08/Jul/2025
Uma semana após os lançamentos oficiais do Plano Safra 2025/2026 para agricultura empresarial e familiar, o setor produtivo ainda digere os anúncios feitos pelo governo federal para a principal política de crédito público para a agropecuária. Para a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), que representa 5 milhões de produtores rurais, o Plano Safra 2025/2026 não responde à altura do agronegócio. Enquanto tiver essa dicotomia entre o agro do bem e o agro do mal, dificilmente haverá um Plano Safra robusto que realmente pense em resolver o problema da inflação e da garantia de alimentos, avalia o diretor técnico da confederação, Bruno Lucchi. Ele aponta que o Plano Safra 2025/2026 ficou aquém do esperado ao não priorizar aumento de recursos, ou manutenção de juros, ou reforço do seguro rural. Segue a entrevista:
A CNA pediu R$ 594 bilhões em crédito rural para a safra. A oferta total do governo ficou em R$ 594,4 bilhões para agricultura empresarial e familiar, considerando crédito rural e Cédulas de Produto Rural (CPRs) originadas de recursos com direcionamento obrigatório. Esse montante é factível com as necessidades do setor?
Bruno Lucchi: Lucchi - A demanda da entidade, de R$ 594 bilhões, considera o método tradicional, somando crédito rural e sem contabilizar a CPR (Cédula de Produto Rural). A CPR é um instrumento importante do crédito privado e do mercado financeiro ao financiamento do agronegócio. Porém, acreditamos que ao incluir as CPRs na análise total sem o detalhamento de qual valor é proveniente das CPRs e quanto é crédito puro, o governo não está sendo transparente o suficiente para mostrar que é um novo método de cálculo, o que dificulta até mesmo a comparação com os anos anteriores. Podemos até avaliar como a CPR tem de ser incorporada nesse cálculo e em quais situações, mas é necessária uma apuração correta disso. Isso pode ser revisto para os próximos planos. Se considerarmos os dados do governo de oferta de R$ 508 bilhões para agricultura empresarial na safra passada com os atuais R$ 516 bilhões em valores nominais, é um valor insuficiente. Há apenas 1,5% de aumento, ou seja, está muito abaixo da inflação. Esse valor não atende ao que o setor demandou.
A CNA afirmou que o Plano Safra não está à altura por não ter acompanhado a inflação, de 5,32% acumulada no período. Já o governo diz que o aumento de recursos não tem relação com inflação e sim com a demanda. Era esperado pelo menos 5% de aumento nos recursos ofertados acompanhando a inflação?
Bruno Lucchi: A inflação é apenas um parâmetro. O governo anunciou que foi um valor recorde, mas apenas se considerarmos valores nominais. Se for valor corrigido, não é recorde. Teoricamente, a análise é feita em valores reais e, por isso, utilizamos a comparação com a inflação. A nossa demanda é muito maior que a inflação. Entendemos o momento crítico de Selic de 15% e de aperto orçamentário, mas quando comparamos com a inflação, vemos a falta de relevância que foi dada ao setor neste momento.
Por quê?
Bruno Lucchi: O Plano Safra é muito mais que uma política agropecuária e sim uma política estratégica para o País. O Plano Safra não é um plano para o agricultor, mas é um plano que traz ganhos para a sociedade brasileira e principalmente para o consumidor brasileiro, porque tem impacto na contenção da inflação de alimentos. O governo falou muito no início do ano em buscar soluções para reduzir o preço dos alimentos. Então, se o governo realmente quer controlar a inflação de alimentos, a primeira coisa que tem de ser priorizada é um Plano Safra robusto. Neste momento é muito mais importante do que nos anteriores porque temos a economia brasileira crescendo menos que no ano passado, o mercado internacional totalmente conturbado com uma crise geopolítica crítica e uma sinalização de aumento de custo muito grande para a próxima safra. É um momento de o governo estimular o produtor a produzir mais, com crédito para o produtor investir e seguro para ele se proteger das questões climáticas e para que haja uma produção superior à colhida neste ano.
Se o Plano Safra foi considerado insuficiente em relação à demanda de crédito do setor para a próxima safra, esse volume aquém do esperado pode limitar a expansão de área?
Bruno Lucchi: Diante do cenário atual, de poucos aspectos que sinalizam melhoria nos preços dos principais produtos agrícolas, elevação do custo de produção, encarecimento do custo do crédito e sem seguro rural, há muito mais pontos de preocupação do que otimistas. O produtor terá que decidir o quanto vai se expor na próxima safra. A decisão do produtor vai passar pela ampliação, manutenção e redução de área e pelo pacote tecnológico a ser adotado, porque talvez ele tenha que reduzir o pacote para conseguir adequar os custos à margem ou talvez tenha que substituir o produto cultivado. São variáveis que pesam muito mais contra do que a favor da expansão da produtividade e com viés de pressão inflacionária.
Não será a primeira vez que o agronegócio terá juros na casa de dois dígitos. No Plano Safra 2022/2023, ainda no governo Bolsonaro, os juros chegaram a até 12,5% ao ano na agricultura empresarial. Hoje, chegam até 14%. O setor está mais preparado para absorver esse maior custo financeiro em relação aos anos anteriores?
Bruno Lucchi: Com Selic a 15%, nosso desejo era pelo menos a manutenção das taxas de juros, desde que houvesse aumento de recursos, o que não ocorreu. São cenários diferentes. Viemos de problemas climáticos em boa parte do País, com o produtor descapitalizado, com renegociações acumuladas, com o índice de inadimplência muito maior, chegando a 5,2% nos recursos livres. É um cenário muito mais preocupante do que o dos anos anteriores, quando a taxa estava em dois dígitos, mas o índice de inadimplência historicamente estava em 1,5%. Não é apenas uma Selic de 15% e, sim, um acúmulo de endividamento maior do produtor, sem seguro rural, com um contexto geopolítico muito mais conturbado e uma economia brasileira que não dá sinais de grande aumento de consumo nos próximos anos.
Essas condições atuais de Selic elevada, aperto orçamentário, renegociação pressionando recursos já estavam na mesa e eram amplamente reverberadas pelo governo. Por que a surpresa de algumas entidades do setor com o que foi anunciado?
Bruno Lucchi: O setor esperava que realmente houvesse uma sensibilização do governo para uma política pública que é muito maior que o setor agropecuário. Todos os países que têm uma agricultura forte consideram o agronegócio não um setor econômico, mas um setor estratégico porque é uma questão de segurança alimentar e de soberania nacional. Como o governo sinalizou preocupação com a questão inflacionária no início do ano, achamos que poderia haver uma tentativa de se garantir que o Plano Safra seria um plano mais estruturado, robusto, condizente com os desafios do cenário nacional e internacional. E não teve nada disso. Ninguém está alheio ao desafio que existe de Selic mais elevada, do problema de orçamento de governo, mas alguma coisa teria de ser priorizada. E não foi priorizado o seguro, não foi priorizado o volume de recursos, não foi priorizada a taxa de juros. Não houve priorização em nenhuma das condições e no caso do seguro rural, pelo contrário, houve um corte de R$ 445 milhões no orçamento.
Então, falta sensibilidade do governo Lula em relação a ver o agronegócio como um setor estratégico?
Bruno Lucchi: Há um pensamento de que a agricultura familiar coloca a comida na mesa do brasileiro. Os juros para agricultura familiar para produtos como feijão, arroz, mandioca, frutas e verduras foram mantidos a 3%. Em número de produtores, considerando o censo do IBGE, a agricultura familiar é maioria em praticamente todas as atividades. Porém, quando se olha a produção total, a produção da agricultura familiar, responde por 11% no arroz, no feijão, 18,7%, na mandioca, 70%, no milho, 12,5%, na soja, 9% e no café total 38%. É uma falácia dizer que quem coloca a comida na mesa é a agricultura familiar. A agricultura familiar tem de ter apoio, assistência técnica e juros menores. Ninguém discorda disso, mas é equivocado achar que a inflação de alimentos será contida com juros de 3% para agricultores familiares. O Plano Safra tem de enxergar o agronegócio como um todo, sem distinção de produtor entre o que exporta e aquele voltado ao abastecimento do mercado doméstico. Isso é um erro que o governo comete recorrentemente. Enquanto tiver essa dicotomia entre o agro do bem e o agro do mal, dificilmente haverá um Plano Safra que realmente pense em resolver o problema da inflação.
O governo diz que há aperto orçamentário, o que limitou a maior participação do Tesouro. Ao mesmo tempo, o próprio setor critica o descontrole de gastos do governo, mas pede maior subvenção. Como equacionar isso?
Bruno Lucchi: É preciso saber investir onde há retorno. Há inúmeros temas que poderia haver melhor utilização do recurso público. O retorno do agro não é para o agro e vai além da economia. Não se trata de uma benesse que queremos. É um investimento que vai voltar para a sociedade da forma de alimento barato, segurança alimentar, garantia de abastecimento e divisas, principalmente para o interior do País. Existe a necessidade de se fazer um ajuste fiscal, mas o governo tem de saber o que cortar e quais investimentos vão dar retorno. Essa avaliação tem de ser feita pelo governo.
Fonte: Broadcast Agro.