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31/Jul/2025

Entrevista com Rubens Barbosa – presidente Irice

Embaixador do Brasil em Londres (1994-1999) e Washington (1999-2004), Rubens Barbosa, hoje presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), diz que a segunda passagem de Donald Trump pela Casa Branca impõe um desafio diferente. Para ele, todos os anos de experiência adquiridos pelos Estados Unidos em negociações comerciais já não servem ao momento atual. “Hoje, a decisão sobre o tarifaço não passa pelo Departamento de Comércio. Ela é da Casa Branca, é do Trump.”

Barbosa avalia que a “imprevisibilidade” do presidente norte-americano torna impreciso qualquer prognóstico em relação às negociações sobre as tarifas impostas por Trump. “Você não tem mais regras, não tem mais visões de médio, longo prazo”, afirma Barbosa, que trabalha com a perspectiva da aplicação da tarifa de 50% ao Brasil no dia 1º de agosto. O diplomata prevê ainda que os Estados Unidos devem firmar um acordo comercial com a China em algum momento e que ele vai atingir o Brasil. “O que o Trump quer é que a China compre mais produtos agrícolas dos Estados Unidos. Isso vai acontecer às expensas de outros países da Europa, do Brasil. Segue a entrevista:

O que o presidente Donald Trump imaginou quando instituiu essa guerra mundial tarifária?

Rubens Barbosa: Trump tem uma visão diferente de outros políticos americanos. Ele disse que a União Europeia, por exemplo, foi criada para se contrapor aos Estados Unidos, declarou apoio à Rússia na guerra contra a Ucrânia e se colocou contra a União Europeia. No caso do tarifaço, as motivações são reduzir o déficit comercial dos Estados Unidos, sobretudo com a China e com países que têm superávit. Essas medidas também são para atrair investimento para os EUA. No dia em que lançou o tarifaço, em abril, atrás dele estavam representantes da indústria automobilística. É uma coisa meio defasada. Ele está pensando que, suspendendo as exportações de automóveis para os Estados Unidos, vai atrair investimento e dar emprego para os americanos? Isso valia na década de 1960.

A premissa está errada?

Rubens Barbosa: Parte da premissa está errada e ignora as consequências, pois essas tarifas vão elevar o preço dos produtos nos Estados Unidos e o impacto vai ser sobre o consumidor americano.

Como o senhor considera que os economistas e assessores de Trump enxergam essas medidas?

Rubens Barbosa: Trump, quando foi eleito pela primeira vez, em 2017, era um membro do partido. Ele constituiu o governo com membros do Partido Republicano que não tinham lealdade a ele, então o questionavam. Hoje não é assim. O Partido Republicano hoje é o partido do Trump. Todos no governo são leais a ele. As declarações públicas dos secretários são todas elogiosas. Tenho depoimentos de empresários que mostram que a decisão sobre o tarifaço não passa pelo Departamento de Comércio. A decisão é da Casa Branca, é do Trump. O mundo mudou.

Ante a sua experiência na diplomacia e na iniciativa privada, há alguma chance de êxito nessas medidas?

Rubens Barbosa: Minha visão é de que esse movimento vai refletir politicamente contra ele. Você vai ter uma eleição no próximo ano para renovar o Congresso - toda a Câmara e dois terços do Senado. Se as tarifas tiverem um impacto negativo na inflação, no crescimento da economia, no crescimento do comércio exterior, e somado a isso questões internas, como imigração, a relação com as universidades, a demissão dos funcionários públicos, há uma grande chance de ele perder o controle de pelo menos uma das Casas. A situação política poderá repetir o que acontece hoje no Brasil.

As tarifas impostas até agora melhoraram as contas do governo norte-americano?

Rubens Barbosa: O dado divulgado pela Casa Branca é de que houve um aumento de receita de US$ 112 bilhões de abril para cá. A questão é que esses recursos estão subordinados ao pacote econômico aprovado no Congresso, que prevê redução de imposto de renda sobretudo para os mais ricos e para empresas. A informação é de que essa receita gerada pelas tarifas não compensa a perda de arrecadação.

Falei recentemente com o Jorge Gerdau e ele disse que se sentia quase um “analfabeto estratégico” diante do que se vê hoje no mundo. O senhor consegue ver uma estratégia para o governo brasileiro ante o tarifaço?

Rubens Barbosa: A imprevisibilidade, como falei, está aí, e o Gerdau confirmou. Você não tem mais regras, não tem mais visões de médio, longo prazo, por causa da ação do presidente norte-americano.

Mas a China está negociando com os Estados Unidos, não está?

Rubens Barbosa: A China está negociando, claro. Eles trocaram terras raras pelos chips. Por questões geopolíticas, os Estados Unidos tentam impedir o crescimento da China, o desenvolvimento e a utilização de equipamentos mais sofisticados inclusive na área de defesa. Quando os Estados Unidos vetaram a venda de chips, a China retaliou, porque o país tem capacidade de retaliar. E o que a China fez? Suspendeu a exportação de terras raras, um minério que é usado também em equipamentos militares. Aí foram os Estados Unidos que correram para negociar. E negociaram. Isso ocorreu porque os dois países hoje são as duas únicas superpotências. Em algum momento vai haver um tipo de acerto (comercial) para evitar que haja uma deterioração das relações que leve a uma guerra, por exemplo. Se esse acordo sair, o Brasil vai ser um dos países afetados. Porque a base dele será a diminuição do superávit da China em relação aos Estados Unidos. E como é que a China vai aumentar a compra de produtos americanos? Vai comprar produtos agrícolas, principalmente soja e milho.

E como fica o Brasil?

Rubens Barbosa: O Brasil vai continuar a exportar para a China em quantidade menor. Hoje, os chineses compram soja e milho dos Estados Unidos, por exemplo, mas a quantidade caiu porque o Brasil substituiu os Estados Unidos. O que o Trump quer é que a China compre mais produtos agrícolas dos Estados Unidos. Isso vai acontecer às expensas de outros países da Europa, do Brasil, de outras nações que suprem a China com esses produtos.

O senhor avalia que é possível os Estados Unidos recuperarem a credibilidade?

Rubens Barbosa: Acho que o estrago que está sendo feito é muito grande. O país saiu da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), esvaziou a OMC (Organização Mundial de Comércio), essa questão dos imigrantes, a questão das universidades, tudo isso minou a credibilidade dos Estados Unidos. Vai demorar muito para recuperá-la.

Fonte: Broadcast Agro.