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12/Aug/2025

Tarifa dos EUA: entrevista Marcello Estevão - IIF

O risco de os Estados Unidos adotarem tarifas secundárias contra países do Brics, em resposta a alinhamentos com Rússia e China, é real, mas errático, avalia Marcello Estevão, diretor gerente e economista-chefe do Instituto de Finanças Internacionais (IIF). Em entrevista, Estevão destaca que, ao não detalhar critérios para a aplicação de tarifa adicional aos países que "se alinhem às políticas antiamericanas" do Brics, o presidente americano, Donald Trump, abre espaço para aplicação seletiva e política. Para o economista, essa postura punitiva pode levar os países do Sul Global a acelerarem a adoção de "arranjos de contingência", como acordos bilaterais de liquidação e uso de moedas locais, em busca de alternativas ao dólar e à intermediação financeira dos Estados Unidos. Segue a entrevista:

Qual o risco de os EUA adotarem tarifas secundárias contra países dos Brics como forma de punir alinhamentos com Rússia e China?

Marcello Estevão: O risco existe, mas é incerto e variável por país. O presidente Trump já sinalizou publicamente "tarifa adicional de 10%" a países que "se alinhem às políticas antiamericanas do Brics", sem detalhar critérios, linguagem ampla que dá margem a aplicação seletiva e política, mas também a recuos táticos. Ao mesmo tempo, o próprio governo envia sinais contraditórios sobre Rússia, como o encontro Trump-Putin no Alasca, sem a Ucrânia na mesa, enquanto aumenta pressão tarifária sobre a Índia por compras de petróleo russo. Isso reforça a leitura de linha não consolidada e risco "event-driven" de medidas secundárias.

Elevar tarifas à Índia por seu comércio de petróleo com a Rússia pode ser classificado como uso de sanções extraterritoriais disfarçado? Isso indica que nenhuma alíquota tarifária anunciada até agora, em especial as do Brics, é a alíquota final?

Marcello Estevão: Tecnicamente são tarifas, não sanções. Mas o propósito extraterritorial (alterar comportamento de terceiros em relação à Rússia) aproxima a medida do espírito de sanções secundárias. O anúncio de mais 25% de tarifa para bens indianos, ligado explicitamente à compra de petróleo russo, ilustra isso. Também sugere que as alíquotas não são finais: a comunicação oficial e as notas de imprensa indicam espaço para escalada e negociação.

O Brasil hoje enfrenta tarifas de até 50%, a mais alta entre os países afetados. Essa seletividade indica um padrão de retaliação política? O que isso pode sinalizar para outros membros do Brics?

Marcello Estevão: O salto para 50% tem forte sinal político e custo macro limitado para os EUA, mas alto poder de barganha. Para outros Brics, o recado é claro: ações "exemplares" podem recair sobre países vistos como mais expostos ou como peças de pressão. Isso aumenta a volatilidade de regras do jogo e a incerteza regulatória para fluxos comerciais e de investimento.

Há risco aos países que não integram o Brics, mas que mantêm laços comerciais com China, Rússia ou Irã, também se tornarem alvos de tarifas secundárias ou restrições financeiras?

Marcello Estevão: Sim. A lógica comportamental (punir condutas "indesejadas") pode alcançar parceiros de parceiros - sobretudo em energia, metais e tecnologia. O governo já testou instrumentos amplos por produto e por país. Nada impede que estenda a terceiros que facilitem rotas comerciais com Rússia, Irã, China. O grau de risco varia conforme importância estratégica para Washington e capacidade de retaliação recíproca.

A China reagiu à tarifa contra o Brasil com apelo ao multilateralismo. O Brics pode coordenar uma resposta coletiva às tarifas dos EUA ou o bloco segue fragmentado? Os interesses nacionais dos membros do Brics são compatíveis o suficiente para sustentar uma frente conjunta contra os EUA?

Marcello Estevão: Há capacidade de coordenação retórica e ações pontuais, como por exemplo o apoio a mecanismos de liquidação fora do dólar. Mas a prática permanece fragmentada: Índia e China têm atritos comerciais e geopolíticos; Brasil busca preservar acesso a mercados e investimentos ocidentais; Rússia e Irã têm prioridade em aliviar sanções. Resultado: frente coesa e operacional é difícil, sobretudo em tarifação e medidas espelho.

As tarifas elevadas aplicadas pelos EUA a países do Brics podem afetar o apetite de empresas multinacionais nesses mercados? Há risco de realocação de cadeias produtivas em resposta a esse ambiente mais hostil?

Marcello Estevão: Sim nos dois casos. Tarifas elevadas e imprevisíveis aumentam risco de "policy whiplash", comprimem margens e alongam payback, o que pode deslocar investimento para jurisdições com acesso preferencial aos EUA. Alguns setores (metais não ferrosos, bens intensivos em cobre, têxteis, partes e peças) são particularmente sensíveis. A Índia é exemplo: medidas já levantam dúvidas sobre o cronograma de acordos e sobre a viabilidade de ampliar compras de energia dos EUA, fator que pesa em decisões de cadeia.

Trump tem reiterado que o Brics é uma ameaça ao dólar e à posição dos EUA na economia global. Esse tipo de retórica pode resultar em uma doutrina econômica mais hostil ao Sul Global?

Marcello Estevão: Pode. Ameaças tarifárias amplas e o uso de instrumentos econômicos para punir "alinhamentos" podem corroer alianças e incentivar países a buscar alternativas ao dólar e à intermediação financeira dos EUA - exatamente o oposto do pretendido. Mesmo que a substituição do dólar seja difícil, a retórica e as medidas punitivas aumentam o incentivo marginal à diversificação.

Diante dessa pressão norte-americana, os países do Brics tendem a acelerar mecanismos de comércio alternativo ao dólar, como acordos bilaterais de liquidação ou uso de moedas locais?

Marcello Estevão: Tendem a acelerar "arranjos de contingência", sim, mais clearing bilateral, mais uso de moedas locais e, no limite, sistemas de pagamentos alternativos. Mas é avanço gradual: infraestrutura, confiança e convertibilidade limitam. A pressão dos EUA aumenta o incentivo, porém a viabilidade plena é desigual entre membros e setores.

A atual postura dos EUA frente ao Brics pode estar sinalizando um redesenho das regras do comércio internacional?

Marcello Estevão: No mínimo, sinaliza normalização de um comércio mais politizado: tetos tarifários por bloco, punitivas setoriais, ameaças condicionais. Isso erode previsibilidade do sistema baseado na OMC e reforça "minilateralismos" e barganhas ad hoc. Esse caminho prejudica a liderança de regras dos EUA e pode acelerar, na margem, a busca por alternativas ao dólar - ainda que não haja substituto claro no curto prazo. Em resumo, há risco real, mas errático: a probabilidade de "tarifas secundárias" é não-nula e reativa a eventos, mais do que programática. Há custo estratégico para os EUA: a abordagem punitiva encoraja diversificação fora do dólar e fragiliza alianças, especialmente quando o alvo é um país democrático e parceiro como o Brasil. O Brics segue heterogêneo: a pressão externa aproxima no discurso, mas não resolve conflitos de interesses internos. A coordenação plena continuará limitada. Para o Brasil: manter ponte com Washington e reforçar previsibilidade doméstica (fiscal/regulatória) é a melhor defesa para segurar investimento e reduzir a probabilidade de medidas "exemplares".

Fonte: Broadcast Agro.