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03/Jul/2025

Mercosul: Brasil assumirá presidência temporária

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebe nesta quinta-feira (03/07), do presidente argentino, Javier Milei, a presidência temporária do Mercosul, com duração de seis meses. A transferência na liderança ocorre em meio à proximidade de conclusão do acordo comercial entre o bloco econômico sul-americano e a União Europeia, além de um contexto marcado pela divergência nas agendas política e econômica entre Brasil e Argentina. Há ainda expectativa de avanço nos trâmites do acordo com a Associação Europeia de Livre Comércio (Efta), formada por Islândia, Liechtenstein, Noruega e Suíça. A cerimônia de transferência ocorrerá em Buenos Aires, durante a 66ª Cúpula de Chefes de Estado do Mercosul, que reúne Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Bolívia (país incorporado ao bloco em julho de 2024 e que terá quatro anos de adaptação às regras). O encontro também servirá para debater temas prioritários da agenda regional.

O evento ganha peso adicional diante da expectativa de que o acordo entre o Mercosul e a União Europeia seja votado pelo Parlamento Europeu em outubro e, possivelmente, ratificado na Cúpula do Mercosul prevista para a primeira semana de dezembro, ainda sob a presidência temporária do Brasil. Lula aposta no acordo como elemento estratégico de sua política externa. O acordo Mercosul-Efta deve seguir os próximos trâmites após assinatura. O Produto Interno Bruto (PIB) combinado dos dois blocos é de US$ 4 trilhões. Além disso, o contexto de transferência de comando do bloco é marcado pelas divergências nas agendas entre Brasil e Argentina, os principais atores do Mercosul. Durante sua presidência pro tempore no bloco, Javier Milei deixou de lado pautas sociais e ambientais e defendeu medidas que visam flexibilizar as regras da organização a fim de desbloquear acordos de livre comércio, como o que a Argentina busca com os Estados Unidos.

O líder argentino também propôs flexibilizar as regras do Mercosul e permitir que os países-membros reduzam parte de suas tarifas comerciais. Durante sua gestão, o presidente Lula deve adotar outras prioridades na condução do bloco. A reunião é considerada estratégica para expor as distintas visões de política econômica entre os países-membros, especialmente em relação à Argentina. O presidente brasileiro pretende, por exemplo, fortalecer a Tarifa Externa Comum (TEC), um sistema de tarifas de importação unificado aplicado pelos países do Mercosul, e integrar os setores automotivo e açucareiro ao regime tarifário do Mercosul. Em 34 anos de existência do bloco, esses setores nunca estiveram submetidos às mesmas regras uniformes de tarifas alfandegárias aplicadas a importações externas ao bloco. Atualmente, o comércio de automóveis no Mercosul está praticamente restrito a Brasil e Argentina, que mantêm um acordo bilateral de cotas, permitindo a venda limitada de veículos entre os dois países sem a incidência da alíquota de importação de 35%.

A Argentina manteve sua posição como principal destino das exportações brasileiras no Mercosul, respondendo por 73% do total embarcado ao Mercosul de janeiro a maio de 2025, de acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC). Pelo lado das importações, a Argentina também liderou, respondendo por 70% das compras brasileiras dentro do bloco. De janeiro a maio de 2025, segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), o comércio do Brasil com os países do Mercosul movimentou US$ 17,5 bilhões, representando um crescimento de 18,6% em relação ao mesmo período de 2024. Entre os principais produtos exportados ao bloco neste período estão veículos automóveis de passageiros, que representaram 17% do total exportado, seguidos por partes e acessórios de veículos (7,4%) e veículos para transporte de mercadorias (5,6%).

Do lado das importações, o Brasil comprou majoritariamente veículos para transporte de mercadorias (17%) e de passageiros (9,2%), além de trigo e centeio não moídos (9,9%) e energia elétrica (5,4%). No setor açucareiro, ainda não há acordos existentes entre os países do bloco, o que cria uma oportunidade para o governo brasileiro estabelecer um entendimento focado na cadeia produtiva, inclusive em itens de alto valor agregado, como bolachas. Lula também pretende lançar o programa Mercosul Verde, voltado à promoção da agricultura de baixo carbono e à expansão das exportações agrícolas sustentáveis. A maior parte das agendas do presidente brasileiro divergem da visão e da estratégia internacional do presidente argentino. Além das diferenças na pauta econômica, Milei e Lula acumulam um histórico de atritos políticos. A relação entre os líderes é marcada por ofensas desde o período eleitoral na Argentina, quando Milei se apresentava como candidato da direita e acusava Lula de atuar contra sua candidatura.

No entanto, entre membros do governo brasileiro, há uma avaliação de que, mesmo diante das divergências político-econômicas entre os dois, a relação bilateral entre Brasil e Argentina permanece sólida e não compromete a condução da política regional. Apesar da postura refratária do presidente argentino em relação ao Mercosul, sua gestão à frente do bloco foi marcada por disposição para negociar dentro das instâncias institucionais, e não à margem delas. A avaliação do Brasil foi positiva considerando um ambiente de negociação desafiador, em que a Argentina atua sob uma matriz político-econômica distinta da brasileira. Amanhã, durante a 66ª Cúpula de Chefes de Estado do Mercosul, Milei transferirá a presidência temporária do bloco ao presidente Lula, com mandato de seis meses. Com a chegada do presidente argentino ao comando do bloco, havia o receio de que sua gestão, marcada por uma agenda mais liberal e com menor afinidade com mecanismos de integração regional, resultasse em mudanças mais impactantes. Milei chegou a ameaçar sair do bloco em algumas ocasiões.

Na prática, no entanto, prevaleceu certa disposição para o diálogo institucional. Um exemplo foi a proposta da Argentina para ampliar em 50 os códigos tarifários nas listas nacionais de exceções à Tarifa Externa Comum (TEC), de 100 para 150. Apesar de, no mérito, não estar completamente alinhado ao governo brasileiro, a medida foi objeto de concessões e negociações conduzidas no âmbito do foro e atendeu a condições impostas pelo Brasil para proteger a indústria nacional, como limitações na redução de tarifas. Entre membros do governo brasileiro, há ainda uma avaliação de que, mesmo diante das divergências político-econômicas entre Milei e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a relação bilateral entre Brasil e Argentina permanece sólida e não compromete a condução da política regional. Integrantes do governo avaliam que a parceria entre os dois países transcende os embates ideológicos, já que é sustentada por uma teia de interesses institucionais que inclui, por exemplo, o diálogo entre Forças Armadas, a coordenação diplomática e a cooperação transfronteiriça.

Além disso, o crescimento consistente do comércio entre os dois países reforça a interdependência econômica, que se mantém a despeito do cenário político. Há consenso, no entanto, de que a relação entre os dois líderes é, de fato, conflituosa, sobretudo pela proximidade de Lula com a ex-presidente argentina Cristina Kirchner, e da afinidade de Javier Milei com o ex-presidente Jair Bolsonaro. Esse cenário, no entanto, se limita ao plano político entre os chefes de Estado. Na prática, há uma espécie de distanciamento artificial entre Brasil e Argentina. Ou seja, embora os presidentes não se comuniquem diretamente por razões ideológicas, os dois países seguem alinhados em diversas agendas. A força da relação bilateral, alimentada por interesses estruturais, se sobrepõe às diferenças políticas. Essa tônica deve continuar durante o comando de Lula à frente do bloco. Fonte: Broadcast Agro. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.