14/Jul/2025
Ao impor uma tarifa de 50% sobre os produtos brasileiros que entram nos Estados Unidos (EUA), o presidente norte-americano, Donald Trump, usou como um dos argumentos "déficits comerciais insustentáveis" contra o seu país. Mas, a frieza dos números não corrobora as palavras de Trump. Aliás, se considerar os 25 anos deste século, o Brasil só teve superávit comercial com os norte-americanos nos primeiros 8 anos, entre 2001 e 2008. A partir de então, são 17 anos consecutivos de saldo negativo nas trocas de mercadorias, incluindo o resultado acumulado em 2025 até agora. "Entenda que essas tarifas são necessárias para corrigir os muitos anos de políticas tarifárias e não tarifárias e barreiras comerciais do Brasil, que causam déficits comerciais insustentáveis contra os Estados Unidos. Esse déficit é uma grande ameaça à nossa economia e, de fato, à nossa segurança nacional!", afirmou o presidente dos Estados Unidos na carta endereçada ao seu par no Brasil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
No entanto, de 2008 em diante, último ano em que o Brasil teve superávit com os Estados Unidos, de US$ 928 milhões, o saldo negativo acumulado pelos brasileiros em relação aos americanos supera US$ 90 bilhões. O governo brasileiro vinha, inclusive, usando essa sequência de déficits como argumento contra as tarifas impostas ao País. Desde a cúpula do Brics, realizada no Rio de Janeiro, que reuniu países não alinhados aos Estados Unidos e que resultou em uma declaração favorável ao uso de uma moeda única nas trocas comerciais, além de críticas às políticas comerciais dos Estados Unidos e aos ataques dos norte-americanos ao Irã, o tom de Trump contra o Brasil e nações alinhadas ao Brics endureceu. Ele passou a fazer ameaças e a criticar o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro. A carta abre dizendo: "Eu conheci e tratei com o ex-presidente Jair Bolsonaro e o respeitei muito, assim como a maioria dos demais líderes de países. A maneira como o Brasil tem tratado o ex-presidente Bolsonaro, um líder altamente respeitado em todo o mundo durante seu mandato, inclusive pelos Estados Unidos, é uma vergonha internacional. Esse julgamento não deveria estar ocorrendo. É uma caça às bruxas que deve acabar IMEDIATAMENTE!"
O fato é que a decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de taxar os produtos importados do Brasil em 50% a partir de agosto é tudo menos política comercial. A diplomacia brasileira já vinha negociando que as tarifas para o País continuassem em níveis mais baixos, com a alegação já antiga de que os Estados Unidos têm superávit comercial com o Brasil. Não se esperava uma sanção desta magnitude à maior economia da América Latina. Fora da área econômica, Trump já estava claramente perturbado com o que chamou de "caça às bruxas" em relação ao ex-presidente Jair Bolsonaro e sua família. A expressão é a mesma que o republicano usa para tratar de assuntos relacionados a ele mesmo em seu país. Para Trump, o brasileiro vem sofrendo perseguição no Brasil e pediu que o "deixassem em paz".
Há um pouco mais de tempo, Trump já vem dando estocadas na Suprema Corte brasileira, em meio a julgamentos sobre a responsabilização de grandes empresas de tecnologia, a maior parte delas norte-americana, por conteúdos publicados por usuários. O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que as redes sociais podem ser acionadas mesmo sem ordem judicial em casos de crimes considerados graves, como pornografia infantil, racismo ou terrorismo. Foi durante a cúpula do Brics, porém, que o presidente dos Estados Unidos mostrou toda sua irritação com os membros do grupo. Na área econômica, o bloco disse que continuará seus estudos sobre o interesse dos Bancos Centrais dos países membros de reduzirem custos em operações internacionais ao usarem moedas locais, sem ter de passar pelo dólar. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que não há motivo para que toda a transação passe pela moeda norte-americana, a menos que seja uma negociação com os Estados Unidos e que este já é um movimento sem volta.
Momentos antes, Trump já tinha ameaçado que quem se alinhasse aos Brics poderia contar com uma tarifa de 10% a mais das que já tinha anunciado individualmente para cada nação. O alvo no Brasil foi ainda maior. Como a divulgação da nova alíquota foi feita logo após a defesa de Bolsonaro, ficou claro para várias fontes que não se trata de uma retaliação comercial. A atuação do chefe da maior potência econômica e bélica do globo ajudou a dar mais importância para a reunião de líderes que ocorria no Brasil. Para a Universidade de Brasília (UnB), a tarifa de 50% que os Estados Unidos prometem cobrar dos produtos brasileiros a partir de 1º de agosto impõe ao Brasil a tarefa de acelerar a diversificação de suas exportações em direção à Ásia, Oriente Médio e outros mercados. Além disso, o País terá que buscar mecanismos de pagamentos e de contratos de transações comerciais que não passem pelos Estados Unidos.
Medidas como esta dos Estados Unidos dizem ao mundo que chegou a hora de buscar alternativas. A China provavelmente continuará sendo a “porta mais aberta” aos produtos brasileiros no curto prazo, mas o Brasil também terá que buscar mais destinos comerciais. Canadá e a União Europeia, com quem o Mercosul finaliza um acordo de livre comércio, são opções promissoras. Não dá para dizer que o governo brasileiro falhou nas negociações com os Estados Unidos. Não havia muito a ser feito. Afinal, do outro lado da mesa, não existe uma política bem definida, conhecida e previsível, mas uma pessoa com visões incertas, atitudes intempestivas, dogmático, e ao que parece, que pouco se baseia em fundamentos: Donald Trump. O Brasil jamais pode abrir mão de sua soberania. Esse é o ponto de partida. O Brasil tem de ficar atento aos desdobramentos da decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
As decisões recentes de Trump com relação ao Brasil têm o potencial de trazer danos para a valiosa condição de o País estar relativamente distanciado de questões geopolíticas. Essa posição do Brasil tem rendido frutos em termos de atração de interesses e de investimentos estrangeiros. O Brasil não pode se deixar cair nesta armadilha. Para a BMJ Consultoria, o maior impacto da tarifa de 50% dos Estados Unidos sobre produtos brasileiros será o comércio de produtos nos quais o Brasil concorre com outros fornecedores. Em produtos nos quais o Brasil compete com outros fornecedores, os produtos brasileiros serão muito prejudicados com a tarifa de 50%, caso do café e da carne bovina. São produtos em que a tarifa adicional terá efeito nas exportações brasileiras porque os Estados Unidos têm outros fornecedores possíveis. O Brasil tem poucos produtos que não concorrem com outros países no fornecimento ao mercado norte-americano.
A alíquota de 50% aplicada sobre o Brasil surpreendeu pelo fato de as tarifas anteriores anunciadas por Trump girarem entre 25% e 40%. Esperava-se que a sobretaxa viesse nesse nível. Uma tarifa de 50% pode ser impeditiva para várias exportações, porque se soma a outras já existentes, caso do aço que já tem 50% de tarifa. Ao mesmo tempo, há outras medidas antidumping que podem impedir a exportação brasileira de vários produtos. A balança comercial entre Estados Unidos e Brasil é "muito equilibrada", tendo atingido cerca de US$ 40 bilhões de exportação e outros US$ 40 bilhões de importação em 2024. É uma balança bastante importante, mas os Estados Unidos não são mais o maior parceiro comercial. Comparado ao Canadá e México, que dependem muito do mercado norte-americano, o Brasil é menos afetado, mas vários setores específicos serão muito afetados. O governo brasileiro vai buscar a negociação com os Estados Unidos para reversão ou diminuição da tarifa nos próximos 22 dias, mencionando a própria estratégia do governo Trump de forçar a negociação.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que o déficit comercial crônico dos Estados Unidos com o resto do mundo não pode servir de pretexto para decisões desequilibradas como a tarifa de 50%, contra produtos brasileiros. Conforme o ministro, a decisão dos Estados Unidos é explicada mais por pretensão política da extrema direita, referindo-se a interesses da família Bolsonaro, do que propriamente pela racionalidade econômica, já que o Brasil tem déficit nas trocas de produtos e serviços com a maior economia do mundo. Ao abordar as preocupações norte-americanas em relação à proximidade do Brasil com a China, Haddad destacou que os interesses com Estados Unidos e Europa são de tamanho equivalente aos que o governo brasileiro tem com a China.
Nesse sentido, o Brasil se pauta pelo pragmatismo, de modo que não concede mais ou menos espaço a quem quer que seja, assim como é grande demais para ser "apêndice" de um bloco econômico. Segundo Haddad, a "narrativa" de que o Brasil tem um mercado fechado tampouco pode ser justificativa às barreiras de Trump pois não tem "aderência à realidade". Ele citou números que mostram que a tarifa efetiva de produtos importados nos Estados Unidos, de 2,7%, é pouco mais da metade da alíquota efetiva de importação no Brasil, de 5,2% considerando todas as compras do exterior. Se essa narrativa tivesse aderência à realidade os países deveriam estar negociando. Mas não há fatos concretos ou dados econômicos concretos. A posição do Brasil de defender o multilateralismo, que vem sendo atacado por Trump, também não pode ser pretexto para as tarifas. Fonte: Broadcast Agro. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.