11/Aug/2025
Ex-diretor-geral da Organização Mundial de Comércio (OMC), Roberto Azevêdo afirma muitos dos integrantes dos Brics estão mais cautelosos para interagir com outros membros do grupo, em meio às ações do governo norte-americano contra países do bloco. Ele avalia haver uma preocupação desses líderes para não transmitir a imagem de que esse agrupamento efetivamente está em uma marcha anti-Estados Unidos, mas ressalta que uma ação conjunta "pode ser qualquer coisa". Pode ser um apoio entre eles no sentido de abrir mercados entre os países dos Brics, por exemplo. Não tem nada demais nisso. Ou ter uma coordenação maior em apoio ao multilateralismo. Também não tem nada demais nisso.
Aí tudo depende da agenda, da narrativa. Podem ser coisas que vão realmente criar arestas adicionais com relação aos Estados Unidos e pode ser que sejam coisas que são mais anódinas, sem nenhum impacto político maior. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que planeja ligar para os líderes do grupo para debater a possibilidade de uma resposta conjunta ao tarifaço do presidente dos Estados Unidos. Lula telefonou para o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, para discutir os impactos da supertaxação sobre produtos exportados. Trump impôs novas tarifas sobre a Índia pelo fato de o país comprar petróleo da Rússia.
O Brasil também é importador de produtos russos, e empresários temem mais taxações. Roberto Azevêdo considera haver risco de novos aumentos tarifários e outras limitações no comércio bilateral. Isso pode acontecer pelos motivos mais diversos. Não há uma lógica muito estrita e racional por trás disso tudo. Para ele, a instabilidade e a insegurança são o novo normal nessas relações comerciais. O comércio mais desimpedido está em xeque. Esse é um ‘novo normal’ e será preciso conviver um pouco com isso. Sobre o "pedido de consulta" do Brasil na instituição, Azevêdo ressalta que não terá prático para eventual retaliação ao tarifaço imposto pelos Estados Unidos, mas diz que se trata de foro importante de engajamento político. Segue a entrevista:
O governo Lula acionou os Estados Unidos na OMC. Qual a possibilidade de haver algum efeito prático dessa medida contra o tarifaço?
Roberto Azevêdo: Dentro do contencioso propriamente dito, você ter um laudo arbitral que diga que as medidas americanas estão violando os dispositivos da OMC, e, eventualmente até mecanismos de implementação, retaliação, isso não vai acontecer. Porque, quando se esgotar a primeira instância, o contencioso vai ficar paralisado. Porque a parte perdedora, provavelmente os Estados Unidos, neste caso, vai apelar, e não existe o órgão de apelação hoje. Agora, a OMC em geral é um foro muito importante de engajamento político, de passar mensagens, e oferece também uma oportunidade de um contato mais em nível técnico, mais operativo. Quem sabe isso pode ajudar um pouquinho.
Um telefonema do presidente Lula para o presidente Trump de fato ajudaria? O que precisaria ser apresentado nessa conversa para haver um resultado na negociação comercial?
Roberto Azevêdo: Ao longo do processo, fomos percebendo de uma maneira muito clara que, no caso do Brasil, que tem essa dimensão política maior, todos os caminhos levam à Casa Branca. No final das contas, a aprovação, até autorização para negociar, termina partindo da Casa Branca. Como isso está muito centralizado na pessoa do presidente Donald Trump, uma conversa de alto nível, um canal que se abra entre o chefe de Estado, pode ajudar, não tem a menor dúvida. O fato é que, nas outras negociações com os outros países, ele (Trump) está envolvido diretamente. Ele tem encontros com a Ursula Van der Leyen, acabou de receber a presidente da Suíça, se encontra com o presidente do Canadá, tem encontro marcado com Xi Jinping, com (Narenda) Modi se encontrou mais de uma vez.
O senhor percebe real interesse nos Estados Unidos em fazer essa negociação com o Brasil?
Roberto Azevêdo: O presidente Trump é muito transacional. O objetivo dele é essencialmente comercial e econômico. Ele fala com muita clareza que as tarifas adicionais que ele está implementando vão ajudar no esforço de arrecadação do Estado para compensar os impostos que ele está cortando para as empresas e para os investidores, de uma maneira geral. E, além disso, tem a tentativa de reindustrialização, de trazer os processos produtivos para dentro dos Estados Unidos, trazer investimentos, proteger as indústrias tradicionais, como aço, alumínio. Então, tem esse lado econômico, transacional, e ele é suscetível a isso. Agora, no caso do Brasil especificamente, você tem essa dimensão política que nós todos vemos.
O presidente Trump colocou tarifa de 50% sobre a Índia pelo fato de o país comprar petróleo da Rússia. O Brasil também compra. O senhor vê risco de algum componente geopolítico gerar um novo tarifaço aqui para o Brasil?
Roberto Azevêdo: O risco de aumentos de tarifas e de outras limitações no começo bilateral existe o tempo todo. E pode acontecer pelos motivos mais diversos. Não há uma lógica muito estrita e racional por trás disso tudo. É verdade, o Brasil importa produtos da Rússia hoje. Sobretudo óleo, petróleo e derivados. Agora, isso todos os outros também importam. Europa também importa. Os próprios Estados Unidos importam também produtos russos. Eu acho que é uma questão aqui mais de tendência. Trump não traçou ainda uma linha dizendo quem importa acima de tanto. Isso é tudo muito vago, muito flexível, muito difícil de você saber onde as linhas vão ser traçadas.
O sr. vê um movimento claro da Casa Branca contra os países do Brics? Em termos práticos, qual o impacto disso sobre o bloco?
Roberto Azevêdo: Trump disse diretamente que é bloco do Brics é antiamericano, que é contra os Estados Unidos. Se isso é verdade ou não é verdade, é outra conversa. Mas ele efetivamente acredita e pensa dessa forma. E, ao pensar dessa forma, você pode imaginar que os membros dos Brics não vão ser tratados ou considerados da mesma forma que outros. Agora, vamos ter muito presente que tradicionais aliados também não têm necessariamente um tratamento muito favorável. Veja o que está acontecendo com os europeus, veja o que está acontecendo com o próprio Canadá. Com o México, que teve um acordo assinado de livre comércio entre Estados Unidos, México e Canadá, por ele próprio. Então ser amigo ou ser inimigo faz alguma diferença, sem dúvida, mas não é uma coisa dispositiva, também vai depender da dependência econômica e do interesse econômico dos Estados Unidos nas relações bilaterais.
Isso pode provocar alguma perda de tração dentro do bloco dos Brics?
Roberto Azevêdo: A leitura que eu faço, do que eu tenho visto de declarações e do próprio comportamento deles, é de que pelo menos muitos dos integrantes dos Brics estão muito mais cautelosos em como que eles interagem com os outros membros do grupo. Até para não transmitir a imagem de que essa coordenação, de que esse agrupamento, efetivamente está em uma marcha anti-Estados Unidos. Então, na medida em que eles puderem diminuir um pouco essa percepção, agindo de uma maneira um pouco mais ponderada, um pouco mais equilibrada e tocando em assuntos que talvez não sejam tão sensíveis para os Estados Unidos, eu acho que eles vão optar por esse curso.
No caso do Brasil, o presidente Lula tem elevado mais o tom em relação ao governo norte-americano e disse esperar uma ação conjunta contra o tarifaço. Isso tem afetado diretamente essa negociação comercial?
Roberto Azevêdo: Eu não tenho elementos suficientes hoje para dizer qual vai ser efetivamente a postura do Brasil nos Brics daqui para frente. Eu acho que vai depender muito da interação com os outros membros, ver o que eles estão dispostos a fazer, que tipo de agenda ou grupo está disposto a tocar. Temos que ver.
Às vezes dá uma sensação que, no momento, está cada um por si e não indo para uma ação conjunta.
Roberto Azevêdo: Ação conjunta pode ser qualquer coisa. Pode ser um apoio entre eles no sentido de abrir mercados entre os países dos Brics, por exemplo. Não tem nada demais nisso. Ou ter uma coordenação maior em apoio ao multilateralismo. Também não tem nada demais nisso. Aí tudo depende da agenda, da narrativa, da forma como você diz. Podem ser coisas que vão realmente criar arestas adicionais com relação aos Estados Unidos e pode ser que sejam coisas que são mais anódinas, sem nenhum impacto político maior.
O sr. foi procurado por vários empresários brasileiros para tentar ajudar neste diálogo nos Estados Unidos. Qual é a principal preocupação que eles apresentam no momento?
Roberto Azevêdo: Eu diria que são duas preocupações centrais, de todos com quem eu tenho falado. A primeira, sobretudo num primeiro momento, foi de que não prevalecesse a noção de que o tarifaço não terá um impacto grande. De que teve muita exceção, que, portanto, não é uma medida tão grave quanto se falava, quanto se alardeava. Porque muitos setores vão ser afetados e muitos deles podem não sobreviver a isso. A preocupação número dois é de que, normalmente, numa negociação tradicional, o setor privado apresenta ao governo as suas preocupações, seus desejos, o que eles querem atingir, quais são suas metas para uma negociação, e o governo pega essa informação e usa nas negociações com a outra parte e nos canais diplomáticos tradicionais. Esses canais diplomáticos tradicionais, hoje, estão comprometidos. Eu não estou dizendo que eles não existam, eles devem existir, talvez, em background, alguma coisa assim. Mas eles não estão funcionando de uma maneira como, normalmente, eles funcionariam. Então, o empresário está perguntando, à luz dessa situação, o que nós podemos fazer para complementar essa via tradicional, que está funcionando de uma maneira menos eficiente. Então, vamos falar diretamente com nossos supridores, com nossos clientes, com distribuidores, canais de logística, parceiros na área tecnológica. Com quem a gente fala? O que a gente faz? Quais desses canais poderiam ser mais efetivos? Quais são as possíveis alianças que nós podemos fazer dentro do setor, intersetorial e intrasetorial, e com outros setores? Então, tem várias vertentes que eles precisam explorar e que, normalmente, não estão preocupados com isso. Eles, agora, estão precisando ser mais proativos do que numa negociação tradicional.
E o senhor acha que isso vai ser um novo normal daqui para frente?
Roberto Azevêdo: Eu acho que nós estaremos transitando para um novo normal. O que nós vemos hoje é que o livre comércio, o período das tarifas baixas, da percepção onde as importações eram importantes para o país, onde o comércio é visto como uma via de mão dupla, com benefícios de lado a lado, isso está um pouco sendo questionado hoje, sobretudo pela administração americana, mas não apenas, no sentido de que a importação é ruim. O objetivo é produzir internamente, mesmo que produzindo internamente o custo para o consumidor seja mais alto, mesmo que produzir internamente seja menos eficiente em termos de cadeia produtiva, em termos de geração de inovações e de novas tecnologias. Você internalizar todo o processo produtivo não é uma situação ótima. Uma situação ótima é quando você maximaliza os benefícios na coordenação internacional, onde cada um contribui com as suas melhores competências. Esse novo raciocínio, essa nova forma de interação com tarifas mais altas do que elas existiam nas últimas décadas, não é uma coisa do ano passado ou dois. Nas últimas três, quatro, cinco décadas, as tarifas eram muito mais baixas e a economia mundial cresceu extraordinariamente durante esse período de baixas tarifas e de comércio mais desimpedido. Esse comércio mais desimpedido está em xeque. Eu acho que esse é um novo normal e nós vamos ter de conviver um pouco com isso. E o outro novo normal, que eu acho que é importante, é que o sistema multilateral está enfraquecido, está vulnerável e está inoperante em várias áreas. Isso leva a uma fragmentação muito maior do mundo, leva a uma situação em que, de falta de regras, de falta de previsibilidade, de falta de estabilidade nas relações econômicas internacionais. Isso tem um impacto muito grande nas decisões de investimento, no crescimento das economias, nas pressões inflacionárias e tudo isso, eu acho, essa instabilidade, eu acho que isso será um novo normal durante um bom período.
Fonte: Broadcast Agro.