17/Jul/2025
Toda vez que vou à China, volto com alguma novidade. Aliás, acho que todo brasileiro que visita o país tem suas histórias para contar. As novidades da minha última viagem requerem atenção. São dois tipos de constatações: uma de ordem macroeconômica e outra referente ao mercado de alimentos. No aspecto macroeconômico, as seguintes expressões foram repetidas inúmeras vezes: economic downturn (economia em recessão), consumption downgrade (contração no consumo), trade war (guerra comercial) e aging population (população em envelhecimento). Já nas conversas de networking, os ocidentais que moram na China se referem a um cenário de incerteza. A percepção geral é de que há uma retração no consumo em curso. Essa percepção está associada ao envelhecimento da população e à baixa taxa de natalidade, além da digitalização da economia, que teria promovido mais consumo dentro de casa, menor consumo de serviços externos e uma competição acirrada nas plataformas digitais, que oferecem produtos a preços que não remuneram adequadamente os negócios, buscando manter o nível de demanda.
O resultado é uma queda de preços para os produtores e um cenário de deflação, conforme noticiado por veículos brasileiros a partir de dados divulgados pelo National Bureau of Statistics of China. Quanto ao mercado de alimentos, os principais pontos levantados foram os seguintes. Sem incluir pescados, o consumo per capita de carne na China é de 76 Kg/hab/ano. Há certo consenso de que o espaço de crescimento está em torno de mais 10 Kg/hab/ano, com posterior estagnação. Como o consumo tem aumentado cerca de 1 Kg/hab/ano, essa projeção indica uma janela de crescimento de 10 anos, seguida de estabilização. Esses 10 Kg/hab/ano adicionais seriam parcialmente absorvidos pela carne bovina, com estimativas de cerca de 2 Kg/hab/ano, mas sobretudo pela carne de frango. Já a carne suína, que lidera o consumo com mais de 40 Kg/hab/ano, teria atingido seu teto e pode até registrar queda, sendo substituída pelo frango. A estimativa de consenso é que o consumo total de carne atinja um teto de 85 Kg/hab/ano, o que é coerente com o alto consumo de pescados (ao redor de 20 Kg/hab/ano).
Fica claro que o consumo de proteína animal tem espaço para crescer, embora em ritmo mais lento do que no passado, em função do envelhecimento e da estabilidade populacional. Assim, mesmo que o teto esteja distante, o ritmo de crescimento tende a ser mais contido. A boa notícia é que não ouvi mensagens fortes de busca por autossuficiência na produção de proteína animal. No entanto, a expressão "super capacidade" apareceu algumas vezes, referindo-se à produção de suínos e frango, o que indica um ambiente interno de forte competição. Outro produto muito discutido foram as matérias-primas para ração, sobretudo farelo de soja, DDGs e milho. A China é o maior consumidor e processador de soja do mundo, sendo também a maior produtora mundial de farelo de soja. Cerca de 70% da soja consumida no país, voltada para o processamento e produção de farelo e óleo, é de origem brasileira. Já é conhecido que a China busca, no longo prazo, reduzir sua dependência de importações, aumentando a autossuficiência no farelo de soja. A novidade é que os chineses passaram a dizer que o consumo de farelo de soja na alimentação animal está próximo de seu pico.
Eles justificam isso com três argumentos: menor crescimento da produção de carnes, sobretudo suína; estímulo à busca de outras matérias-primas para substituir parcialmente o farelo; e a estratégia de diminuir a dependência de importações. Eu incluiria um quarto fator, relacionado à indústria de processamento chinesa. Estimativas apontam que o consumo de óleo vegetal vai cair na China devido a mudanças demográficas e de hábitos alimentares. O país já consome incríveis 25 Kg/hab/ano de óleo vegetal (quase 10 Kg/hab/ano a mais que o Brasil). Essa queda afeta a rentabilidade do esmagamento de soja e, por consequência, também pode contribuir para a estabilização na produção. No caso do milho, outra matéria-prima relevante para ração, o discurso é que as importações não serão significativas. Os chineses afirmam que há regiões com potencial de aumento da produção doméstica. Assim, não há perspectivas de volumes expressivos de importações, conforme ocorreu em 2023, muito bem aproveitados pelo Brasil. Na perspectiva brasileira, após ouvir isso tudo, há motivos para preocupação? No curto prazo, não. Mas é necessário estar atento aos sinais de longo prazo que vêm sendo emitidos pela China.
Certamente, nas questões sanitárias, fitossanitárias e de qualidade, as exigências devem aumentar, podendo resultar em barreiras comerciais, sobretudo na soja. Ainda no caso da soja, a perspectiva é de que o mercado como um todo não vá crescer, mas o Brasil pode ganhar espaço ao substituir os Estados Unidos como fornecedor. Quanto ao milho, não há sinais de que a China volte a importar grandes volumes. Isso tudo indica que o Brasil deve redobrar a atenção com a China: o país não só está perdendo dinamismo econômico como também se consolida como mercado maduro para soja e milho. Todas as informações relatadas aqui foram coletadas durante três eventos que ocorreram em Guilin, organizamos pela CFNA (China Chamber of Commerce of Import & Export of Foodstuffs, Native Produce & Animal By-Products): Sustainable Agricultural Supply Chain Conference & 9th RSPO China Forum, China International Cereals and Oils Conference and Imported Grains and Feeds Conference 2025. Fonte: André Meloni Nassar. Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove). Broadcast Agro.