25/Jul/2025
A Europa pretende ser um elemento de estabilização para o comércio internacional, segundo o presidente da Comissão de Comércio Internacional (Inta) do Parlamento Europeu, Bernd Lange. Para fazer isso, há um interesse em reviver a Organização Mundial do Comércio (OMC), que tem suas decisões paradas desde 2019, quando os Estados Unidos começaram, no primeiro mandato do presidente Donald Trump, a bloquear as nomeações para o órgão de apelações. Para conseguir isso, há discussões até sobre buscar formas de expulsar os Estados Unidos da OMC, embora ainda não haja certeza sobre a viabilidade jurídica da medida. O comércio global está mudando com o novo mandato de Donald Trump nos Estados Unidos. Há dificuldades de negociações com o governo norte-americano. Segue a entrevista:
As ameaças tarifárias de Trump vão redefinir o comércio global, mesmo que acordos sejam fechados nas próximas semanas, com organismos multilaterais enfraquecidos e perda de confiança em parceiros comerciais importantes, como os EUA?
Bernd Lange: De fato, o mundo mudou. Não será como era antes do Trump. Isso com certeza. Então, precisamos ser muito cuidadosos para proteger o sistema multilateral de comércio. É claro que os Estados Unidos são importantes. Mas apenas a Europa é responsável por 15% do comércio global. E estamos comprometidos com a Organização Mundial do Comércio e queremos reformar essa organização e a estabilizar. Em março do próximo ano, teremos um grande encontro em Camarões. Então, seria importante termos um bom sinal para isso.
O que é possível se fazer, já que o mecanismo de apelações está parado desde 2019, quando os EUA começaram a bloquear as nomeações para o órgão de apelações e, assim, nenhuma decisão é colocada em vigor?
Bernd Lange: Há algumas discussões agora acontecendo se devemos expulsar os EUA da OMC. Não tenho certeza se será legalmente possível, mas agora eles bloquearam, no último mês, pela 86ª vez a indicação para o mecanismo de apelações. E, então, ele continua sem juízes. Além disso, não pagam há cerca de dois anos o dinheiro que deviam dar para a OMC. Temos 165 países no órgão e devemos construir em cima disso. Países como Indonésia e Índia podem ter um papel proativo na organização.
O que mais pode ser feito para o comércio internacional responder a Trump?
Bernd Lange: Além de reformar a OMC, em um segundo ponto, queremos criar uma rede de parceiros confiáveis, e sermos um elemento de estabilização e dar previsibilidade para investimentos. Isso é crucial, ou o comércio global vai ficar parado. Espero que consigamos ter uma frente comum contra a política ilegal e injustificável do presidente Trump. O Brasil, especificamente, está sendo atacado neste momento. Trump está usando as tarifas não como uma medida econômica, mas como arma de pressão política. Há esta nova investigação, por meio da seção 301, dos EUA contra o Brasil, sobre regulação digital e com outros elementos, em que está claro que é um uso coercitivo das tarifas.
Como a Europa pretende se defender dessas ameaças?
Bernd Lange: Na União Europeia, melhoramos a nossa caixa de ferramentas de medidas defensivas, especificamente depois da experiência com o primeiro mandato de Trump. Quando ele mencionou que, se nós fossemos estabelecer um imposto digital para aquelas ‘pequenas’ empresas do Vale do Silício, ele colocaria 50% de tarifas para os carros europeus, e já estava usando tarifas comerciais como instrumentos de coerção. Então, nós estabelecemos uma nova legislação, o instrumento anticoerção.
Essa é aquela regra chamada de ACI, na sigla em inglês, aprovada em 2023?
Bernd Lange: É exatamente essa. Agora, temos toda uma cesta de medidas possíveis para reagir se o senhor Trump usar um caminho similar desta vez. Também tivemos problemas com a China, em que eles usaram medidas coercitivas. Temos uma solução para isso, agora. Mas também creio que seja um elemento que devemos evitar, e de se usar comércio e investimentos como arma política. Então, esses três elementos (OMC, rede de parceiros e ACI) estão sendo pensados firmemente como formas de estabilizar o sistema global baseado em regras.
Então, o ACI só será acionado se falharem as negociações das próximas semanas, até o dia 1º de agosto, quando Trump disse que entrarão em operação as tarifas?
Bernd Lange: Sim, logo antes dessa entrevista, eu estava no telefone com o Maros Sefcovic, o nosso comissário de comércio (comissário de comércio e de segurança econômica, relações institucionais e transparência da Comissão Europeia). E discutimos exatamente isso.
O Brasil também aprovou recentemente uma Lei de Reciprocidade Econômica, que busca defender o País de ameaças comerciais, que o presidente Lula ameaçou usar contra os EUA. Esse tipo de regra pode ser necessária como forma de dissuasão?
Bernd Lange: Nós já deixamos prontas contramedidas tarifárias para tarifas ilegais para o aço, que somam um volume de € 22 bilhões em produtos americanos. Como um segundo passo, contra tarifas ilegais contra nossos carros, estabelecemos tarifas para € 72 bilhões em produtos americanos. Há também um novo elemento de taxas de exportações para sucata de aço, já que os EUA precisam disso e importam bastante sucata da Europa para a produção de aço. Então, é uma pressão ter essas taxas. O terceiro passo da escalada seriam taxas digitais, porque as gigantes de tecnologia dos EUA geram um terço de suas receitas na Europa. Só então, a força de escalada da disputa chega no ACI.
Por meio dele, vocês acionam barreiras não tarifárias, como derrubar patentes e propriedade intelectual?
Bernd Lange: Sim, ele permite isso, além de compras governamentais. É realmente uma cesta grande.
Já houve uma análise sobre que medidas usar?
Bernd Lange: Estamos olhando o que é viável usar para realmente atingir os EUA e que medidas acabariam prejudicando os nossos cidadãos e a nossa indústria também, para não usarmos essas.
Então, deve ser um esforço bem focado?
Bernd Lange: É um pouco estratégico e tático.
Alguns produtos a serem taxados poderiam ser a soja da Louisiana, o Estado do presidente da Câmara, o republicano Mike Johnson, e o bourbon?
Bernd Lange: Temos um conjunto de tarifas para atingir uma grande quantidade de produtos como esses. Mas, sem prejudicar a nossa indústria. Um exemplo proeminente são tarifas para motos acima de 500 cilindradas, para direcionar as tarifas para a Harley-Davidson. Mas na Europa você poderá comprar BMW, Ducati ou Honda, o que quiser. E nessa lista temos muitos produtos agrícolas e alcoólicos, além produtos industriais ligados ao aço e ao alumínio. Também envolve têxteis, que eu não sabia que importávamos tanto dos EUA.
Mas esse cenário de retaliação não é o ideal, não?
Bernd Lange: No fim das contas, os dois lados perdem, e queremos evitar uma negociação extensa. Também está claro que a consciência dos danos também acontece nos EUA. Falei com muitos senadores em Washington, de vários Estados, e governadores, e eles sabem que a cadeia de suprimentos está rompida. Empresas precisam demitir trabalhadores, e há uma grande pressão também da Câmara de Comércio dos EUA. Agora que os preços dos carros europeus e os produtos da China estão subindo mais e mais, muitas pessoas na sociedade norte-americana estão pensando nisso.
O que Trump deseja, ao infligir esse dano para o próprio país?
Bernd Lange: Acredito que essa pressão para negociar, primeiramente até julho e agora até o dia 1º de agosto, também esteja motivada por ele querer resolver isso tudo o mais rapidamente possível, porque as consequências agora estão aumentando. E também a preparação para as eleições de metade de mandato, no próximo ano, está começando agora. Então, ele precisa resolver isso logo.
Fonte: Broadcast Agro.