21/Aug/2025
Ao aceitar o pedido de consultas feito pelo Brasil na Organização Mundial do Comércio (OMC), os Estados Unidos abriram uma fase de consultas entre os dois países para debater o tarifaço imposto por Donald Trump às exportações brasileiras. Apesar da aceitação, o governo norte-americano considerou que algumas das ações citadas pela contraparte brasileira são "questões de segurança nacional, não suscetíveis de revisão ou de resolução por meio de solução de controvérsias na OMC". A entrada do Brasil na OMC tem caráter simbólico, uma vez que o órgão de apelação da organização está inativo pela falta de indicação do membro norte-americano. Fontes do Itamaraty não viram no movimento do governo norte-americano nada fora do rotineiro. O sistema de solução de controvérsias da OMC estipula que a parte demandada (no caso, os Estados Unidos) tem o prazo de 10 dias para responder à parte demandante (o Brasil), e as consultas devem ser realizadas em 30 dias.
Ainda que a resposta norte-americana tenha sido praxe, ela aponta para a abertura de um canal de diálogo entre os dois países, que está fechado. Na semana passada, por exemplo, o secretário de Tesouro dos Estados Unidos, Scott Bessent, cancelou reunião que teria com o ministro da Fazenda brasileiro, Fernando Haddad. Por intermédio da OMC, a administração Trump se disse pronta para conversar com autoridades da missão brasileira sobre uma data mutuamente conveniente para as consultas. Se essas reuniões não solucionarem a disputa em 60 dias do recebimento do pedido, o Brasil pode pedir o estabelecimento de painel destinado a examinar a queixa brasileira. Ao final de seus trabalhos, o painel emite um relatório sobre a compatibilidade das medidas questionadas em relação aos acordos da OMC. Essa fase de painel tem durado cerca de 12 meses, a não ser em casos de maior complexidade, como, por exemplo, o caso do algodão.
Eventuais apelações dos relatórios dos painéis deverão ser apresentadas ao órgão de apelação, instância permanente que tem a função de revisar aspectos jurídicos dos relatórios emitidos pelos painéis. Esse é o órgão que está inoperante, por falta de indicação do governo norte-americano. De acordo com o procedimento padrão, se o relatório do painel ou do órgão de apelação concluir pela incompatibilidade das medidas de um membro com as regras da OMC, a parte demandada deve modificar aquela medida, a fim de recompor o equilíbrio entre direitos e obrigações no âmbito do sistema multilateral de comércio. O membro vencido deverá informar a maneira e o prazo como irá implementar as recomendações. Em julho, os Estados Unidos impuseram a chamada "tarifa recíproca" de 10% aos produtos brasileiros, além de uma sobretaxa adicional de 40% pelo que consideram injustiças no julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro.
O governo Luiz Inácio Lula da Silva alegou que os norte-americanos violaram várias disposições do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT) de 1994 e do Entendimento sobre Solução de Controvérsias (DSU). O argumento é de que eventuais reparações deveriam ser buscadas por meio das regras dos tratados, não por tarifas. Na resposta, os Estados Unidos sustentaram que a solicitação do Brasil inclui certas ações tarifárias que estão "em conformidade" com a Lei de Emergências Nacionais e a Lei de Poderes Econômicos de Emergência Internacional, relacionadas a questões de segurança nacional americana. "O Presidente Donald Trump determinou que essas ações eram necessárias para lidar com a emergência nacional decorrente de condições refletidas em grandes e persistentes déficits anuais no comércio de bens dos Estados Unidos com parceiros comerciais, ameaçando a segurança nacional e a economia dos Estados Unidos", disse o documento norte-americano.
A administração Trump também argumentou que políticas, práticas e ações recentes do governo do Brasil "minam o Estado de Direito e ameaçam a segurança nacional, a política externa e a economia dos Estados Unidos". O governo brasileiro não tem expectativa de que a administração Donald Trump faça uma análise técnica da defesa do País no âmbito da chamada seção 301, que analisa práticas comerciais consideradas injustas pelos norte-americanos. A ida à Justiça dos Estados Unidos não está descartada, mas o histórico de casos do tipo mostra que as decisões contra o governo norte-americano só acontecem em casos de quebra do devido processo legal. Por isso, há o entendimento entre integrantes do governo de que pelo menos o rito aconteça dentro das normas, com todos os prazos para a defesa. A defesa brasileira foi protocolada por escrito pelo Ministério das Relações Exteriores (MRE) na segunda-feira (18/08), junto com a de diversas entidades privadas brasileiras, como a Confederação Nacional da Indústria (CNI), Embraer e Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
O Itamaraty afirmou ao United States Trade Representative (USTR) que não reconhece a legitimidade das acusações e que a Organização Mundial do Comércio (OMC) é o único foro apropriado para a solução de impasses comerciais. Os Estados Unidos afirmam que são prejudicados pelo Brasil por conta de comércio digital e serviços de pagamento eletrônico, tarifas preferenciais injustas, aplicação de medidas anticorrupção, proteção da propriedade intelectual, acesso ao mercado de etanol e desmatamento ilegal. A seção 301 é parte da Lei de Comércio de 1974. Por meio de um processo administrativo, o governo dos Estados Unidos pode investigar práticas de Estados estrangeiros consideradas injustas do ponto de vista dos norte-americanos. A investigação não envolve a Justiça, o que aumenta o grau de arbitrariedade do governo Trump. A legislação autoriza a imposição de ações como resultado dessas apurações, inclusive a aplicação de tarifas. Para integrantes do governo brasileiro, a simples acusação contra o Brasil já foge dos padrões da lei porque engloba seis temas abrangentes, com várias subvertentes.
No último caso desse tipo, a acusação envolvia um produto específico, o etanol, e tinha escopo bem definido. No início de setembro, devem acontecer, em Washington (EUA), as primeiras audiências públicas, quando entidades do setor privado poderão ser ouvidas pelo governo norte-americano. O encontro bilateral entre os governos, chamado de consulta, ainda não tem data para acontecer, mas há expectativa de que seja também em setembro. A investigação pelos Estados Unidos foi aberta no dia 15 de julho e pode durar até um ano. Existe também a possibilidade de que a análise seja fatiada por temas, com resultados diferentes. Do ponto de vista do governo brasileiro, a aceitação das consultas pelos americanos no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC) não sinaliza uma disposição maior de o governo Trump negociar, mas apenas um ato protocolar dentro do órgão. Isso porque, em caso de recusa de uma consulta, o país que fez a reclamação pode ir direto para os painéis do órgão, uma espécie de tribunal, onde os casos são julgados. Fonte: Broadcast Agro. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.