24/Jul/2025
O diretor gerente e economista-chefe do Instituto de Finanças Internacionais (IIF), Marcello Estevão, avalia que a retirada do Brasil do SWIFT seria um 'completo absurdo'. Em meio à escalada do conflito entre os Estados Unidos e o Brasil, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) disse que o presidente Donald Trump poderia tirar o País do sistema, que facilita transações financeiras internacionais, como fez com a Rússia e o Irã. "Isso seria um completo absurdo. Comparar o Brasil com países como Rússia ou Irã é injustificável", diz Estevão. "Além disso, o SWIFT não é um sistema norte-americano, mas uma rede internacional. Essa hipótese está fora da realidade atual", acrescenta ele.
Fundado na década de 1970, o SWIFT é um sistema global de mensagens que conecta 11.500 instituições financeiras em mais de 200 países. A cada três dias, o volume de transações que passa pela plataforma é equiparável ao tamanho do Produto Interno Bruto (PIB) mundial. Estevão, que tem passagens pelo Federal Reserve (Fed) e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), diz que o conflito entre os Estados Unidos e o Brasil deixa o investidor estrangeiro 'mais cauteloso', mas descarta um impacto estrutural na atração de recursos. Para ele, será mais um 'TACO' - 'Trump Always Chickens Out', ou 'Trump sempre amarela'. Segue a entrevista:
Donald Trump pode adotar mais sanções contra o Brasil, especialmente no campo financeiro?
Marcello Estevão: Sim, ele pode. Uma possibilidade seria o bloqueio de ativos de brasileiros nos Estados Unidos como forma de pressionar o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes. No entanto, toda essa postura do governo norte-americano é profundamente problemática. O presidente Donald Trump pode até discordar do que o STF está fazendo, mas isso diz respeito à soberania brasileira. Trata-se de um país com uma democracia vibrante e um judiciário atuante. Um governo estrangeiro não tem legitimidade nem conhecimento suficiente para julgar as decisões da Justiça brasileira como ilegais ou antidemocráticas. Isso é bem diferente de casos como o da Rússia, que iniciou uma guerra ao invadir outro país, situações em que sanções internacionais podem fazer sentido. Além disso, mesmo que Trump queira impor sanções mais duras, em muitos casos ele precisaria da aprovação do Congresso norte-americano.
A própria carta do Trump ao presidente Lula não tem motivação econômica...
Marcello Estevão: Exatamente, a carta é de natureza claramente política; e essa foi uma das fragilidades do primeiro movimento norte-americano. Não há justificativa econômica plausível para se impor uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros. Trump, como presidente, tem influência, mas muitas dessas decisões passam pelo Congresso. E vale lembrar que o presidente Lula e outras autoridades brasileiras contam com apoio de parlamentares importantes em Washington.
Os dois lados não parecem ceder. Há chances de negociação entre Brasil e EUA?
Marcello Estevão: Sim, acredito que haverá uma negociação em algum momento. O Brasil terá de negociar, até porque a relação com os Estados Unidos não é simétrica. O impacto econômico de retaliações norte-americanas sobre o Brasil é maior do que o inverso. Isso não quer dizer que o Brasil deva se curvar. O presidente Lula está certo em adotar uma postura firme em defesa da soberania nacional, mas em algum nível haverá uma tentativa de aproximação diplomática.
Por quê?
Marcello Estevão: Porque a estratégia do governo Trump parece ter como objetivo principal forçar o Brasil à mesa de negociação, e não necessariamente aplicar sanções severas. Eles podem ampliar as investigações com base na Seção 301, alegando práticas comerciais 'injustas', inclusive no setor de pagamentos eletrônicos. Mas essa acusação não se sustenta. O Pix é uma inovação brasileira admirada globalmente. Se os cartões norte-americanos estão perdendo espaço, isso é um desafio para eles, não uma "injustiça". O sucesso do Pix é mérito do Brasil.
O deputado Eduardo Bolsonaro mencionou a possibilidade de os EUA retirarem o Brasil do sistema SWIFT. Há esse risco?
Marcello Estevão: Isso seria um completo absurdo. Comparar o Brasil com países como Rússia ou Irã é injustificável. Não consigo imaginar Trump convencendo o Partido Republicano e o Congresso, de forma mais geral, muito menos os europeus, que são aliados importantes e têm relações próximas com o governo Lula, a apoiarem uma medida tão extrema. Além disso, o SWIFT não é um sistema norte-americano, mas uma rede internacional. Essa hipótese está fora da realidade atual.
A taxação de 50% para o Brasil já foi parar na Justiça norte-americana. Podemos ter uma enxurrada de ações judiciais?
Marcello Estevão: Sim, é possível. O Brasil é um grande exportador de aço, suco de laranja, aviões, entre outros produtos. Há interesses econômicos relevantes em jogo. O Brasil tem lobby ativo em Washington, é membro do G20, não cometeu nenhuma agressão internacional, e ainda mantém um déficit comercial em bens e serviços com os Estados Unidos. Se os impactos econômicos se acumularem, ou muito provavelmente antes disto, tanto empresas brasileiras quanto norte-americanas atingidas tenderiam crescentemente a buscar proteção jurídica ou a pressionar seus respectivos governos por uma solução negociada.
O caso do Brasil pode ser mais um 'TACO'?
Marcello Estevão: Sim, tudo indica que será mais um episódio do que os analistas chamam de 'TACO'. Ele adota posturas agressivas, mas frequentemente recua quando os efeitos práticos começam a aparecer. Uma tarifa de 50% contra um país democrático, com Judiciário independente, simplesmente não se sustenta e, mais do que isso, seria ilegal à luz da legislação norte-americana e das normas da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Recentes dados do IIF mostram um forte fluxo mensal de investimento estrangeiro para países emergentes em julho, enquanto o Brasil corre o risco de ter o pior julho em alguns anos. As tarifas afastam o estrangeiro do País?
Marcello Estevão: Esse tipo de tensão entre o Brasil e os Estados Unidos deixa, sim, o investidor mais cauteloso. Pode ser que julho tenha sido um mês mais fraco em termos de fluxo de capital, mas não vejo isso como algo estrutural. O real se depreciou por conta desse ruído político, mas não houve uma fuga generalizada. A tendência é de estabilização, e o câmbio deve se recuperar gradualmente. Além disso, a política econômica dos EUA está enfraquecendo o dólar e isso, ironicamente, tende a beneficiar países emergentes no médio prazo.
O IIF passou a prever uma recessão rasa no segundo semestre por conta dos efeitos do tarifaço de Trump. Está mantido?
Marcello Estevão: Sim, seguimos prevendo um crescimento muito fraco nos próximos seis meses, com possibilidade de números negativos. Por isso acredito que o Fed vai começar a cortar juros já em setembro. O impacto das tarifas está sendo subestimado pelo mercado, e o enfraquecimento da atividade econômica deve pesar mais do que a inflação nos próximos trimestres. Com juros mais baixos nos EUA, países relativamente bem geridos, como o Brasil, podem se tornar mais atraentes para os investidores.
Então, o conflito com os EUA não contamina a visão do Brasil no exterior?
Marcello Estevão: O Brasil, no exterior, continua sendo visto como um país democrático, com instituições funcionando. O principal ponto de preocupação é a questão fiscal, que gera incerteza e pressiona os juros de mercado. Mas, quando os investidores olham para a estabilidade institucional e para projetos robustos em infraestrutura e energia, o interesse continua. O capital global está em busca de boas oportunidades de longo prazo.
O que falta para o Brasil receber um volume mais forte desses recursos?
Marcello Estevão: Resolver a questão fiscal é fundamental. Além disso, é preciso continuar aprimorando a qualidade e a governança dos projetos de infraestrutura e energia. O investidor estrangeiro quer previsibilidade e retorno, e o Brasil tem condições de oferecer ambos, desde que as reformas avancem.
Como o senhor vê a pressão do Trump sobre o presidente do Fed?
Marcello Estevão: Não acredito que Trump vá demitir Jerome Powell. Inclusive, o atual secretário do Tesouro, Scott Bessent, tem atuado para evitar esse tipo de interferência. Seria um erro gravíssimo, com repercussões globais.
E se Powell fosse demitido? Qual o impacto?
Marcello Estevão: Seria um choque forte. O dólar se desvalorizaria ainda mais, o que, aliás, já está em curso, e os mercados de ações provavelmente cairiam. Mas o impacto seria ainda mais sério se o novo presidente do Fed fosse alguém disposto a seguir cegamente os desejos políticos de Trump, desrespeitando o mandato duplo da instituição: estabilidade de preços e pleno emprego. Nesse cenário, estaríamos diante de uma catástrofe institucional.
O diretor do Fed, Christopher Waller, defendeu um corte de juros já em julho. Isso é político?
Marcello Estevão: Não vejo dessa forma. A fala dele foi baseada em uma leitura técnica razoável dos dados. Eu, inclusive, me alinho com essa visão mais 'dovish', ou seja, favorável ao corte de juros, porque estou mais preocupado com o enfraquecimento do lado real da economia americana do que com a inflação. A sua pergunta seria mais pertinente se estivéssemos falando de uma pessoa defendendo cortes com motivação política, como alguns possíveis futuros indicados por Trump ao cargo de presidente do Fed.
Fonte: Broadcast Agro.