ou o órgão público C, mas sim reunir as melhores cabeças, onde quer que estejam. Foi assim no passado, nas negociações multilaterais, bilaterais, nos contenciosos na OMC e até mesmo nos biocombustíveis. Acadêmicos capazes de rodar modelos são fundamentais para medir impactos, avaliar riscos e identificar concessões que regerão o novo mundo do comércio internacional. Também cumprem papel essencial ao educar tecnicamente o setor privado, evitando que o debate se restrinja a interesses específicos. O setor privado, por sua vez, deve apresentar as variáveis que comporão os cenários a serem explorados quantitativamente - detém mais conhecimento sobre os mercados e sobre como barreiras se materializam. Além disso, é crucial na validação e análise crítica dos resultados. Por isso, precisa ter papel decisivo nas fases de elaboração de cenários e avaliação dos resultados. Não se deve deixar essas etapas exclusivamente a órgãos de governo, pois, sem se sentir parte do processo, o setor privado não contribuirá. Ao mesmo tempo, nenhum setor pode capturar o debate. A equipe técnica deve ter liberdade para configurar modelos e rodar cenários.

- Decisão 5: transformar os resultados da modelagem em avaliação de riscos e medidas de mitigação

Essa etapa exige forte coordenação entre governo e setor privado. Os riscos e as medidas devem ser quantificados nos cenários antes da implementação. Inevitavelmente, haverá concessões por parte do Brasil e, para que não sejam politizadas, precisam estar baseadas em métricas claras.

Se a separação entre política e economia se perder no meio do caminho, as medidas serão capturadas pelo ímpeto político do governo federal. Lembrando: manter essa fronteira é condição básica para que o esforço resulte em ganhos e minimize perdas. O Brasil já enfrentou situação complexas no comércio internacional e soube se organizar. Na época da Rodada de Doha da OMC, países como Índia, China, Tailândia, Indonésia, Argentina, Uruguai, Paraguai, vinham ouvir os cenários e simulações feitos pelo Brasil. Naquela época, buscávamos um bem público: regras multilaterais justas para o comércio global. Hoje, o desafio é mais delicado e urgente: trata-se da nossa inserção internacional, um bem privado brasileiro, que gera competitividade para nossa economia, sob ameaça. Fonte: André Meloni Nassar. Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove). Broadcast Agro.